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6 de dezembro de 2009
STAR TREK: A SOMA DE TODOS OS GÊNEROS
Clonar assumidamente Star Wars fez a nova versão cinematográfica de Star Trek (2209), dirigida por J.J.Abrams, romper com a tradicional imobilidade da saga. As versões anteriores faziam dessa aventura espacial, criada nos anos 60 por Gene Roddenberry, um negócio quase de foro íntimo, onde os personagens não saíam do lugar e não moviam uma linha do rosto. Mas chupar George Lucas em inúmeras cenas (no deserto, na neve, nas naves, nos lasers, nas lutas de espada) e transplantar suas soluções (como a música sinistra para o andar do vilão) foi só um detalhe. A história da criação artificial de buracos negros que tudo sugam é a representação perfeita deste filme, que soma todos os gêneros cinematográficos:
FICÇÃO – O gênio do Mal que destrói o mundo por meio de uma arma mortal, uma idéia dos quadrinhos que migrou para o cinema desde os anos 40; a linguagem científica futurista que manipula desde o teletransporte até a viagem quântica no espaço; a viagem no tempo, em que personagens vindos do futuro interferem e modificam o destino dos protagonistas; as roupas espaciais obedecendo ao modelo clean que vem de Metrópolis de Fritz Lang e chega ao auge em 2001, de Kubrick; os extra-terrestres de todas as raças, uma idéia clássica de Star Wars.
AVENTURA – Os ambientes gigantescos no fundo dos planetas que são destruídos obrigando, como em Indiana Jones, a fuga precipitada em direção à abertura na superfície; a esgrima na plataforma instável e em fogo da grande perfuradora que cria o caminho para a arma letal nos remete às lutas de espadas a laser de Luke e seu pai Darth Wader; a queda no planeta gelado onde aparecem monstros que empurram o protagonista para o precipício e as cavernas; a prova nos descampados de Iowa onde o garoto vocacionado para a luta espacial se entrega à transgressão.
GUERRA - Os mísseis carregados em canhões que se abrem por trás, como acontecia nas baterias dos navios dos filmes da Segunda Guerra Mundial; as explosões gigantescas que destroem cenários; as reuniões e batalhas da Legião Estelar que lembram os exércitos nos campos da Europa; as decisões em situações limite quando um milissegundo pode decidir a vida de todos, como acontecia nos filmes de submarinos; as condecorações depois das vitórias; o encontro emocionado dos guerreiros sobreviventes, os que ficaram inteiros e os que orgulhosamente se assentam em cadeiras de rodas.
FAROESTE - A briga coletiva de socos no bar, uma tradição dos filmes de cow-boys, especialmente o maior deles, Shane, de George Stevens, em que a violência dos maus e o humor dos bons se batem até a exaustão; a obsessiva vingança do vilão que denuncia alguma perda profunda do passado e que volta para acertar contas; os ambientes hostis onde os guerreiros se defrontam; o duelo final; o estranhamento inicial dos futuros parceiros e depois a camaradagem e o reconhecimento mútuo; a mocinha como coadjuvante.
AÇÃO - A viagem da nave Enterprise é o confronto diante da ameaça da destruição da Terra (home), representação da América. Os protagonistas fazem parte de uma linhagem de heróis que vão dar continuidade à ação de seus ancestrais e garantir a sobrevivência das espécies. Fazem parte de uma Federação Universal, espécie de ONU das galaxias, que garante a paz no universo. O Mal é encarnado por aquilo que Marlon Brando criou em Apocalipse Now: um rosto hediondo que emite uma fala de condenação. Em torno da Enterprise (foto acima), se desenrola a ação decisiva para que a Terra não seja destruída.
DRAMA - O assassinato da mãe do Dr. Spock, na sua frente, no momento em que parecia estar salva; o beijo roubado da admiradora no rosto impassível do cientista que perdeu as emoções no treinamento; a raiva que emerge quando é desafiado; a perda do contato com a família; o reencontro com as origens; o sentimento em duelo com a razão; o destino desafiado pelo livre arbítrio; a ruptura com os colegas e amigos; a costura de novos relacionamentos no universo hoostil.
SUSPENSE - A fera que ataca de surpresa no momento da solidão e do abandono; o encontro com o amigo envelhecido pela viagem no tempo; a idéia de gênio não reconhecida que de repente fica no miolo do problema; o pára-quedas que só abre no último segundo; as máquinas aterradoras; a tortura e o assassinato.
HUMOR - O cientista maluco que no teletransporte acaba emergindo na tubulação cheia de água e grita desesperado para sair; as respostas malcriadas do rapaz que enfrenta forças muito superiores e que tenta, pelo menos, se divertir, enquanto apanha sem parar; o companheiro bizarro que na decolagem da nave se esconde no alto de um compartimento; o sotaque atrapalhado do garoto russo na hora de emitir ordens de comando.
Ou seja, é uma soma de lugares comuns, ou melhor, de soluções que funcionam, para lá de batidas e que Star Trek não tem nenhuma vergonha de lançar mão. Mas, o surpreendente é que o filme não descamba nessa grande mistura. Ao contrário, conseguiram dosar de maneira razoável a quantidade enorme de bobagens que passamos a vida vendo e gostando. Vi o filme com alguma satisfação, ao contrário de Leningrado, filme russo de 2007 com Mira Sorvino, que também mistura gêneros e acaba se perdendo. Não chega a ser um filme de guerra, nem de suspense. É apenas uma colagem mal feita. Bem ao contrário de Star Trek, em que você chega a saltar da cadeira, mesmo sabendo que não vale nada.
Já sabemos: todo filme é sobre cinema. Star Trek é cinema sobre todos os gêneros de filme.
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