A verdade é o que as pessoas querem ouvir. A literatura de auto-ajuda, o marketing, as religiões emergentes, as consultorias, todos esses nichos vivem da verdade sob encomenda. Não se meta a contrariar verdade tão cristalina. Tente para ver: terás pela frente a falta de atenção, diálogos internos que jamais te incluem, dedinhos levantados, indiferença. Ficarás então com o que aprendeste na marra do que se trata a verdade: um processo pantanoso, que migra de cabeças e posições, que se transmuta a cada época, que faz justiça à complexidade do humano, que te lava a alma quando te abraça. Estarás só como um túnel, na imagem imortal de Pablo Neruda. Cansado, jogarás essa evidência no lixo para pegar carona no que não se pode contrariar. Dirás, como todos, a expressão com certeza, que é o carimbo da verdade empacotada.
TORCIDAS - O silêncio divino diante da pergunta de Pôncio Pilatos significa que nele (no silêncio) habita algo que nos escapa numa só frase, num enunciado geral, numa síntese suprema. Você cala quando te colocam contra a parede, pois no fundo a pergunta é uma pegadinha. Ninguém quer saber o que é verdade, apenas provar que você está errado. Você cala não porque precisa escapar da armadilha, mas porque a ética, essa deusa de braços frios, te impede de seguir em frente. Uma resposta dessas precisa ser compartilhada com o interlocutor, jamais confrontada. É como jogo para arquibancadas vazias, a nova invenção da CBF. Não faz sentido um jogo sem a torcida. Fica uma pelada, uma briga de arestas, um mecanismo encarquilhado. A torcida é o combustível de um embate. As jogadas, acompanhadas pela multidão, se realizam plenamente e o que conta é a confluência de percepções, as verdades coletivas sendo puxadas de um lado para outro, as probabilidades se amontoando na cabeça do juiz, que decide o que é a verdade do jogo a cada apito. Cada torcedor quer o óbvio: a vitória, prova de sua hegemonia sobre os outros. Quando é contrariado, ele vira as costas (não aceita a evidência) e ainda quebra os bancos do estádio, como fizeram os argentino do Boca Juniors no Morumbi.
SELEÇÃO - A seleção brasileira é um time provisório, com atletas em rodízio, que nos prega um susto por partida. Dependemos de Adriano, que tem se atrapalhado com a bola, mas no último jogo deslanchou; de Ronaldinho Gaúcho, para não errar pênalty, já que não consegue nem dez por cento do que costuma fazer no Barcelona; de Cicinho, que agora parece estar à vontade; e de Robinho, que custa a engrenar fora do seu Santos. Faz falta, no miolo, Ricardinho ou Alex, eternos ausentes nas preferências de Parreira, que prefere o tosco Emerson. Na zaga, não temos nada. Roque Junior é uma ameaça constante e Lucio é totalmente irregular. Quando Kaká enfim consegue se sobressair, é substituído. Tostão explica a lógica dessa decisão, mas como vejo o jogo de outra forma (aos pedaços), fico apenas contrariado. Temos pela frente nosso único adversário, a Argentina, que não nos deixa jogar (não combina antes que somos os melhores). Ou seja, temos a nossa sombra, o nosso vizinho, aquele que sempre está de olho em nós e nos conhece como ninguém. Nosso futebol jogado ao pé da letra vai dançar se não soubermos consolidar selecionados competentes, que expressem o futebol que jogamos no Brasil, e não apenas uma costura episódica de craques que não se entendem em campo.
VISITA - Como não entendo de futebol, arte de probabilidades que jamais se entrega às artimanhas do texto, prefiro falar do inverno tépido que forra de areia de veludo algumas partes da praia, onde passeamos crianças que dormem ao som das ondas. Ou da visita surpresa que o Conde Herr Holderbaum nos brindou no domingo, quando caminhamos pelo Capivari como se o tempo não existisse, escoltados por montanhas verdes e falando sobre o assunto mais empolgante de hoje, o da proletarização em massa da população, na qual nos incluímos.
RETORNO - 1. Quem matou as duas adolescentes do Recife? Os suspeitos de sempre, claro, como sugere uma fala famosa de Casablanca e como reza a cartilha dos criminosos. Urariano Mota tem dúvidas. Nas várias versões de um crime, ele aborda esse tema escorregadio, mas tão explícito, que é a verdade. 2. Garcia Lorca e as canções de ninar: acompanhe esta pesquisa que Ida Duclós está fazendo e publicando no seu caprichado blog, que acaba de estrear.
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