8 de junho de 2007

UMA CARTA BRASILEIRA DA ITÁLIA


Daqui a uma semana sai o novo livro de Julio Monteiro Martins, "L´amore scritto". Publiquei na quarta-feira, dia 6, no espaço Literário do Comunique-se, meu texto "O tempo é a pátria do migrante" (que está também no meu site). Enviei a repercussão do artigo para Julio, que me respondeu com esta carta:

"Caro amigo Nei Duclós,

Fiquei realmente comovido com o seu texto e com as respostas enviadas ao site, porque é uma emoção ao mesmo tempo amarga e cheia de orgulho ouvir escritores do país que fui obrigado a abandonar, da pátria do exílio, comentar a minha ausência, o significado de um passado de lutas e de um presente ignorado, vivido em terra distante e numa língua diversa. Memória, missão e oblio numa mesma página.

O nosso Fernando Pessoa dizia "a minha pátria é a língua portuguesa". O escritor em exílio, independente dos seus mais profundos sentimentos, não pode dar-se ao luxo de dizer ou de pensar a mesma coisa. Deve tornar-se "planetário" não por vocação cosmopolita, mas sim como certas crianças perdidas na floresta que para sobreviver aprendem as leis da selva e acabam por saber distinguir as ervas boas das venenosas, em um ambiente exótico e cheio de insídias.

Mas tem um aspecto da minha entrevista, citado por você, que eu gostaria de aprofundar: foi dito que no Brasil a minha obra literária - e quem sabe eu mesmo, como personagem - é vista hoje, pelos poucos que ainda a conhecem, como uma coisa do passado, superada. Este é com frequência o meu próprio sentimento, e é assim que as aparências indicam. Mas a verdade é bem outra. Creio que, a despeito de mim mesmo, represento alguma coisa ligada ao presente e ao futuro, porque esta minha condição de "escritor migrante", de saltimbanco internacional em defesa da "literatura alta", é uma condição do homem contemporâneo que foi antecipada na minha vida, mas que tenho certeza que se tornará comum no futuro.

O mundo se fragmenta e o conhecimento e as aspirações de realização individual no campo artístico, científico e intelectual se expandem no espírito dos mais capazes. A realidade no entanto se apresenta estreita, tímida e lenta demais para que estes homens e mulheres possam alimentar esperanças de realização e de reconhecimento futuro no país de origem. E assim, para não sucumbirem, não lhes resta outra alternativa além de romper o cordão umbilical da pátria e sair pelo mundo, não à procura do mundo em si, mas à procura deles mesmos em uma imagem ideal, que está à espera deles em qualquer parte. Talvez os brasileiros tenham algo a aprender com o meu percurso, com o sofrimento e a superação que o identificam.

Fiquei muito feliz de encontrar no seu texto a lembrança da forte amizade que me ligava ao Caio Fernando Abreu, ao nosso amor pela literatura, a leitura compartilhada que fazíamos dos nossos novos textos, mas também dos textos dos autores que admirávamos, a experimentação conjunta de novas técnicas narrativas, que fazia da criatividade literária para nós dois naqueles anos de severa opressão institucional um jogo e uma alegria sem fim. Obrigado, Nei, por ter reevocado no seu texto o que terá sido talvez a parte melhor de mim.

Com antiga amizade,

Julio Cesar

RETORNO - O trecho em que me refiro ao Caio está só na versão do Comunique-se (link ao lado, para quem é cadastrado). Reproduzo aqui o parágrafo: "Julio Monteiro Martins nasceu em Niterói. No Brasil publicou nove livros, entre romances e contos. Seu livro de contos Torpalium foi prefaciado por mim, no final dos anos 70, depois que Julio me foi apresentado por Caio Fernando Abreu. Advogado, defendeu meninos de rua e é um dos fundadores do Partido Verde brasileiro. Há anos vive na Itália, onde publicou três livros na língua de Dante e é professor da Universidade de Pisa nas matérias de Língua de Português e Tradução Literária. Sua Sagarana é também uma escola de narrativa¸ localizada em Lucca."

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