Nei Duclós (*)
Por motivos que desconheço, sou indiferente a momentos históricos. No início dos 60 fiquei sozinho no meu colégio enquanto a cidade inteira comparecia ao encontro entre Jânio Quadros e o presidente argentino Arturo Frondizi. Foi nessa ocasião que flagraram Jânio com o pé totalmente virado, imagem usada pelas décadas para ilustrar a postura de um estadista trapalhão. E se eu estivesse perto dele, o que veria? Tudo, menos a História.
Não existe testemunha ocular da História, como gosta de proclamar o noticiário. E sim testemunhas de fatos, incendiados pelas versões do Tempo. Os vestígios, costurados pelos estudiosos segundo variadas metodologias, formatam essa ciência complicada, que se presta a inúmeros equívocos. Principalmente porque ela não pode ser vista a olho nu, já que é uma composição, uma formatação feita a partir desses rastros.
Minha implicância talvez venha de um certo desconforto diante dos exageros. É involuntário, mas um bocejo costuma coroar o anúncio vibrante das cenas a serem lembradas pelas futuras gerações. Na grande concentração que foi o movimento (derrotado no Congresso) das Diretas-Já, estive na Praça da Sé a trabalho, mas prestei atenção mesmo numa pequena banda uniformizada de música vinda do interior que pedia passagem na multidão. Passei batido pelos discursos, os aplausos, os gritos, a aglomeração. O que me cativou foi aquele aceno de um espírito nacional, encarnado na banda, que tinha sumido.
Não foi muito diferente na destruição das torres gêmeas em Nova York. Preso no trânsito enquanto os aviões furavam os edifícios, cheguei perto da TV tarde demais. Vi apenas fumaça, ruínas e o replay. É espécie de sina. Quando o homem desceu na Lua, só fiquei sabendo horas depois. É que estava envolvido numa viagem de carona ao Rio de Janeiro com um grupo de amigos, e o grande passo da humanidade me passou em branco. Pelo menos enquanto ele era anunciado em rede mundial.
Acordei para a realidade na maré baixa da novidade. Na manhã seguinte, um sambista improvisava dentro do ônibus o feito americano no ritmo de sua batucada. E na visita que fiz a uma favela na Zona Sul, um morador me garantiu que tudo não passava de armação dos gringos. Mas se não havia credibilidade na Nasa, era certo que John Kennedy tinha sido assassinado. A notícia foi dada pelo meu irmão, sentado no sofá na sala, escutando o rádio. Lembro do seu ar preocupado e seu silêncio, mas de nenhum transtorno interior de minha parte.
Meu pai era diferente e pelo menos uma vez lamentou perder algo que envolvia a atenção mundial. Numa pescaria, longe da mídia, ficou sem saber da candente morte de Marilyn Monroe. Descobriu a tragédia só depois que voltou do mato direto para o chuveiro, e de lá para uma circulada no centro. Voltou nervoso do passeio e cobrou de minha mãe. “Como que a Marilyn morre e ninguém fala nada!” Dona Rosinha deu de ombros. “Era o que me faltava”, teria dito. “Ter que anunciar o fim da estrela para o meu marido”.
Não sei se foram exatamente essas as palavras. Mas não importa. As histórias familiares grudam e jamais se soltam da memória. Valem mais, imagino, do que o bater de bumbo de momentos grandiosos. O que importa não é o status transferido pelo Tempo, mas o sentimento e a sabedoria que ele nos transmite.
Por motivos que desconheço, sou indiferente a momentos históricos. No início dos 60 fiquei sozinho no meu colégio enquanto a cidade inteira comparecia ao encontro entre Jânio Quadros e o presidente argentino Arturo Frondizi. Foi nessa ocasião que flagraram Jânio com o pé totalmente virado, imagem usada pelas décadas para ilustrar a postura de um estadista trapalhão. E se eu estivesse perto dele, o que veria? Tudo, menos a História.
Não existe testemunha ocular da História, como gosta de proclamar o noticiário. E sim testemunhas de fatos, incendiados pelas versões do Tempo. Os vestígios, costurados pelos estudiosos segundo variadas metodologias, formatam essa ciência complicada, que se presta a inúmeros equívocos. Principalmente porque ela não pode ser vista a olho nu, já que é uma composição, uma formatação feita a partir desses rastros.
Minha implicância talvez venha de um certo desconforto diante dos exageros. É involuntário, mas um bocejo costuma coroar o anúncio vibrante das cenas a serem lembradas pelas futuras gerações. Na grande concentração que foi o movimento (derrotado no Congresso) das Diretas-Já, estive na Praça da Sé a trabalho, mas prestei atenção mesmo numa pequena banda uniformizada de música vinda do interior que pedia passagem na multidão. Passei batido pelos discursos, os aplausos, os gritos, a aglomeração. O que me cativou foi aquele aceno de um espírito nacional, encarnado na banda, que tinha sumido.
Não foi muito diferente na destruição das torres gêmeas em Nova York. Preso no trânsito enquanto os aviões furavam os edifícios, cheguei perto da TV tarde demais. Vi apenas fumaça, ruínas e o replay. É espécie de sina. Quando o homem desceu na Lua, só fiquei sabendo horas depois. É que estava envolvido numa viagem de carona ao Rio de Janeiro com um grupo de amigos, e o grande passo da humanidade me passou em branco. Pelo menos enquanto ele era anunciado em rede mundial.
Acordei para a realidade na maré baixa da novidade. Na manhã seguinte, um sambista improvisava dentro do ônibus o feito americano no ritmo de sua batucada. E na visita que fiz a uma favela na Zona Sul, um morador me garantiu que tudo não passava de armação dos gringos. Mas se não havia credibilidade na Nasa, era certo que John Kennedy tinha sido assassinado. A notícia foi dada pelo meu irmão, sentado no sofá na sala, escutando o rádio. Lembro do seu ar preocupado e seu silêncio, mas de nenhum transtorno interior de minha parte.
Meu pai era diferente e pelo menos uma vez lamentou perder algo que envolvia a atenção mundial. Numa pescaria, longe da mídia, ficou sem saber da candente morte de Marilyn Monroe. Descobriu a tragédia só depois que voltou do mato direto para o chuveiro, e de lá para uma circulada no centro. Voltou nervoso do passeio e cobrou de minha mãe. “Como que a Marilyn morre e ninguém fala nada!” Dona Rosinha deu de ombros. “Era o que me faltava”, teria dito. “Ter que anunciar o fim da estrela para o meu marido”.
Não sei se foram exatamente essas as palavras. Mas não importa. As histórias familiares grudam e jamais se soltam da memória. Valem mais, imagino, do que o bater de bumbo de momentos grandiosos. O que importa não é o status transferido pelo Tempo, mas o sentimento e a sabedoria que ele nos transmite.
RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 9/10/2007, no caderno Variedades do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: Marilyn Monroe.
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