9 de maio de 2011

A ETERNA CAÇA A GERONIMO


Por que a operação de guerra que matou Bin Laden foi batizada de Geronimo? Talvez porque o herói apache não foi derrotado no campo de batalha, forçou um acordo com o Exército americano, que não conseguiu matá-lo no front. Era preciso vencê-lo mais uma vez, ou de uma vez por todas. Árabe, indígena, para os americanos é tudo a mesma coisa: são os inimigos que merecem o extermínio. O certo é invadir um país estrangeiro – México, no caso do índio, Paquistão, no caso do terrorista – e dar-lhe um tiro. Mas a lenda do guerreiro que obrigou o governo dos EUA a negociar para depois trair o trato e humilhar o chefe continua viva. Não se perde a oportunidade de destrui-la. Mesmo que Bin Laden, apesar de ser um personagem oposto ao de Geronimo, sem dignidade nem carisma, também acabe virando mito,pelo menos para algumas tribos étnicas ou religiosas.

Há três filmes, que seu saiba, sobre Geronimo, um de 1939, de Paul Sloane, que não vi. Mas vi os outros: o de 1962 , de Arnold Laven, e o de 1993, de Walter Hill (Geronimo, uma lenda americana), com roteiro de John Milius. O dos anos 60 tem mais ritmo narrativo e coloca Geronimo como um vencedor, pois impôs condições por meio da resistência. Mesmo tendo no roteiro o personagem militar que condena o massacre, peca pelos olhos azuis de Chuck Connors, o ex-jogador de basquete que fez o papel na força física dos seus 40 anos. O dos anos 90, apesar de intensificar o tributo ao politicamente correto (com atores falando em língua nativa, por exemplo) é um desperdício de talentos. Juntar o roteirista de Coppola e George Lucas, e trabalhar com atores de primeira grandeza como Robert Duvall, Gene Hackman e o emergente e promissor (na época) Matt Damon tinha tudo para dar certo. Mas o filme não “pega”.

Lembro que nas sessões juvenis de cinema na minha terra odiávamos quando o filme era narrado. Em A Lenda Americana, a ação é narrada quase o tempo todo, o que distancia o filme do espectador. A história fica pertencendo à voz que tudo vê e sabe e não a nós, que deveríamos costurar as cenas por nossa conta. Um narrador onipresente tira o encanto de uma leitura ao vivo, enquanto dura a sessão. Fica tudo entregue ao jovem tenente que vai dizendo como a coisa funciona. Chato. O nativo americano Wes Studi (na foto acima), que trabalhou em Dança com os Lobos e O Último dos Moicanos, está perfeito no papel: grave, concentrado, duro. Mas não salva o filme. A derrota total do seu personagem (o que não acontece na versão anterior de 1962) carrega demais o que deveria se destacar, que é o perfil de um mito.

O cinema não pode ter a pretensão de ser realidade, mesmo que Godard sapateie em seus filmes sobre isso. É melhor se entregar à mitologia, mas o desafio é não deixar que ela se transforme em mitificação. Há diferença. Você pincela a lenda sem cair no ramerrão reacionário ou correto. Já existe carga suficiente em todas as produções americanas, que não admitem defecções. Todo filme dos EUA é a favor do país, mesmo que esteja fazendo denúncia. Se aponta erros, essa culpa recai sobre algum malvado. No fim, o mocinho salva a pátria. Não é preciso, portanto, carregar ainda mais na celebração.

A justificativa da caçada fica a cargo do ator Jason Patric no papel do tenente bem intencionado, em que Geronimo confia: “Estamos fazendo um país”, diz ele para Damon. “É difícil”. Ele acaba derrotado e é enviado para um posto remoto e obscuro. O narrador deixa a carreira militar e o chefe índio parte para o exílio na Florida com o resto de seus guerreiros desarmados. Talvez tenha sido uma maneira de matar o mito, pelo cinema. Mas uma lenda dessas, de resistência suicida, não morre nem com mil tentativas. Sempre haverá alguém que, ao se decidir por um feito heróico, gritará: Geronimoooo!

RETORNO - Agradeço as indicações de Miguel Duclós, que no Twitter (@sanhux) foi o primeiro a se interessar pelas origens do nome Geronimo na operação contra Bin Laden, bem antes que articulistas notórios da grande imprensa se ocupassem do tema.

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