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8 de junho de 2005
A SOLIDÃO EM EDINHO
Sempre me perguntava o que aconteceria com Edinho depois de sua passagem irregular pelo Santos, time do seu pai, Pelé, onde alternou fases boas com alguns desastres como goleiro. A resposta veio agora, com sua prisão por envolvimento com drogas. Implico com a mania de dizer que Pelé é um ET, que não é desse mundo, que sua glória veio de algo fora de sua formação. Pelé é um mito do Brasil soberano. Foi formado, como toda sua brilhante geração, nos anos democráticos, quando o povo tinha vez para mostrar que poderíamos ser os melhores. Foi tão longe e tão fundo que, no momento da desconstrução do Brasil a partir de 1964, foi jogado para outro território. Já foi acusado, como tantos outros gênios, de ter sido conivente com a ditadura (há um revolucionário em cada esquina). Depois, aproveitaram-se do mito para desvinculá-lo da sua humanidade. No momento em que visita o filho, expõe sua grandeza e sua precariedade. Não há como separar Pelé de Edson. Os dois são a mesma pessoa. Ao construir-se como Pelé, Edson criou um fosso com sua descendência. Precisou reconhecer uma filha na Justiça e com Edinho tinha uma relação bastante complicada. Não vamos esquecer a placa que ele deu para o Marcelinho, que fez um gol inesquecível no filho. Não precisava ir tão longe para desvincular Pelé do pai que ele é.
JUGULAR - Simpatizo com Edinho porque imagino a tortura que é sua relação com o mito paterno. Ter optado pelo gol foi, talvez, uma maneira de ser visto integralmente por Pelé (que esteve a vida toda de olho no gol), posicionar-se diante da autoridade como um menino escuta um herói. Escolheu uma posição maldita e não foi por acaso que jogou no Santos. Talvez quisesse também ser alguém no time que consagrou seu pai. Não podemos julgar nada, mas o problema foi escancarado em toda a mídia. Tenho a impressão que Edinho foi humilhado na sua carreira. Saiu pela porta dos fundos, desmoralizado como jogador. Tornou-se um nada, jamais lembrado. Queriam esquecê-lo. Agora é lembrado e da pior maneira possível. Não se explica que só a polícia tenha prestado atenção nele. Ninguém foi lá entrevistá-lo, homenageá-lo, dizer o quanto foi bom goleiro (ou apenas goleiro de um time importante) e que sua infelicidade em vários lances faz parte do ofício. Preferiram ignorá-lo, excluí-lo, enterrá-lo vivo. Não estou justificando nada, apenas tentando entender essa solidão que mata e que faz a pessoa optar por alguma forma de suicídio. Há quanto tempo não abraçava seu pai? Conseguiu pelo caminho mais torto. Torcemos sempre por Pelé, Rei inconteste da arte que projetou o Brasil e que hoje é talvez a manifestação cultural mais avançada, mais completa e mais de vanguarda do país. Temos craques em campo, mas a linguagem para descrever essa genialidade é sempre ufanista, tosca, pequeninha. Ronaldo Fenômeno, que tanto fez pelo Brasil (nos deu pelo menos uma Copa do Mundo) agora está em desgraça, chamado de gordo por todos. Por que essa sanha de pegar a jugular alheia?
HOMENGAEM - Tarde chegamos a ti, Edinho. Não soubemos descrever teu esforço, tua homenagem ao pai escolhendo o Brasil para morar, o Santos para jogar, o gol para defender. Poderias ter ficado nos Estados Unidos, enfrentar aqueles gringos que jogam futebol com a mão. Mas preferiste o caminho mais árduo e te expuseste totalmente, querendo mostrar que existias, que tinhas um identidade, que não eras o apêndice de um Rei. No Brasil republicano, um Rei faz parte do imaginário do povo, mas não pode deixar herança nenhuma. O filho de um Rei precisa palmilhar o caminho mais difícil, abrir espaço por conta própria, dizer: eu existo, sou uma pessoa, vejam o que posso fazer. Mas debocharam de ti, Edinho. Estavas sempre à sombra de algo maior do que tu. Nem querias tanta glória, apenas ser visto, reconhecido, tratado com dignidade. Agora fazem plantão diante da tua cela, mas é tarde demais. Torcemos por ti. Torcemos para que saias dessa de cabeça erguida, que seja suave a pena neste país de tantos crimes e que jamais podem ser comparados com o teu, se é que for provado algum crime. Queremos você inteiro, você mesmo, jogador de futebol do Brasil que um dia esteve na arena e deu o melhor de si. Não tiveste muita sorte, Edinho. Mas a sorte há de te sorrir novamente, porque tiveste a grandeza de ser humano, arriscaste teu pescoço quando ninguém dava nada por tua biografia. Deverias ser aplaudido só por este gesto de coragem. Mas minaram tua auto-estima e agora falamos palavras sem força. Que a poesia te abrace, cidadão brasileiro. Que mostres quem és de verdade, um coração vasto neste deserto que nos afoga.
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