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23 de agosto de 2009
VILLA-LOBOS E AS CRIANÇAS NA ERA VARGAS
Nei Duclós
O megaespetáculo do Criança Esperança na Globo começou com o Trenzinho Caipira, de Heitor Villa-Lobos. O evento privatiza Villa-Lobos, o maestro educador de crianças dos governos Vargas, de 1930 a 1945. E serve para arrancar dinheiro dos contribuintes, quando o trabalho de Villa, na era Vargas, foi todo feito com dinheiro público, dos impostos, que para isso servia. Por ter atuado tanto no Governo Provisório (1930-33), quanto no Governo Constituinte (1934-1937) quanto no Estado Novo (1937-45), Villa, o gênio, foi por muito tempo acusado de fascista e nazista (a mediocridade fareja o talento), já que ele pegou a rebarba da grande calúnia histórica promovida pelo lacerdismo – o macartismo brasileiro – e que até hoje funciona.
Basta ver as fotos selecionadas de Vargas com a proximidade do 24 de agosto, data do suicídio do grande presidente. Sempre com cara de mau, para que a marca do “ditador” continue colando. Mas como a mentira, de tão longeva, cai de velha, é moda agora fazer uma revisões e dizer que Villa até que era um nacionalista e não um nazista como o governo ao qual servia. Haja paciência para esses criminosos. Mas a sorte é que vários estudiosos levantam o trabalho do maestro como educador na era Vargas, e não como um coadjuvante de ditador nenhum. Falta reconhecer o óbvio: a de que essa obra foi que gerou uma quantidade gigantesca de gênios musicais do Brasil (Tom Jobim era aluno confesso de Villa-Lobos), já que o ensino obrigatório de música foi decretado pelo Governo Vargas no ensino público em 1932. Sabiam disso? Pois saibam ou lembrem.
Vamos agora passar a palavra para duas professoras, Priscila Paglia e sua orientadora Marlete dos Anjos S. Schaffrath, com o trabalho “Heitor Villa-Lobos E A Formação Moral Do Povo Brasileiro: O Canto Orfeônico”. Elas insistem no enfoque tradicional do nacionalismo autoritário e a desconfiança geral em relação a Getúlio. Mas também apresentam fatos:
“Heitor Villa-Lobos foi convidado a assumir cargo público na SEMA (Superintendência Educacional e Artística). Através deste órgão ele teve a oportunidade de implantar seu projeto de Educação Musical, baseado na prática de canto orfeônico, de modo a torná-la disciplina obrigatória no currículo das escolas, de ensino regular, brasileiras de acordo com o Decreto de n. 19890 de 18 de abril de 1931, que contemplava as escolas do Rio de Janeiro (antigo Distrito Federal) e o decreto n. 24794, de 14 de julho de 1934 que estendia o ensino a todos os estabelecimentos primário e secundário do país, permanecendo assim até a promulgação da lei n. 5692, de 1971."
"Segundo Guérios (2003) dois foram os motivos levaram Villa-Lobos a assumir este cargo. Primeiro, pela questão financeira, pois mesmo já sendo um compositor de renome internacional ele ainda não dispunha de uma fonte de sustento, portanto, um cargo público era uma boa oportunidade para que pudesse melhorar financeiramente. Segundo, pelo poder que lhe garantiria esta função, tendo a seu dispor o apoio do governo para a implementação de projetos culturais."
"Entretanto, de acordo com Souza (2005) dois fatos foram fundamentais para que Heitor Villa-Lobos conseguisse implantar seu projeto de educação musical, primeiro, o fato de ter influência junto ao Interventor paulista, João Alberto, homem que apoiou e patrocinou Villa-Lobos para que este pudesse realizar concertos populares promovendo música nacionalista em 54 cidades do interior do Estado de São Paulo no período entre janeiro e abril de 1931. Além do apoio e patrocínio para a realização de uma concentração cívico-artístico dia 3 de maio do ano de 1931 no parque Antártica em São Paulo onde, segundo Guérios (2003), Villa-Lobos percebeu as possibilidades que estavam se abrindo com o regime. O autor também supõe que este evento cívico-artístico tenha marcado um desvio na trajetória do compositor."
