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11 de agosto de 2009
OS ALPINISTAS ASSALTANTES
Nei Duclós
Depois que inventaram o Locomotor Aéreo Silencioso (LAS), em 2023 - que não passa de uma pequena mochila com propulsor a jato, alimentado de ar comprimido por lasers virtuais opacos -, a nobre arte do alpinismo entrou em decadência. Limita-se hoje, primavera de 2050, a alguns abnegados, que abrem mão das comodidades do LAS para palmilhar a pedra bruta, cinzelar a rocha, cravar as ferraduras de seus sapatos especiais, enquanto sangram as mãos em direção aos picos. Sobrevive neles a obsessão das conquistas absurdas, o fato de chegar lá e não acontecer nada. Talvez levantar um braço, dizer iuhú, fincar uma bandeira.
Mas como os picos já foram conquistados, não há espaço mais para novas bandeiras. Então continuo sem saber porque eles se submetem a esse tipo de tortura, quando bastava ligar um LAS de última geração e sobrevoar as saliências, reentrâncias, gargantas, paredões possíveis. Qualquer um faz isso a qualquer hora. Já vi senhoras idosas dando uma volta no Everest. O noticiário está cheio de excursões de bebês sobrevoando o Aconcágua.
O pior são os Blocos de Adolescentes Tardios, que costumam passar a mão na bunda dos Alpinistas Voltados Para A Tradição, bem no momento em que eles estão conseguindo mais um feito, como dependurar-se num platô de dez centímetros quadrados de superfície, encostado à mais íngreme escarpa do Mauluvizu, o mal afamado monte africano, onde pereceram milhares de desportistas antes que os fabricantes de LAS inundassem a área com promoções de ascensão barata.
Tudo isso é pinto perto de outra ameaça que ronda os fervorosos subidores de altitudes heróicas. Pois não é que quadrilhas enormes de alpinistas, se é que podem se chamar assim, usando vários modelos de LAS, caem como gafanhotos nos pobres passadistas? Como os abnegados são ricos, pois só banana milionário para se dedicar a algo que já passou e jamais voltará, então eles carregam bolsos cheios de créditos azuis, os blue notes, os mais cobiçados na praça.
À noite, quando as barraquinhas penduradas nos abismos ficam à mercê do gelo que cai em forma de nuvem permanente, é impressionante o volume luminoso emitido pelos bolsos dos patetas. Isso chama a atenção da bandidagem, que vai lá conferir e consegue extrair tesouros incríveis. Basta para isso que rasguem as barracas, dêem alguns socos e pontapés e levem tudo. Há ainda, contra os que sabem se defender, o expediente de atacá-los enquanto estão distraídos, subindo a montanha. Os vagabundos se aproximam com grande estardalhaço e apalpam tudo até achar a prenda em algum desvão secreto da roupa.
Já mandei um relatório em 3D para a diretoria aqui do Olhar Absoluto, nossa Agência de Informações Para Grandes Alturas, que impeçam esses bestas de tentarem uma aventura tão ridícula quanto perigosa. Está atraindo os sacanas e acabando com nosso sossego. Não tenho mais tempo de assistir velhos musicais do século 20. Sou impossibilidade de passar horas agradáveis com Natalie Wood e Marilyn Monroe. Tenho que ficar atento aos roubos e aos gritos dos alpinistas que, ao perderem sua bufunfa, entram em desespero e caem por três quilômetros abaixo, pois nem o velho para-quedas eles usam.
Já que eles não querem usar os imprescindíveis LAS, que tomem uma boa surra. Para aprender. No lugar de LAS, laço. Eu me encarrego de dar primeiras cem chibatadas.
Que você está escutando com essa cara de palhaço? Onde está o sanduíche de presunto e queijo que te pedi? Ou vai dizer que nesta Lanchonete antediluviana, especial para caras saudosistas como eu, não existe o lanche mais tradicional de todos os tempos? Quer o quê? Que eu sorva liquido roxo seguido de glegows magenta? Pelo amor do Altíssimo. Preciso comer. Preciso usar meus dentes. Droga.
Sei que custa caro. Mas estou abonado. As apreensões tem sido proveitosas. Retenho uns dez por cento do que consigo reaver. Os alpinistas babacas ficam felizes da vida e eu mais ainda, pois acumulo grandes quantidades de blue notes. Uma hora eu me aposento. Vou morar numa planície, num vale, numa praia. Tenho maior pavor de altura.
RETORNO - Imagem desta edição: obra de Rockwell Kent, outro grande artista americano de vanguarda da primeira metade do século 20.
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