Nei Duclós (*)
Os flertes começavam com um piscar de olhos. E as mocinhas desmaiavam, coisa que não se vê mais, nem no cinema. O aceno do adeus com lenço ficou para trás, como a significar sua própria despedida. Não lembro se dizer adeus com lenço era invenção dos romances, das matinês ou dos documentários sobre os imigrantes, ou se existiu mesmo.
Há gestos que continuamos vendo nas telas, mas nunca existiram, como a ordem muda, mas imperiosa, do sargento para seus soldados de tocaia, significando go go go. A mão que ordena o movimento é acompanhada por um menear na cabeça, que imitávamos depois que saíamos das sessões da tarde. “Vamos! Por aqui! Sigam-me!” Quem diz isso na vida real? A propósito: o que é vida real? O apertar, ao longe, da aba do chapéu com o indicador e o polegar grudados, sinal pautado por olhar significativo, era outra obra exclusiva da sétima arte.
Já disseram que aprendemos a beijar com Hollywood. Aqueles beijos, em que o casal fazia pose para a câmara deslumbrada dos nossos olhares, quando havia esse tipo de deslumbramento, só existiam originalmente na luminosidade da sala escura. Depois foram imitados, principalmente nas cerimônias de casamento. Aliás, de todo tipo de cena, as de casamento são as minhas favoritas. Sunrise, sunset: quem não cai na lona quando assiste a união musical em “O violinista do telhado?” E aquele casamento em “Giant”, em que Rock Hudson recupera Liz Taylor? E a coreografada explosão serial de “Sete noivas para sete irmãos”?
A imagem toma emprestado da literatura e devolve para a vida. Existem manifestações humanas que simplesmente definem um povo inteiro. Em “O poderoso chefão”, o diretor Francis Ford Coppola colocou os mafiosos se dando tapinhas na cara. É possível que exista mesmo esse acervo na História, mas de Coppola em diante ninguém se atreve a mostrar um mafioso sem que ele bata na cara de quem está na sua frente.
Superioridade física era representada pelo bater forte da mão no ombro. Ou então no muque, pois era obrigatório ter muque. Medíamos a resistência do músculo do antebraço desde a segunda infância. Era para enfrentar os inimigos e impressionar as gurias. Quando queríamos ameaçar alguém batíamos na própria mão, enquanto dizíamos: “Te pego na saída”. Isso poderia ser substituído por uma representação do soco no nosso queixo. Significava que iríamos quebrar a cara de alguém.
Cruzar os dedos para impedir algum acontecimento, fazer figa para devolver o mau olhado, fechar o punho esquerdo em sinal de revolta, levantar o chapéu de feltro para a população em delírio: eis alguns gestos perdidos que fazem parte de outra humanidade, a que fomos um dia. De hoje, o que ficará? Será que o pula-pula dos torcedores nos estádios será visto no futuro como um sintoma grave de autismo comportamental coletivo? E as mãos ao alto nos shows, seria o sinal de que todos estão entregues à sanha do mau gosto e de outras mazelas nacionais?
Mas nem tudo sai de moda. Abraçar com apenas um braço o ombro de alguém enquanto se caminha numa conversa amistosa ou carinhosa, por exemplo, é algo que não some do mapa. Não significa apenas amizade ou amor. Quer dizer que somos a extensão das outras pessoas e fazemos parte delas como as gaivotas do mar. Não estamos sós quando o abraço demonstra a comunhão espiritual de duas mentes que acompanham o ritmo do coração.
Não gostamos da comercialização pura e simples, como as falsas campanhas da paz que usam pombas, coitadas, tão cheias de problemas de saúde e de superpopulação. Ou de criações publicitárias em que as pessoas batem carinhosamente no coração para dizer que o candidato está cheio de amor para dar. Gostamos é quando a criança se expressa, criando um gesto único. Dá vontade de pegá-la nos braços e levantá-la em direção ao sol.
Brilha, meu amor, que somos um só e ninguém vai conseguir nos apartar do nosso destino, esse sentimento que sobrevive sob qualquer condição, em qualquer tempo.
RETORNO - 1. (*) Crônica publicada neste fim-de-semana na revista Donna DC, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: O Violinista no Telhado.
