Aguardo, com horas de antecedência, o avião que vai pousar na ilha, vindo de São Paulo, e que me levará a Porto Alegre. Chego antes porque sempre imagino enorme engarrafamento me impedindo a viagem, entre outras paranóias. Uma vez enchi tanto meus amigos de Uruguaiana, dizendo que ia perder o ônibus, que eles fizeram de propósito: três minutos antes do horário marcado, me puseram dentro de um carro e chegaram na rodoviária no minuto seguinte. Lá, ficaram de braços cruzados me olhando, e comentando: “Viu no que dá chegar cedo? Agora é esperar”.
Fico absolutamente só, esperando o momento em que vou pisotear aquela escadinha de arame que leva ao aperto do avião. Como estou em expansão, cada vez fica mais curto o cinto de segurança. Os passageiros vizinhos gostam de colocar o cotovelo na minha costela, por um motivo nobre: eles estão lendo! Mas antes, na sala de espera, vejo um grupo animado conversando sem se importar, aparentemente, com o vôo que já está um pouco atrasado. Uma das mulheres do grupo é a estrela da conversa. Tudo se concentra nela, nas suas mãos, no seu saltitar de cabeça, seu frigir de cabelos, sua vivência que é o paradigma da vida humana, a qual todos têm de prestar atenção e demonstrar respeito admirado.
Sua interlocutora sabe que jamais poderá chegar aos pés da estrelona à sua frente, mas não se dá por achada. Sacode a cabeça e murmura algo em cima das frases da outra, como se estivesse concordando, mas são apenas sinais de que ela também é rainha da cocada preta e só está dando um tempo antes de ir se queixar, mais tarde, sobre aquela arrogante metida que só fala nela e nas suas viagens.
De repente a protagonista-mór recebe um toque do celular. Grita que não está entendendo e nem sabe quem está do outro lado do aparelho. Identifica alguns segundos depois e se justifica dizendo que sua vida é uma correria, uma loucura e que ela...pa pa pa rara papá. As pessoas ao redor olham para a grandiosa estrela com meios sorrisos e gestos elegantes, mostrando que estão entendendo como esta vida agitada do século 21 é assim mesmo.
No dia seguinte, no hotel onde fiquei em Porto Alegre, na hora sagrada do café da manhã (café em hotel é o tipo ideal de momento), um grupo de católicos fervorosos celebram o fato de terem acordado e estarem ali, vejam só, no restaurante do hotel. Chega então o peruca acaju, o dono da festa e faz o de sempre: beija uma pessoa enquanto fala com outra, aperta a mão da seguinte lançando olhares para a paisagem, pois o importante é demonstrar poder, força, hegemonia. Os outros que fiquem ao redor, ele é o maioral. Senta na mesa ao lado, para que não se misture à sua platéia e de lá lança invectivas ruidosas e metidas a engraçadas sobre um ou outro. É o rei, o cara.
A humanidade me cansa e fico pensando se faço parte mesmo dessa espécie de criatura. Talvez eu seja idêntico a eles quando me junto aos outros e só eu não me vejo. Talvez eu seja o metido a chefão da conversa, ou faça micagens falsas para demonstrar apreço ou atenção para quem não conheço ou finjo que conheço. Tudo talvez seja parte da perspectiva onde você está e das intenções que te movem na hora dos encontros. Talvez as pessoas que me chocam quando estão juntas sejam magníficas quando estão sós ou ao lado de quem realmente conta.
Talvez sejamos ruins de teatro e ótimos de solidão. Talvez a verdade seja a intenção e não os fatos ou as mentiras. Talvez nem sejamos humanos e estamos apenas obrigados a percorrer esse palco fajuto com nossos passos trôpegos. Mas chega o fim do espetáculo e, indiferentes aos aplausos ou vaias, nos recolhemos aos bastidores, e dali para nossos redutos. Lá ficamos em frente a nós mesmos, acompanhados pelo que nunca deixamos de ser. É quando relembramos as cenas que desempenhamos ao longo do dia.
Damos então gritos involuntários, pois tudo está errado. Ali nos perguntamos o que nós, sozinhos, achamos de nós, quando estamos em grupo. Achamos que nesse circo não queremos mais participar. Mas há o dia seguinte e o celular toca.
