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12 de junho de 2005
ALMANAQUE DE BORDO
Alguns flashes de uma rápida escapada à cidade da cultura
VÔO - Uma pequena multidão de passageiros ficou trancada, nesse sábado, no aeroporto Salgado Filho de Porto Alegre. Iriam partir às sete da manhã, mas o avião da Gol teve que ir para a manutenção e não havia como fazer a substituição. A solução encontrada foi colocar os passageiros num vôo da Varig (que, claro, estava vazio) só que às três e meia da tarde. Para quem precisava estar às seis da manhã no balcão do check in, ter que aturar um dia inteiro para ir até Curitiba num espaço de tempo que daria para fazer tranqüilamente do ônibus, a decisão soou como um escárnio. Ão, ão, ão, queremos avião! foi o grito que se ouviu. Como a empresa não cedia, fez-se uma barreira no portão de entrada, impedindo que os passageiros dos vôos seguintes embarcassem. Vieram os guardas da Infraero e a Policia Federal. Chegou a haver enfrentamento físico por parte dos mais exaltados. Havia revolta também de quem não conseguia embarcar. No fim, tudo ficou como decidido e consegui pegar meu avião, que deu um pique no vôo e acabou se atrasando apenas sete minutos. Na minha frente, um senhor muito idoso estava decolando sem cinto de segurança e com o espaldar da poltrona fora do eixo vertical. Eu e mais um passageiro fizemos sinais para a aeromoça, que tinha um olhar burocrático e nada enxergava. Depois ela veio checando cadeira por cadeira e passou lotada pelo idoso. Aí eu chamei a atenção dela. O olhar viciado da tripulação, a revolta contra uma empresa que opera no limite, o vôo zen por cima das nuvens, o atraso de uma hora na ida por falta de teto em Porto Alegre, tudo isso fez da viagem uma contradição entre a rapidez e o tumulto.
POEMA - Vejo no lançamento do livro de Delmar Marques, depois de dácadas, o poeta, escritor, dramaturgo, agitador cultural Emilio Chagas. Chega acompanhado de Christiana, com quem compartilha um filho, artista plástica que acaba de ilustrar livro de James Joyce traduzido por Donaldo Schuller e adaptado para crianças. Emilio pede que eu recite Outubro para ele. No final dos versos, ele fecha os olhos, vira de lado e chora. Para quem, como eu, que nos últimos tempos tem ouvidos coisas por parte de algumas que, pelos mais variados motivos, acharam por bem me xingar, essa foi uma homenagem que lavou a alma. Não sou o que dizem, sou o que choram.
DEBATE - No bar do Beto, o poeta e produtor Carlos Eduardo Caramez (que acaba de lançar seu belíssimo livro de poemas Construção das ruinas) me pergunta sobre o que eu acho da conjuntura política. E nos segreda seu grande projeto: um encontro no fim do ano entre representantes de cidades portuárias, que conseguiram transformar o cais em centros culturais. A cidade aqui chama-se Porto, lembra Caramez, Alegre. Nada mais sólido do que o óbvio visto por uma inteligência e uma sensibilidade lúcida e ativa.
VOLANTE - Delmar Marques tenta me levar até a casa de Tabajara Ruas e perde-se no caminho. Lembro que fazia o mesmo quando queria me levar para minha casa em São Paulo. Diz que assim é melhor, há tempos a gente não conversa. Não tem paciência com os outros motoristas, entra sem querer na contramão, perde a vaga para um espertinho e quando desce do carro coloca a mão no casaco e vê que está sem documentos. Começo a reler seu livro e lá está sua biografia sentimental. Delmar é múltiplo e não se conforma em ser um só. Seu romance, dedicado a Denise, pessoa fundamental na viabilização da edição, é uma catequese, uma bandeira, uma herança, um aceno no meio do pampa. O gaúcho mais à vontade em São Paulo, um dos poucos que não tremeram diante da megalópole.
LUA - Marco Celso Viola, guiado pela mulher, Rosana, me deixa no apartamento onde vou passar a noite. Vê que estou entregue a salvo e se despede. Seu abraço é sempre o do camarada que compartilhou a guerra. No lançamento, falou mais uma vez sobre Zé Loguércio, o cara que colocou 30 mil pessoas na rua em 1968, confrontando a ditadura. A poeta Nazaré de Almeida, pioneira como nós da poesia de oposição da época braba, e agora cunhada de Ferreira Gullar, lembra que falou também com Paulo Loguércio, irmão de Zé. Com Paulo tenho algumas músicas em parceria, lembro. Onde está Paulo Loguércio? Coloquei o seguinte verso numa melodia sua: o lento subir da lua faz ruídos de lua branca.
ROSTO - Porto Alegre, cidade da cultura. Todos discordam. A cidade não está bem. Sim, digo, mas só aqui há um grande debate sobre isso, sobre a identidade de uma cidade. O que é Porto Alegre? É onde ninguém se conforma, e por isso bate o bumbo. Ademar Vargas de Freitas não participa do debate, mas está presente. Mais experiente, homem que já participou como soldado de uma missão no deserto e um dos mais respeitados jornalistas do país, Ademar é o irmão mais velho que deixa os outros falar. Despede-se mais cedo, com sua barba de revolucionário cubano, com seu olhar sempre vivo e atento, com sua concentração e talento que fazem escola.
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