Nei Duclós
É fácil fazer poema
É criar sem ter motivo
exercer certo domínio
sobre o que sobra da mesa
migalhas de pão dormido
folhas de erva ardida
rosnar fora da matilha
aguentar soco na lira
De nada mais se precisa
umas palavras corridas
estrofes como sussurros
vogais em jogral de gritos
sílabas furando fila
vociferar o inaudito
fingir a dor mais cretina
descobrir quando desistem
Depois jogar os escritos
de cima dos edifícios
que sobrevoem os vícios
e rastejem pelo lixo
e se misturem ao dia
como no carro a buzina
que seja apenas poema
e não carta de princípios
Que o verso não catequize
nem lamente o ocorrido
ou tenha dó dos aflitos
amor que já não combina
esteja só como um filho
quando foge da família
verso à toa de lambuja
indiferente e pacífico
É fácil fazer poema
basta esquecer o ofício
tecer a lã do crepúsculo
inflamar a lua explícita
fugir quando é favorito
buscar na hora do exílio
exagerar em ser livre
inventar o próprio abismo
RETORNO - Imagem desta edição: obra de Jules-Elie Delaunay.