1 de maio de 2011

TOY STORY 3: A INFÂNCIA NÃO DESCARTÁVEL


O terceiro filme da série Toy Story (2010, de Lee Unkrich) brinca de cinema. São notórias as citações a vários filmes, a começar por Cool Hand Luke (Rebeldia Indomável, 1967) em que Buzz, o boneco astronauta, reprogramado pelos bandidos, faz uma relação de proibições aos encarcerados, caindo sempre na palavra Box (solitária) no final das frases. É inesquecível essa fala do ator Strother Martin na prisão onde Paul Newman fez história. Há referências aos filmes de terror, inclusive os que usam bonecos sinistros, e aos faroestes (a clássica cena do mocinho que se agarra, por fora, no piso da carruagem), incluindo aí uma sacada do Luiz Carlos Merten quando, no desfecho, há uma referência à despedida entre o cowboy e o menino, no estilo de Shane, de George Stevens.

É a marca registrada de grandes obras e autores: nada surge por acaso, tudo é soma, a começar pela infância. Ela passa, mas não pode ser descartada. Esquecê-la, já disse Sartre na citação batida mas verdadeira, está na fonte da tragédia humana. Toy Story 3 rema contra a o descarte da infância, por meio da determinação,do laço afetivo, da memória, da aventura, do desprendimento e do amor. É disso que se trata. Os brinquedos que não querem ir para o lixo, ou descobrem que a creche é uma prisão capitaneado por um urso de pelúcia malvado, representam a necessidade de se manter viva a memória da infância, passaporte para o sentimento de pertença à humanidade. Fora disso é a barbárie.

A civilização do plástico, que já faz parte da natureza americana, não pode ser desprestigiada pelo sucateamento da invasão chinesa. Pelo menos para roteiristas, atores e cineastas envolvidos no projeto. Isso fica bem claro no filme. Os brinquedos que buscam a salvação são os clássicos da América, como provam os personagens como o cowboy, o astronauta, os Ets. São brinquedos que revelam as modificações da vida americana, desde os que são animados por molas ou cordas até os movidos a pilha. Todos sabem usar o computador, o que atualiza a brincadeira, pois tira o sentido obsoleto de cada produto. Nada se pode descartar quando tanta carga de civilização existe naquelas representações do mundo infantil.

Há uma diferença entre a citação e a reprodução pura e simples, a criação a partir de uma base e o clichê. Toy Story 3 é o anti-clichê e isso fica explícito na sem cerimônia com que trata o casal Barbie e Kent. Este, chamado de metrossexual, usa roupas fabricadas na China que Barbie, para torturá-la e obter uma confissão, começa a rasgar. Outra pista é o que os vilões fazem com Buzz: para tirar sua personalidade a favor dos companheiros, fazem-no regredir ao estado de indústria, ou seja, à personalidade que tinha na fábrica e que é uma sucessão de clichês a favor da tirania. Só a mão da criança para mudar esse perfil. Quando a infância interfere, o produto industrial transcende e se transforma na encarnação de princípios trazidos do berço: a inocência, a credulidade, a solidariedade, o espírito aventureiro, o afeto.

Buzz também extrapola nas modificações e consegue chegar a um status de fuga, que é seu comportamento latino. Para os americanos, o mundo é uma cidade. O bordel fica com os latinos, a lei e a ordem com eles, os serviços e comércio com os orientais. É assim que funciona. É admirável como o cinema americano consegue tanta liberdade para abordar seus temas, e ao mesmo tempo ficam tão fiéis às suas origens (ou ao que eles definem como origem). Toy Story 3 aborda a América como tendo uma base comum, eterna. Os brinquedos podem ser frágeis, mas jamais descartáveis. A infância pode passar, mas nunca poderá ser esquecida. As pessoas mudam, mas dentro de cada garoto há um cowboy. As meninas se tornam adultas, mas não abrem mão do amor e da emoção diante de uma demonstração dos sentimentos.

Toy Story 3: melhor do que os outros dois, que são ótimos. Mas este já nasceu um clássico (ganhou neste ano o Oscar de melhor filme de animação). A infãncia que muda de mãos, passa para a nova geração e é levada como lembrança, referência, memória para a vida adulta é como um filme maravilhoso: guardamos como um tesouro e sempre que for possível, o revisitamos.

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