Os flertes começavam com um piscar de olhos. E as mocinhas desmaiavam, coisa que não se vê mais, nem no cinema. O aceno do adeus com lenço ficou para trás, como a significar sua própria despedida. Não lembro se dizer adeus com lenço era invenção dos romances, das matinês ou dos documentários sobre os imigrantes, ou se existiu mesmo.
Há gestos que continuamos vendo nas telas, mas nunca existiram, como a ordem muda, mas imperiosa, do sargento para seus soldados de tocaia, significando go go go. A mão que ordena o movimento é acompanhada por um menear na cabeça, que imitávamos depois que saíamos das sessões da tarde. “Vamos! Por aqui! Sigam-me!” Quem diz isso na vida real? A propósito: o que é vida real? O apertar, ao longe, da aba do chapéu com o indicador e o polegar grudados, sinal pautado por olhar significativo, era outra obra exclusiva da sétima arte.
Já disseram que aprendemos a beijar com Hollywood. Aqueles beijos, em que o casal fazia pose para a câmara deslumbrada dos nossos olhares, quando havia esse tipo de deslumbramento, só existiam originalmente na luminosidade da sala escura. Depois foram imitados, principalmente nas cerimônias de casamento. Aliás, de todo tipo de cena, as de casamento são as minhas favoritas. Sunrise, sunset: quem não cai na lona quando assiste a união musical em “O violinista do telhado?” E aquele casamento em “Giant”, em que Rock Hudson recupera Liz Taylor? E a coreografada explosão serial de “Sete noivas para sete irmãos”?
A imagem toma emprestado da literatura e devolve para a vida. Existem manifestações humanas que simplesmente definem um povo inteiro. Em “O poderoso chefão”, o diretor Francis Ford Coppola colocou os mafiosos se dando tapinhas na cara. É possível que exista mesmo esse acervo na História, mas de Coppola em diante ninguém se atreve a mostrar um mafioso sem que ele bata na cara de quem está na sua frente.
Superioridade física era representada pelo bater forte da mão no ombro. Ou então no muque, pois era obrigatório ter muque. Medíamos a resistência do músculo do antebraço desde a segunda infância. Era para enfrentar os inimigos e impressionar as gurias. Quando queríamos ameaçar alguém batíamos na própria mão, enquanto dizíamos: “Te pego na saída”. Isso poderia ser substituído por uma representação do soco no nosso queixo. Significava que iríamos quebrar a cara de alguém.
Cruzar os dedos para impedir algum acontecimento, fazer figa para devolver o mau olhado, fechar o punho esquerdo em sinal de revolta, levantar o chapéu de feltro para a população em delírio: eis alguns gestos perdidos que fazem parte de outra humanidade, a que fomos um dia. De hoje, o que ficará? Será que o pula-pula dos torcedores nos estádios será visto no futuro como um sintoma grave de autismo comportamental coletivo? E as mãos ao alto nos shows, seria o sinal de que todos estão entregues à sanha do mau gosto e de outras mazelas nacionais?
Mas nem tudo sai de moda. Abraçar com apenas um braço o ombro de alguém enquanto se caminha numa conversa amistosa ou carinhosa, por exemplo, é algo que não some do mapa. Não significa apenas amizade ou amor. Quer dizer que somos a extensão das outras pessoas e fazemos parte delas como as gaivotas do mar. Não estamos sós quando o abraço demonstra a comunhão espiritual de duas mentes que acompanham o ritmo do coração.
Não gostamos da comercialização pura e simples, como as falsas campanhas da paz que usam pombas, coitadas, tão cheias de problemas de saúde e de superpopulação. Ou de criações publicitárias em que as pessoas batem carinhosamente no coração para dizer que o candidato está cheio de amor para dar. Gostamos é quando a criança se expressa, criando um gesto único. Dá vontade de pegá-la nos braços e levantá-la em direção ao sol.
Brilha, meu amor, que somos um só e ninguém vai conseguir nos apartar do nosso destino, esse sentimento que sobrevive sob qualquer condição, em qualquer tempo.
RETORNO - 1. (*) Crônica publicada neste fim-de-semana na revista Donna DC, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: O Violinista no Telhado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário