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29 de maio de 2011
A VIAJANTE OBSCURA
Nei Duclós
A poesia é a viajante obscura,
que chega no meio da tormenta,
deposita os sapatos no portal,
entra de mala úmida e pergunta:
quem é você?
Quando nos visitam, olhamos
para os sapatos, as dobras, as mechas,
a cor de uma pele de castigo.
E baixamos os olhos, sorrindo.
É você, digo
Liguei a luz de cabeceira,
onde jazia um livro relido.
Olhei para o teto, com verniz recente.
De repente, a janela abriu-se, bruta.
Era o Tempo
Estive num espaço remoto, inacessível.
Enviei pombos com ramo no bico
e recados nas plumas.
Fiz sinais de fumaça.
Só recebi telegramas
Nada fica de nós,
criaturas sem brilho,
opacos verdugos do tempo insubmisso.
Só o rastro na lava, o aceno na pedra,
o lenço no bolso de linho
Nada fica de nós
a não ser o encontro fortuito,
o longo convívio, o trabalho perdido,
o olhar sobre o muro.
E uma carta, curta, se despedindo
Nada fica de nós
a não ser a palavra suspensa,
o sopro no vidro, os domingos antigos,
o sol sobre a areia.
E o amor, gasto de tanto uso
Nada fica de nós
a não ser esses óculos sobre a mesa,
os livros dispostos na estante,
a marca no travesseiro, as roupas dobradas.
E a saudade
Por que essas lembranças, coração escasso?
O Tempo não tem culpa.
É você, que resolveu sonhar
comigo ao lado.
Você, tango, você, fado
Foi a última vez que a vi.
Estava de vestido cinza, cinto azul, batom rubro.
Riu quando se despediu.
E subiu no ônibus,
rumo à eternidade
É cedo ainda, me disse o anjo,
e foi embora.
Fiquei de rédea na mão,
cabresto inútil de um cavalo chamado Destino.
Soltei-o no pasto e aguardo
RETORNO - Imagem desta edição: obra de Magritte.
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