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18 de outubro de 2007
DE REPENTE, O GÊNIO
A vida é estranha. Consegue se realizar pelo detalhe, amparado pela obra. O que você faz enquanto vive é uma arquitetura anterior e anônima ao momento do brilho extremo, o detalhe. Robinho pedalou a vida toda, mas só ontem, no Maracanã, contra o Equador, definiu seu destino no grande concerto da criação. Todo mundo viu. Ele levou o adversário para o canto sem ângulo, o que dá, em princípio, um pouco de tranqüilidade ao oponente. Este, confiante de que a bola não encontrará o caminho do gol (a geometria disponível não permite) dedica-se a uma impossibilidade: tirar a bola dos pés do gênio.
Robinho conseguiu metade do que queria. Demarcou seu território longe dos outros defensores, tendo como obstáculo apenas o cara marcado para morrer. Precisava que fosse intensificada a certeza de que não conseguiria fazer nada ali naquele pedaço morto de área. Por isso desenhou a letra, quando o corpo todo se retorce para que os pés troquem de posição. A letra significa que o pé direito funciona como o esquerdo ou vice-versa. Costuma ser execrada como firula, perda de tempo. Quase sempre dá errado. No caso da partida de ontem, com uma seleção sub suspeita depois do zero a zero contra a Colômbia, a letra era, mais do que nunca, fora de hora.
O chute de letra tem como princípio desarmar as expectativas dos inimigos. O lance aparentemente desengonçado de Robinho, no lugar de lançar a bola para o miolo do drama, manteve a leonor a seus pés. Foi sorte, pensaram todos, quis chutar acabou driblando sem querer. E agora? O “certo” seria avançar naquele espaço criado pela letra surpreendente, ir em frente, pedalar novamente. Mas Robinho fez o contrário. Mergulhou ainda mais fundo nesse ponto morto da pequena área, onde o destino certo é desperdiçar tudo pela linha de fundo.
Essa insistência no buraco negro da jogada fez com que o adversário mais próximo aumentasse em confiança, pois um raio não cai duas vezes na mesma cabeça. Já tinha havido os dribles, a firula, o sarro. Agora era simplesmente decidir, tirar-lhe o biroço dos pés e recomeçar tudo com um tiro de meta. Mas Robinho, ao contrário dos outros, tem duas pernas, dois pés, que jogam simultaneamente. Não se trata da idéia comum do ambidestro. Mas o da coreografia dispondo de cada pé como um ser à parte, que jogam um com o outro como dois moleques em rua de terra em declive.
Um pé passa para o outro, fazendo com que o equatoriano enfrente dois Robinhos de uma só cabeça. Ele já está batido e o gênio, em curva e diagonal, se livra da sua marcação para chutar lá onde a coruja pia. Caprichosa, orgulhosa do momento, a bola fez justiça e sobrou nos pés de Elano, que saiu de braços abertos para ninguém. Todos caíram em cima de Robinho, que tinha chegado ao detalhe supremo da sua obra, arduamente construída em anos e anos de exercício.
Poderia dar tudo errado. Poderia até ser tudo sorte. Mas sabemos que não foi. Simplesmente sobrou, foi fora da ordem mundial. A jogada pertence, desculpem a insistência, ao Brasil soberano, o país que ensina a voar. Kaká foi perfeito no seu gol colocado longe de toda a quadratura, no ângulo extremo do seu talento. Foi merecidamente aplaudido como o melhor do mundo. Kaká se enquadra nesse universo do futebol. Robinho é de outra têmpera.
Robinho é uma rara manifestação do gênio. E quando o gênio se manifesta, voltamos a ter esperança.
RETORNO - Imagem de hoje:o menino Robinho, quando era instruído pela cultura do país que o gerou, criou e formou.
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