12 de agosto de 2014

DEIXE QUIETO O SEGREDO

Nei Duclós

Deixe quieto o segredo. Ele é um dragão dormindo.

Lua tão intensa que impôs a prata fria de um dia bizarro no quintal preparado para a aparição dos espíritos.

Não precisas de mim, a não ser quando desapareço.

Eu te ignoro quando não ousas sumir da minha frente.

Bom que te releio, acervo cada vez mais denso.

A prosa é o amor de chão batido. A poesia, a falta de piso.

Corres daquelas mesas para, sozinha, abrir tua caixa postal. E lá está, a mensagem que te imobiliza.

Era amor, mas inventaram uma concorrência entre nós. Então entregamos os pontos numa certa noite. Mas voltaremos, palavra que dói de tão bonita.

É tanta saudade de ti que parece implicância.

És minha paisagem, reduto extremo do amor e sua miragem

Perdemos o dom da palavra, que escorregou para longe. Ficamos com as pistas, sílabas que são gritos.

Me imaginaste deserto quando sou adubo onde semeias.

Flor é a senha. Surra de pétalas.

Perdemos a noção nos tropeços. Dá-me tua mão, mesmo que eu não mereça.

É bem pequeno o alcance do poema. É como asa de pássaro arisco quando fisga no ar a pétala em queda.

O limite nos faz humanos. O infinito nos condena à eternidade.

Não consigo me afastar por mais que eu fuja. Sempre estás onde mais te oculto.

Deixou cair o lenço num lugar inacessível. Tentei a expedição impossível. Mas o vento rolava para longe seu beijo embrulhado naquele pano

Arrependeu-se do amor, como a flor quando nota que se enfeitou à toa. Girou nos calcanhares, foi para o dancing de um subúrbio de guitarras roucas.

Calou-se por um tempo. Minuto de eternidade

 

SCRIPT

Precisei refazer o script. A estrela tinha sumido. Foi substituída por reflexos de água na planície escura do céu noturno.

O mestre não precisa de reconhecimento ou submissão. Celebre seus dons e submeta-se ao silêncio. Ele pertence a algo que nos transcende.

Aceite o convite, mesmo que seja esquisito. Adicione-se a uma percepção diferente do que te deixa agora em desconforto. Voe, deixe o porto.

Somos soma. O que vês em mim tem porções de ti.

Decepcione-se antes de admirar. Isso economiza tempo e evita a ressaca da revelação.O humano antes do mito celebra algo maior, o espírito.



CONVERSAS

- Me sinto forte, falei para o final do dia.
- O que te deixa triste, desiste, ele me disse.

- Escreva algo de fôlego disse ela. Não se perca em pequenos insights de domingo.
- O amor é a obra maior, disse ele. Nenhuma palavra é do tamanho do que sentimos.

- Por que publicas versos fraquinhos? disse ela.
- Poesia não exerce o halterofilismo, disse ele.

- Prefiro que sejas épico, não lirico, disse ela. .
- Só a flor sobreviverá ao apocalipse, disse ele.

- Desse jeito serás sempre expulso do cânone, disse ela.
- Poesia é pedra em janela de vidro, disse ele.





ESCREVER-TE


Não acredite no que te dizem. A vida te acha bonita. E isso fica, enquanto a palavra inútil sobre ti se definha.

Passas a mão como se eu fosse um livro. Cada folha me sinto vivo.

Aprendo com o que te ensino. Me devolves o que fica fora de mim, a lição relida em tua alma de ouro.

Me distraio com as palavras. Mas elas somem, datadas. Fica o hábito, preparo de uma íntima obra.

Nem sempre acerto na escolha do verbo. Deixo para ti, coração assustado, tuas antenas de seda trêmulas de contato.

Estás fora de alcance, envolvida em outras paragens. Mas o verso é a linha direta com tua fantasia de um novo compasso.

Vestida só do meu beijo, me escreves de um realejo. Tocas a melodia de um encontro sem medo.

Digo para o vento o que calo contigo. Vê se escuta o meu jeito tímido.

 

PASSEIOS

1.
Me deste a mão num passeio
surgido por acaso
numa praia em dia de agosto.

2.
Defines o sonho
quando a realidade desmorona
em minutos de prata e ouro

3.
Vou adotar um nome oriental
para fazer parte do teu caderno.
Com versos lavados de sabedoria.
Preces poemas, cheias de subterfúgios.
Falando que o amor é de tua competência.
Quando sabemos que há Cupido
e suas flechas de veneno.

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