20 de agosto de 2006

MULAS PARA NOVA YORK





Cheguei a sugerir para uma grande rede de televisão criar um programa diário chamado Sundance Festival. Com mais de duas décadas, o evento inventado por Robert Redford revelou centenas de talentos e obras. Imagino que sejam filmes muito mais fáceis de pagar do que o festival de pontapés com que nos brindam em horário nobre (deve ser a mente dos responsáveis, essa de apostar no coice o que deveria ser manifestação do espírito). Como não me emendo, ainda escrevi para a organização do festival para que olhasse para o Brasil e pensasse em aportar por aqui, na TV aberta, alguns de seus assombrosos filmes, o que fatalmente redundaria em bons negócios. A resposta das duas investidas foi, claro, rosca vírgula rosca. Nunca sei o que é preciso fazer para implantar uma idéia dessas. Talvez ir a algum restaurante fino com a mala cheia de dólares e fazer pose de mafioso. Não entendo como as pessoas do ramo não conseguem bolar idéia tão simples.

A Band, por exemplo, se no lugar de ficar meses (que parecem décadas) mostrando o horrível Mandacaru, fizesse uma sessão diária, aí pelas dez da noite, com o Sundance Festival, arrasaria do Ibope. Ou mesmo o SBT, que perde tempo difundindo asneiras cinematográficas de gente se batendo sem parar. Imaginem um filme como Maria cheia de Graça(2004), do estreante Joshua Marston, californiano que começou como jornalista da Life em Paris, trabalhou como professor de inglês em Praga e se graduou em Chicago em ciências políticas, onde conseguiu o mestrado antes de formar-se como diretor de cinema na Universidade de Nova York.

No seu depoimento, incluído no dvd enquanto repassava o filme, Joshua explica como conseguiu realizar seu projeto, que levou cinco anos, e foi concluído graças ao apoio da HBO. O filme é uma porrada. Vejam o que diz a sinopse: "Aos 17 anos, Maria (Catalina Sandino Moreno) vive numa pequena localidade ao norte de Bogotá, na Colômbia. Ela e sua amiga Blanca (Yenny Paola Vega) trabalham em uma grande plantação de rosas, retirando espinhos e amarrando as flores, tarefa entediante que obedece a regras rígidas. As únicas diversões de Maria são o namoro com Juan (Wilson Guerrero) e as festas na praça do lugarejo. Certo dia, pouco depois de descobrir que está grávida, ela se envolve numa discussão e é demitida. Decidida a melhorar de vida e tentar a sorte na cidade grande, a jovem aceita a oferta de um conhecido: transportar heroína para Nova York em seu próprio estômago".

Catalina foi indicada ao Oscar de melhor atriz, ganhou o Urso de Prata no festival de Berlim e o filme ganhou vários prêmios. É uma obra tensa, desesperada, absolutamente realista, que denuncia o tráfico do ponto de vista dos colombianos, vítimas e protagonistas de uma indústria poderosa global. Nunca ninguém filmou Nova York como Joshua. É completamente o oposto do que faz Hollywood, que tenta encher o lixo de glamour. Nosso olhar está colonizado pelo cinemão, tanto que nem conseguimos enxergar direito quando o próprio cinemão faz alguma coisa boa. Achamos que tudo é uma porcaria, quando não é. Mas o melhor do cinema está na produção independente. Numa locadora, o filme de Joshua concorre com as besteiradas. Ou seja, a tecnologia abriu um flanco poderoso na rede de distribuição e por isso o cinema deu um salto neste século. É um novo cinema, que nos deslumbra pela força, pelo detalhe, pelos talentos, pelas denúncias, pelas experiências. Tudo está sendo filmado, em qualquer parte do mundo. Precisamos ter olhos para ver e mente para enxergar.

Uma das vantagens de ver filme em dvd é escapar do desfile de nulidades que é o programa eleitoral. Sabemos quem são e o que fazem. Notamos pelas suas caras, roupas, pela propaganda, pelos carros de luxo em disparada pela cidade agitando bandeiras com números, já que os partidos estão queimados. Vote no número tal, e não no partido que está no noticiário policial. A ditadura mostrou a cara na atual fase do campeonato. São todos suspeitos.

RETORNO - Imagem de hoje: Catalina é revistada no aeroporto JFK.

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