5 de dezembro de 2009

OS PRETENSIOSOS


A cultura obedece à política, quer os artistas e autores queiram ou não. E a política é a ditadura, como vemos todos os dias ao acompanhar o caminho percorrido pelo dinheiro público, do suor popular para o trono bem fornido dos maganos. Essa realidade independe do talento. A idiotia do sertanojo ou a competência poética e musical de Caetano obedecem ao mesmo trâmite. Como não quero gastar chumbo em chimango, e passo lotado pelo fato de Zezé di Camargo e Luciano estarem na Xuxa hoje, aparecendo assim pela décima milionésima vez na Globo este ano, gostaria de comentar Caetano, Antonio Cícero e os Titãs.

Antonio Cícero deve ter algum valor, que desconheço, pois está assoberbado e viajou para Portugal junto com Caetano Veloso para um evento em torno de Fernando Pessoa. Mas lembro que ele se refere a Goethe como um seu igual. Só isso já dá o perfil do sujeito. Por sua vez, Caetano teve o desplante de dizer que “quebrou o tabu” ao chamar Lula de analfabeto. Não importa que centenas de milhares de pessoas, todos os dias, falem mal do presidente, chamando-o de analfabeto para baixo. O que importa é que ele, Caetano, acha que remou contra a corrente dos “brasileiros” e resolveu, de maneira inédita, criticar Lula. Para Caetano, só ele conta. Não é muita pretensão? Como pode ignorar a crítica explícita, documentada, contra o presidente e achar que havia, antes dele, um tabu de não tocar no santo nome do imbecil em vão?

É a mesma linha de pretensão do “nunca antes neste país”. Mesmíssima coisa. Como Lula ignora ou faz de conta que não sabe do que foi feito antes dele, qualquer peido que dê é de um ineditismo sem dó. FHC era idêntico: o comprador de títulos Honoris Causa a custa da soberania chega a falar com a boca túmida de tanta pretensão. Caetano se identifica com essa megalomania, que faz parte do sistema. Tudo gira ao seu redor. É por isso que, depois de ignorar Tomzé por décadas, ajudando a mantê-lo num ostracismo forçado, ao tentar elogiar o novo cd do baiano genial, recebeu de Tomzé um sonoro e público “vai tomar no cu”. Se achar o único exemplar da raça não é apenas vício, é também crime. E se você reclamar, costumam se defender dizendo que se referem apenas às pessoas "que contam". Ou seja, por você ser carta fora do baralho, graças a esse expediente, então tem de ficar de bico calado.

Vamos pegar os Titãs. Parecem ser músicos competentes, estão há décadas fazendo sucesso. O insuportável é que eles preenchem todos os vazios culturais provocados pela ditadura. O Paulo Miklos, tremendo canastrão, é vendido como grande ator. O Arnaldo Antunes é o poeta oficial do país, está em todas. Esses dias vi uma performance sua no programa do Jô. Vozinha de merda, gestos calculados, letra ridícula. Por que incensam tanto o cara? Vá lá que possa ter talento, que desconheço, mas só dá ele. Poeta? Arnaldo Antunes. Ninguém lembra do Rubens Jardim, do Mario Chamie, de ninguém. Só dá Arnaldo Antunes e Antonio Cícero. Alguma coisa está errada.

Tonty Belloto, outro Titã, é cronista da Veja.com Em dois posts, mostrou o que tenta esconder. Num deles, comentando a política disse que se sentia um bobão por ter tocado nos comícios do Lula em 1989 e que agora vê Lula abraçado ao Collor. Ora, não ganharam cachê? Não estava na moda, muito bem aproveitada pelo grupo, ser do Lula? Agora que o falso ídolo foi desmascarado, os mesmos que o incensaram tentam pular fora. Em outro post, Belotto diz admirar dois “solitários”, Dalton Trevisan e Rubem Fonseca, que se isolam para escrever nesta época de grande exposição pública (em que a internet é a grande vilã; claro, é uma rede democrática, eles desaparecem na multidão digital).

Como se Belotto não vivesse se expondo o tempo todo. Como se o isolamento dos dois escritores citados fosse mesmo recolhimento para escrever, quando não passa de bruta misatropia, ódio à humanidade. Basta ver seus heróis, todos canalhas assassinos. Escrevem o fino, mas se isolar não significa que seja algo saudável. Vinícius de Moraes vivia cercado de gente e escrevia maravilhas.

Por que me preocupo em comentar esses caras? Porque o sistema da ditadura produz tudo, tanto a cultura oficial (o sertanojo, o filme hagiográfico, a música gritada, a breguice geral) quando a pretensamente transgressora (os vanguardeiros Cícero e Antunes). Tinha notado isso antes: São Paulo produziu Maluf, o imigrante trator, e Martinha, a petista vinda do Colégio Sion. Assim funcionam as ditaduras: não tem para ninguém. Mientras tanto, moramos no ostracismo, no Brasil real, fulos porque nos roubaram a nação e vivem se fresqueando em frente as câmaras, como se fossem os únicos e eternos magníficos.

Chega, porra.

RETORNO - Imagem desta edição: Caetano, ninguém contesta, é do primeiro time. Mas não é o único. Nem deve usar esse espaço privilegiado para ignorar o que é feito à sua revelia.

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