30 de junho de 2005

OS OMBROS EM DENIS HOPPER


Denis Hopper é um transgressor que não mexe os ombros. Ele vive com os braços colados ao corpo, imobilizados por hábito, charme, mania, doença congênita ou simplesmente cordas. Com os ombros duros e braços caídos, Hopper assume a fala que brota de um rosto de pedra. O assustador Veludo Azul nos dá o modelo: aquela caratonha facinorosa do traficante torturador é mais do que uma interpretação, é uma vocação, que envolve Hopper mesmo à sua revelia.

DIÁLOGO - Sem movimento a não ser o das pernas que levam um tronco e um pescoço rígidos, Hopper adora fazer sua cena favorita, a da situação terminal, quando não há outra saída senão o desenlace. Diante de um algoz, seus personagens podem perder a vida mas não a piada. É célebre a cena em que o mafioso que precisa arrancar uma informação do policial Hopper tenta estabelecer um fingido diálogo amistoso, enquanto as armas dos capangas rondam por todos os lados. Nosso herói pergunta:
- Você é siciliano?
Diante do sim do bandido, ataca:
- Pois saiba que estudei história e os sicilianos são todos descendentes de negros. Isso quer dizer que sua recontra-tataravó fodeu com um negão.
A resposta do assassino é óbvia:
- Eu adoro esse cara.
E descarrega nele o revólver. É a única reação possível quando se enfrenta alguém que não tem nada a perder.

PASSOS - Enquanto os outros atores desenvolveram um ou vários andares em cena, todos voltados para a conquista amorosa ou a imposição da vontade, Hopper optou pelo não-andar. Quem pode apostar alguma coisa no sujeito que nem sabe caminhar em cena? Pois basta ele dar alguns passos curtos como se estivesse sentindo a câmara, carregando penosamente aqueles ombros um pouco levantados, como se sofresse pelo encargo de sustentar o pescoço e a cabeça, para o espectador saber de quem se trata. É o design de um gesto reconhecível em qualquer fotograma. Pacificada pelo registro, toda a atenção volta-se então para sua voz e sua expressão. A fala é rouca, sussurrada, o olhar é pura impiedade, as linhas da face, quando se contorcem, avisam que ele vai matar.

BRANDO - Quando tomou todos os ácidos em Apocalipse Now, seu histrionismo de início de carreira (quando ainda não tinha definido seu estilo da idade madura) irritou profundamente Marlon Brando, que estava fazendo exatamente o contrário. Talvez a performance magistral de Brando, que mostrou apenas a cara (e precisava mais?) enquanto arrastava algumas palavras roucas, tenha sido a inspiração de Hopper para compor personagens inesquecíveis, de extrema vilania e crueldade. Talvez seus ombros fixos sonhem em não ser filmados. Talvez seja ilusão do ator de que ninguém vai ou deve reparar nos ombros. Ele simplesmente anula essa porção do corpo e concentra tudo no rosto, como Brando com Coppola. O resultado é completamente diferente. Hopper não nos convence que está fazendo algo inesquecível. Parece que quer apenas exercer seu ofício, levantar uma grana e cair fora.

SINAL - Mas talvez seja esse seu principal disfarce. Quando dirigiu Easy Rider ou fez o tímido filho de Rock Hudson em Giant, Hopper talhou-se para ser um criador que deixa sua marca. Poderia ter feito apenas mais alguns filmes, mas trabalhou sem parar. Por isso é sempre um acontecimento quando o vemos em cena. Quando faz o gigolô que tem uma boneca inflável no porta-malas do carro, ou o xerife que enfrenta o matador em fuga pelo trem de carga, ou participa de alguma outra cena, saberemos que estamos diante de uma arte pouco identificada, que o cinema nos revela por meio de alguns protagonistas especiais. Eles são o sal da indústria que perdeu seu rumo e que com eles faz um colar de contas. Em espiral, esse objeto estranho e irresistível nos atinge como um raio. Trata-se de um risco de luz na tarde pacificada pelo sol, que parece o reflexo de algum espelho perdido. Mas é outra coisa e precisamos ter cuidado. É o sinal de que precisamos levantar imediatamente da cadeira para ver melhor o que está acontecendo.

RETORNO - O Livro de Visitas voltou ao site. Os autores do programa que gerencia esse espaço, pressionados por Miguel Duclós, resolveram o problema do ataque de mensagens com link para os vírus.

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