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24 de dezembro de 2009
ALÔ NO LUGAR DE ADEUS
Há excesso de despedidas por parte de tuiteiros e blogueiros, como se o mundo digital fosse idêntico ao espaço físico, quando fechávamos as portas do estabelecimento e sumíamos. Por mais que você se afaste, sempre haverá um micro no ermo, uma conexão feita a martelo, que dará para atualizar os mails e até mesmo fazer uma edição rápida. Não se trata de fanatismo, é outra coisa.
McLuhan, na sua famosa sacada, dizia que as rodas eram a extensão do pé humano. Podemos aplicar o mesmo princípio ao universo digital. Nele, criamos uma série de desdobramentos de nós mesmos. Veja o que acontece por todo o canto: jornalistas que foram jogados fora estão mais atuantes do que nunca, incomodando horrores, pois agora dispõem de espaços virtuais sem chefes nem patrões. Falam o que querem e quando bem entendem. O mesmo com escritores. A gaveta acabou, você pode publicar seu poema on line, enquanto trabalha nele.
Você pode ser aquele sujeito calado que vai até padaria comprar pãozinho e mal cumprimenta as balconistas. Ao mesmo tempo, fazer furor com um texto inesquecível, uma denúncia decisiva, uma carta aberta às autoridades. Ninguém dá nada, ao vivo, para um blogueiro porreta. É até maltratado, pois ninguém sabe o que faz em sua casa-escritório, onde cultiva um fluxo interminável de criações, que se espalham como fogo no milharal.
Uma revolução dessas não está confinada a departamentos, a salas fechadas em edifícios imponentes. As sedes luxuosas e gigantescas dos grandes jornais estão virando pirâmides do antigo Egito. Hoje você pode editar o NYT com um teclado e um mouse. Então não precisa fazer como os apresentadores de TV que se despedem dos telespectadores enquanto o público continua onde está. Nunca entendi o até amanhã do final dos noticiários. Como assim, vocês dizem adeus e nós dizemos alô, como nota eternamente John Lennon?
A liberdade proporcionada pela internet serve para difundir hábitos obsoletos. Olá, estou aqui, estou saindo, dizem as pessoas no Twitter. Que importa se chegas ou vais? Está tudo 24 horas por dia no ar. Tantufas se entras por aqui ou sais por ali. Todos estão dentro, e ao mesmo tempo, fisicamente, fora. Acho redundância tanto salamaleque quando todos podemos partir diretamente para o lead. Não se trata de falta de educação, simplesmente isso não faz mais sentido. Um Papai Noel blogueiro distribui presentes até em datas improváveis.
Talvez precisemos de um tempo para nos adaptar. Seguir uma trilha para esquecer o computador. Acampar no deserto, mergulhar numa praia remota, subir o Aconcágua para relembrar o sentido da vida. Eu desejo boa sorte a todos, porque continuo sempre no mesmo lugar, onde nunca estive antes e de onde ninguém parte. Encontrei finalmente a estação ideal dos amores eternos, os que não possuem despedidas. Aqui não é aeroporto de Casablanca para você blefar dizendo que seu grande amor será feliz com o herói da guerra. Aqui você se entrega e ao mesmo tempo em que acena do trem está correndo atrás dele.
É como diz aquele poeta :
"EU SOU TREZENTOS
Mário de Andrade
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
As sensações renascem de si mesmas sem repouso,
Ôh espelhos, ôh! Pirineus! ôh caiçaras!
Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!
Abraço no meu leito as milhores palavras,
E os suspiros que dou são violinos alheios;
Eu piso a terra como quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo...
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo."
RETORNO - Imagem desta edição: a rua Direita, em São Paulo, tantas vezes palmilhada por Mário de Andrade. Tirei daqui.
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