"Segundo fato ter escrito a Getúlio Vargas uma carta intitulada “Apelo ao Chefe Provisório da República Brasileira”. Esta carta (nota: trechos reproduzidos abaixo)foi enviada a Getúlio Vargas e chegou a ser reproduzida no Jornal do Brasil do dia 12 de fevereiro de 1932. Villa-Lobos revela nesta carta que o estado em que se encontra o cenário artístico Brasileiro é horrível, porém, afirma ter encontrado a solução para o problema e, de acordo com (GUÉRIOS, 2003, p. 177): “(...) aproveitou a oportunidade para deixar claro que estava a disposição do governo, (...)”. A impressão que se tem é que como resposta é criada, no mês seguinte, a SEMA. "
"(...)Acabou por apresentar seu plano de Educação Musical à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Em 1931, o maestro organizou uma concentração orfeônica chamada "Exortação Cívica", com 12 mil vozes. Após dois anos assumiu a direção da Superintendência de Educação Musical e Artística. A partir de então, a maioria de suas composições se voltou para a educação musical. Em 1932, o presidente Vargas tornou obrigatório o ensino de canto nas escolas e criou o Curso de Pedagogia de Música e Canto. Em 1933, foi organizada a Orquestra Villa-Lobos."
Mirele Ferreira Borges também aborda o tema em “Heitor Villa-Lobos, o músico educador".
Como disse o poeta Carlos Drummond de Andrade, que por muitos anos foi Chefe de Gabinete do Ministério da Educação e Saúde do governo Vargas: "Quem o viu um dia comandando o coro de 40 mil vozes adolescentes, no estádio do Vasco da Gama, não pode esquecê-lo nunca. Era a fúria organizando-se em ritmo, tornando-se melodia e criando a comunhão mais generosa, ardente e purificadora que seria possível conceber"
Ou seja, quando acusarem Getúlio Vargas disto e daquilo, lembre em qual governo foi possível fazer um trabalho dessa envergadura. Quem pontificava era Villa-Lobos, Drummond. Hoje quem pontifica é Luciano Huck, Didi. Eu tive sorte: participei do canto orfeônico do colégio público onde fiz o primário, o Romaguera Correa, de Uruguaiana, e tive aulas de música no currículo normal. Fazíamos a clave de sol em cadernos pautados e copiávamos melodias. Fui alfabetizado em música. Assim como aprendíamos letras e números, aprendíamos notas. Simples assim. Tudo isso foi destruído a partir de 1964. Entendeu agora porque os gritalhões sertanojos, o baticum e o pagode repetitivo tomaram conta do ouvido musical da nação?
CARTA DE VILLA-LOBOS A GETÚLIO VARGAS
"Peço permissão para lembrar a Vossa Excelência que é incontestavelmente a música, como linguagem universal, que melhor poderá fazer a mais eficaz propaganda do Brasil no estrangeiro, sobretudo se for lançada por elementos genuinamente brasileiros, porque desta forma ficará gravada a personalidade nacional, processo este que melhor define uma raça, mesmo que esta seja mista e não tenha tido uma velha tradição.
De modo que hoje, dia 1o. de fevereiro de 1932, espero que Vossa Excelência irá decidir, com acerto, a verdadeira situação dos artistas no Brasil. [...]
E então, ou Vossa Excelência será além de grande e benemérito Homem Público e estadista arguto, o amigo leal das artes e dos artistas da nossa Pátria, colaborador de um dos maiores monumentos artísticos que o mundo produziu e que a História Universal das Artes inscreverá como um dos seus capítulos mais interessantes, ou somente o grande e enérgico Chefe do Governo Provisório da República Brasileira, o invicto patriota que sacudiu o jugo atroz das rotinas políticas passadas que pesavam sobre o povo brasileiro, cujos filhos são à Vossa Excelência reconhecidos e que não cansam de exaltar Vossa Excelência nesta ascensão. [...]
E com isso Vossa Excelência terá salvo nossas artes e nossos artistas que bendirão toda a existência de Vossa Excelência. Seu humilde patrício, (a) H. Villa-Lobos. "
RETORNO - Imagens desta edição: na de cima, o maestro e os estudantes do Brasil. Na segunda foto, Villa-Lobos assume o cargo de diretor do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico e é cumprimentado pelo ministro Gustavo Capanema. E na terceira, Villa-Lobos e Getúlio Vargas, presidente do Brasil soberano.
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