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23 de novembro de 2005
NO MAR, VEREMOS
NO MAR, VEREMOS
Nei Duclós
Pescador de rio pequeno
coloca tudo nos eixos:
seu aço guardado em sótão
sua lança quebrada ao meio
Sabe o rumo da tormenta
o passo da palometa
o avesso de toda malha
o limo sob o sereno
Pescador de rio moreno
charrua de preta escama
seu barco já está a prumo
aguarda a voz do minuano
E se vier o mar
com séquito de sereias
a espuma em seu território
a carne suja de areia?
E se vier o mar
usando arpões de baleia
sargaços ardendo em febre
gáveas altas como estrelas?
Pescador tem a resposta
dobrada em lenço vermelho
que aviva os sonhos do sótão
de aço posto nos eixos
Pois o mar é uma lenda
cultivada pelo vento
a porta de um outro mundo
maré de água estrangeira
é uma espécie de terror
com batalhão de tridentes
generais do imperador
roubo de comerciantes
O mar, para um pescador
criado em água corrente
nos arames dos arroios
entre os moirões das fazendas
é uma dança pelo avesso
a trilha do formigueiro
metralha sob a vanguarda
canhão contra baioneta
Pois se vier o mar, veremos
o barco a remo do pampa
puxando um cordão guerreiro
para atiçar a batalha
para tingir os valentes
para costurar a mortalha
do sal que resseca a rede
que suga o sangue farrapo
com sua manha de peixe
Pescador vem do levante
e um milhão atrás dele
RETORNO - Este poema está publicado no livro do mesmo nome (Editora Globo, 2001) e é um dos poucos poemas meus que podem ser considerados "nativistas". Só que é focado nas águas e seus habitantes. Uma porção do Rio Grande que me banhou por muito tempo e é parte importante da minha literatura. No mar, veremos foi musicado e é interpretado pelo grande José Gomes, um dos maiores compositores e instrumentistas do Brasil, o que coloca este poema, que deu um trabalho danado para ser feito (durante longos meses no final dos anos 80) na antologia da música brasileira.
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