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13 de maio de 2011
PERDER
Nei Duclós
Vemos tanta gente cantando vitória na indústria do espetáculo que chegamos a nos perguntar,como Álvaro de Campos, se “não há mais gente no mundo”. São multidões em fúria comemorando campeonatos, com seqüelas conhecidas e repetidas, nações vibrando com a morte alheia, como se a vingança apagasse a mácula, vaidades pincelando atitudes sem importância, entre outras manifestações suspeitas. O convívio pacífico implica aceitar a perda, sob pena de virarmos todos uns cretinos. Todo punho cerrado para o alto atinge alguém, enquanto as mãos postas a todos beneficia.
Perder é o preço que pagamos pela civilização, que por natureza é criada em cima de vitórias pesadas, celebradas em monumentos e datas históricas. Depois da carnificina que é a fundação de cidades e nações, a humanidade se retira para a paz, que é o resultado dos conflitos sob controle. Não se pode continuar querendo vencer a todo pano, sem negociação,como se estivéssemos ainda em formação.No esporte, quando o resultado estiver definido, vencedores e vencidos devem trabalhar mais o bom humor do que a frustração. É para isso que existem jogos e campeonatos: para levar as diferenças a um território onde não haja sangue nem morte. Mas não é isso o que se vê em muitos casos.
Há uma cultura implantada de tirar vantagem sobre a competição na vida profissional e pessoal. Isso é reproduzido em rede, desde o mais alto escalão. Há uma gula em relação ao patrimônio alheio, fruto da má distribuição de renda e do sucateamento dos princípios básicos da vida social. Não ter parece que agora gera um sentimento irreparável de perda, que só o crime poderia reverter. Tanta violência e corrupção talvez venha desse voluntarismo em relação ao que é dos outros. Vemos isso na vida cultural, onde os nichos, as panelas, os aparelhamentos continuam excluindo vastas porções dos talentos, que se perdem no ralo da incompreensão e da falta de oportunidades.
Retirar-se para se concentrar e meditar é uma atitude religiosa que serve para todos os aspectos da vida. Deixar de lado a gana das carreiras feitas a qualquer custo, principalmente da saúde alheia, leva ao perigoso sentimento de exclusão, reforçado pela pompa de quem continua no front. É muito difícil refazer uma vida profissional em novos termos. O mais barato é continuar insistindo no mesmo tipo de função e suas conseqüências. Adiamos assim para os ultimos anos da vida datada o que poderíamos ter feito no início. O resultado é o que se manifesta em aglomerações, que os idosos deblateram sobre as injustiças do mundo, pois reservaram a mocidade para a sobrevivência sob o tacão da exploração pura e simples.
Perder pode ser outra coisa. “Você ganhou” diz o policial para o revolucionário morto na véspera da independência da Argélia no filme, indicado ao Oscar , Hors la Loi (Fora da Lei, 2010), de Rachid Bouchareb. Um revés pode ser indício de vitória. Ou a imposição de uma verdade: a de que somos precários, escassos e precisamos conviver com a perda para não nos entregarmos de vez à barbárie.
RETORNO - 1.Crônica publicada originalmente no jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: Cena do filme "Hors la loi".
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