Fico absolutamente só, esperando o momento em que vou pisotear aquela escadinha de arame que leva ao aperto do avião. Como estou em expansão, cada vez fica mais curto o cinto de segurança. Os passageiros vizinhos gostam de colocar o cotovelo na minha costela, por um motivo nobre: eles estão lendo! Mas antes, na sala de espera, vejo um grupo animado conversando sem se importar, aparentemente, com o vôo que já está um pouco atrasado. Uma das mulheres do grupo é a estrela da conversa. Tudo se concentra nela, nas suas mãos, no seu saltitar de cabeça, seu frigir de cabelos, sua vivência que é o paradigma da vida humana, a qual todos têm de prestar atenção e demonstrar respeito admirado.
Sua interlocutora sabe que jamais poderá chegar aos pés da estrelona à sua frente, mas não se dá por achada. Sacode a cabeça e murmura algo em cima das frases da outra, como se estivesse concordando, mas são apenas sinais de que ela também é rainha da cocada preta e só está dando um tempo antes de ir se queixar, mais tarde, sobre aquela arrogante metida que só fala nela e nas suas viagens.
De repente a protagonista-mór recebe um toque do celular. Grita que não está entendendo e nem sabe quem está do outro lado do aparelho. Identifica alguns segundos depois e se justifica dizendo que sua vida é uma correria, uma loucura e que ela...pa pa pa rara papá. As pessoas ao redor olham para a grandiosa estrela com meios sorrisos e gestos elegantes, mostrando que estão entendendo como esta vida agitada do século 21 é assim mesmo.
No dia seguinte, no hotel onde fiquei em Porto Alegre, na hora sagrada do café da manhã (café em hotel é o tipo ideal de momento), um grupo de católicos fervorosos celebram o fato de terem acordado e estarem ali, vejam só, no restaurante do hotel. Chega então o peruca acaju, o dono da festa e faz o de sempre: beija uma pessoa enquanto fala com outra, aperta a mão da seguinte lançando olhares para a paisagem, pois o importante é demonstrar poder, força, hegemonia. Os outros que fiquem ao redor, ele é o maioral. Senta na mesa ao lado, para que não se misture à sua platéia e de lá lança invectivas ruidosas e metidas a engraçadas sobre um ou outro. É o rei, o cara.
A humanidade me cansa e fico pensando se faço parte mesmo dessa espécie de criatura. Talvez eu seja idêntico a eles quando me junto aos outros e só eu não me vejo. Talvez eu seja o metido a chefão da conversa, ou faça micagens falsas para demonstrar apreço ou atenção para quem não conheço ou finjo que conheço. Tudo talvez seja parte da perspectiva onde você está e das intenções que te movem na hora dos encontros. Talvez as pessoas que me chocam quando estão juntas sejam magníficas quando estão sós ou ao lado de quem realmente conta.
Talvez sejamos ruins de teatro e ótimos de solidão. Talvez a verdade seja a intenção e não os fatos ou as mentiras. Talvez nem sejamos humanos e estamos apenas obrigados a percorrer esse palco fajuto com nossos passos trôpegos. Mas chega o fim do espetáculo e, indiferentes aos aplausos ou vaias, nos recolhemos aos bastidores, e dali para nossos redutos. Lá ficamos em frente a nós mesmos, acompanhados pelo que nunca deixamos de ser. É quando relembramos as cenas que desempenhamos ao longo do dia.
Damos então gritos involuntários, pois tudo está errado. Ali nos perguntamos o que nós, sozinhos, achamos de nós, quando estamos em grupo. Achamos que nesse circo não queremos mais participar. Mas há o dia seguinte e o celular toca.
RETORNO - Imagem de hoje: meu recital no Porto Poesia, que aconteceu em Porto Alegre no final de setembro. Foto enviada por Sidnei Schneider, um dos poetas organizadores do Porto Poesia, evento que é exatamente o oposto das situações reportadas acima. É quando assumimos no palco o que realmente somos. Nessa ocasião, não há diferença entre a fala dita no microfone e as palavras criadas ao longo da vida.
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