9 de agosto de 2006

NÃO EXISTE BAIRRO NOBRE





Repetem todos os dias que os atentados atingiram bairro nobre de São Paulo. Li no mês passado que os moradores de um desses locais afamados se uniram para remendar as calçadas, que não viam reforma há mais de 40 anos (certamente, desde 1964). A poluição, a insegurança, o barulho não permitem que tenhamos qualquer coisa parecida com a corte do Luis XVI em nossas cidades terminais. Mas a mídia faz noticiário ao som de violinos, como se houvesse nobreza na urbanidade detonada.

O bairro da Liberdade, tão famoso, não tem casas japonesas. São as casas comuns em ruas e avenidas comuns onde foram plantados aqueles postes vermelhos. Vá até a Liberdade e imagine aquilo sem o enfeite. Verás qualquer lugar do país. Ao redor da Parati preservada do século XVII, há a verdadeira Parati: igualzinha a qualquer cidade brasileira. Tem supermercado, banca, ônibus, camelô, oficina, carro a sair pelo ladrão. É um país de viração, onde tudo é provisório. Não há como ganhar dinheiro, que fica estocado em meia dúzia. Vejam os ilustres policiais de Curitiba arrancando o aparelho de som em pleno Jornal Nacional. Dali a pouco chegam os donos, desesperados. As autoridades, com o som surrupiado no carro, fazem aquela cara mascadora de chiclete, olhando para o vazio. Conhecemos essa cara. Diz: estou aqui cumprindo minhas oito horas.

Os carros novos são as carruagens do país em chamas. Quadrilhas bem vestidas e toleradas batem ponto roubando no centro da cidade. Estão também cumprindo suas oito horas. Acabaram com o emprego para colocar no lugar a ação criminosa. Esse era o plano. Para as favelas, criança esperança: como as mucamas, os carregadores, os passeadores de cachorro deixaram de lado as drogas e estão aqui, neste noticiário milionário, sustentado pelo sistema financeiro, agradecidos por terem a chance de dizerem com certeza na frente das câmaras. Essa-gente é mesmo um encanto. Os pobres adoram fazer seu papel de pobres.

As favelas não são bairros nobres, portanto devem ser bairros plebeus, ou senzalas. Nelas não vive gente-bem, os bons. Estes se refugiam em edifícios que imitam a nobreza nos nomes e nos apliques de gesso no hall de entrada, onde cães ferozes e guardas, que depois planejam os assaltos contra os próprios clientes, te recebem com cara de nojo, rosnando. Bairro nobre é assim: está cheio de casamatas. As carruagens entram e saem dos espaços guardados pelos portões gigantescos. Mas o dinheiro migrou, então muitos casarões viraram centrais de eventos de multinacionais. Ferraris estacionam na porta. Já estive em vários desses eventos. Ficam em bairros nobres. Sempre que eu ia lá, achava que ia encontrar a Maria Antonieta.

RETORNO - O quadro é de Goya, a corte é de Carlos IV. Nobreza é outra coisa.

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