Nei Duclós
O pontificado de Francisco é recente, mas a JMJ estava
planejada há tempos. Ele soube agir sobre um trabalho feito, conduzindo (sem “mandonear”
como disse numa de suas inúmeras falas no Rio) uma ação pastoral que pode ser
considerada paradigmática de sua presença no trono de São Pedro. Trata-se de
uma dinamização do que a Igreja dispõe, sua estrutura, seus quadros e seus
simpatizantes. Uma orientação prática rumo a uma transgressão da imobilidade
eclesiástica, com o objetivo de reverter o processo de esvaziamento do catolicismo,
existente por culpa das próprias contradições da Igreja romana.
Francisco não deixou ponta solta na Jornada. Sua fala mais
importante foi diretamente aos bispos, que devem abdicar do papel de príncipes
para desenvolver uma ação sem centro, portanto, voltada para a periferia. Não
apenas para o subúrbio, a periferia urbana, mas para a periferia do ego
religioso oficial. Sair de si, aproximar-se do outro é tocar nas margens não só
da percepção, mas da evangelização. Isso se refletirá na reconquista dos fiéis
afastados pela indiferença da organização episcopal burocratizada e voltada
para os poderosos. E na disseminação da palavra sagrada para quem não comunga
com a espiritualidade por falta de opção.
Ficou claro na visita papal seu corte ostensivo a qualquer
identificação com os poderes do Brasil ou de seus sequazes, que resolveram
comparecer na missa de 3 milhões de fiéis em Copacabana ostentando vestes
pretas e rosto desfigurado pela soberba. Os estadistas de estádio superfaturados
não combinavam com a luminosidade do evento, todo ele impregnado pela luz da
inclusão e do papel hegemônico reservado aos despossuídos. Para evitar que soe
como demagogia, é bom destacar o esforço de Francisco em colocar no palco
ex-drogados, abraçar indígenas, visitar favelas, acompanhando cada gesto com a
necessária elocução dos princípios contra os pecados capitais, a começar pelo
que disse da corrupção, colocada como o exemplo maior da falta de
espiritualidade.
Se as falas a favor de uma igreja aberta, descentralizada e
preocupada com a exclusão soam, ditas de Roma, vazias, aconteceu exatamente o
oposto com a presença física e espiritual de Francisco, que encantou pela sinceridade
de sua ação, longe das poses que costumam ser planejadas por profissionais do
ilusionismo. O Papa é um bispo argentino que foi investido de autoridade máxima
da Igreja e se expôs com toda a sua humanidade, fora dos circuitos do
oficialismo da Igreja.
Mudar, para Francisco, é fazer como ele fez no Rio:
palmilhar cada metro quadrado do território conflagrado, enfrentar com
galhardia o engarrfamento, não se deixar abater pelo cansaço diante da maratona
de compromissos, ligar sempre os princípios da ética e da regigiosidade aos
acontecimentos pontuais que afligem a humanidade. Seu fecho da ação pastoral, o
que disse sobre a aceitação dos gays na Igreja, é a pedra de toque desse trabalho
árduo que implica abdicar dos vícios, da preguiça, dos preconceitos e da
desesperança. Perseverem, disse Francisco. Não se deixem abater.
Os frutos dessa agenda virão. Uma agenda que se desdobrará
com força por um mundo mais arrumado, menos ganancioso e sem tanta hegemonia
dada à estupidez. Para nós, foi a visita da pessoa certa na hora certa. Deus é brasileiro,
mas estava no exílio. Voltou pelas mãos de Francisco.