Nei Duclós
No evento Proa em prosa , que aconteceu na sala Santander,
em Porto Alegre, dia 13, coordenado pela animada e brilhante jornalista Claudia
Laitano, da Zero Hora (que faz parceria com a Unisinos) , viajamos no filme “Sobre
sete ondas verdes espumantes”, dirigido por Cacá Nazário e pelo professor da
Unisinos Bruno Polidoro. Eles usam usa fragmentos de obras e depoimentos de
amigos para construir uma rota por locais que fizeram parte da vida de Caio
Fernando Abreu. É uma sequência de leituras filmadas. Os leitores de várias
origens, de dentro e de fora do país, descrevem e às vezes assumem os
personagens que Caio reporta ao roteirizar esse substrato que estava oculto e
que faz parte da modernidade física, mental, sentimental e psíquica dos contemporâneos.
Caio deu voz a esse vulcão vivo mas que estava subterrâneo, erigindo em
literatura um acervo de espólios e ruínas, onde brilham joias e pedras
preciosas, insights e setas cheias de veneno do seu talento que atingiu a permanência
numa obra cultuada desde suas primeiras publicações.
Um verbo que me chamou a atenção nas citações de Caio foi o
verbo doer. Ao conjugar na primeira pessoa do indicativo, ele quase atinge o
doar, um cruzamento proposital que é uma das chaves do seu trabalho. Livrar-se
das amarras, entregar-se, soltar-se para assumir a dor do desespero e assim, ao
se livrar de quem está próximo, poder se aproximar do amor possível, é uma
viagem dolorosa e solidária que a palavra amarra em absoluta liberdade.
Ir-remediável, diz uma das chamadas do filme.citando o título de uma das obras
de Caio, Inventário do Ir-remediável. Ir embora, abandonar tudo sem deixar
endereço, para assim remediar, curar o que dói dentro e pulsa em cada passo
dado nesse rumo que se define ao andar. Uma viagem e tanto que nos leva ao
silêncio de uma interlocução conosco, como notou Claudia Laitano ao abrir a
sessão de debates.
O curta metragem exibido no mesmo evento, o documentário “Se
essa lua fosse minha” , foi premiado no Festival de Cinema de Gramado e pelo
Festival Internacional de Curtas de São Paulo, segundo a repórter Pâmela Oliveira,
da Notícias Unisinos. Faz um paralelo com participantes de um programa
espacial, que ficaram conhecidos como afronautas, na Zâmbia de 1964, com
moradores da rua Garibaldi, de Porto Alegre, como conta a diretora do filme, a
aluna de Realização Audiovisual Larissa Lewandoski:“A ideia era tirar as
pessoas do contexto em que viviam, uma espécie de aquário urbano, para tentar
criar uma identidade com os afronautas”.
Na minha participação, coloquei o curta na rota do enfoque
contido no meu livro “Todo Filme é sobre cinema”, da coleção Aldus da Editora
Unisinos. Nada sabia sobre o curta, então comentei o que vi na tela. As imagens
da descida do homem na Lua impactam os moradores de uma periferia detonada, que
veem no evento a confirmação de profecias de fim do mundo, pois significa uma
nova era onde tudo o que está em volta é condenado ao desaparecimento. Num
exercício de sobrevivência, eles incorporam as roupas espaciais, a seu modo,
envergando capacetes improvisados e posando para as fotos como se fossem
protagonistas daquele salto tecnológico.
Viajamos bastante nestas viagens.
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