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20 de junho de 2005
POETAS POR TODO O CANTO
Leio poetas em livro, enviados por um deles, Paulo Bentancur, hoje na Bertrand Brasil, e na internet, e descubro que o país procura um pouso na avalanche assassina. Recebo a visita de Luciano Dutra, de passagem para a sua Islândia, e ele me informa que está preparando um dicionário islandês-português e quer traduzir sagas nórdicas ainda inéditas por aqui. Leva na sua mala meu romance Universo Baldio. Há uma postura de poeta em cada escritor que procura abrir caminho por conta própria. Acompanho essa viagem com os olhos atentos. São muitas palavras que recomeçam a tomar o rumo da tormenta. Eduardo Frizzo me envia quatro textos, que são pura poesia deste tempo duro, e eu anuncio que ele está pronto para estrear em livro. Celso Brito me escreve dizendo que é meu novo leitor e me convida para ler seus poemas no Jornal da Poesia. Marco Celso Viola me pede alguns poemas para serem ditos em voz alta no evento que está preparando em Porto Alegre. Envio os que vão a seguir:
SENHA
Nei Duclós
Somos nós, os pescadores
que fizemos do rio uma casa
e de todos os rios, uma pátria
Somos nós, os pescadores
que cruzamos cidades amargas
com os remos fora d?água
e o rosto lavado em sal
Somos nós, os pescadores
Que nos reunimos em silêncio
ao redor do amanhecer
com o sol preso na mão
e a rede tensa
Somos nós o horizonte
onde aportarão os exércitos
sem direção
Levantar um braço, então
será o bastante
TARDE
Lá longe no horizonte
nasce a força da vogal sem nome
Voz do sobrenatural encontro
entre Deus e seu espelho
Imagem torta de espontâneo corpo
que interrompe o vôo permanente
Sombra não revelada pelo olho
colhida como flor para si mesmo
Surpresa do Criador quando se cansa
da infinita paz de estar atento
Lá nasço eu na minha fonte
De janela aberta e rádio aceso
LETRA
Talvez
escrevendo
alguma coisa amanheça
Talvez
o poema
desperte o pássaro
Talvez
a palavra
te incendeie
Talvez
a sílaba
grite
Talvez
a letra
crua
Talvez
soletrando
amor
a noite se despeça
TRÉGUA
Quem fala em amor numa noite dessas
quando nem o tempo se encoraja
de surgir no horizonte amordaçado
Quem falou em amor que te apedreje
porque a pedra afagou antes da mágoa
e isso já te basta
Qualquer migalha de amor serve de alimento
qualquer frase de amor, qualquer fermento
faz crescer o pão inaugurando a trégua
PEGADA
Sou folha no ar
não faço alarde
Grito uma vez
depois me calo
Voz de ninguém
tombo de orvalho
Sou fole de mar
eco de praia
Vento alto
na noite solar
Luz de nenhum
lugar
Sou louco luar
de torna-viagem
sopro mortal
silêncio amargo
Trouxe o bolso cheio de balas
Pólvora do coração ao largo
Volta, que eu entendi a rosa
Fica, antes que eu te estrague
RETORNO - Dois brasileiros comentam a situação política no terminal do ônibus. Estou imediatamente atrás deles, na fila. Um diz: "Soubeste da pesquisa? O Brasil está em último lugar na distribuição de renda". O outro replica: "No Brasil não há distribuição de renda porque não dá tempo". Bingo.
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