8 de fevereiro de 2012

ABRIGO


Nei Duclós

Vou moderar na linguagem. Falar só no teu ouvido.

Poesia completa é quando até o mar recita.

Esqueci meu verso mas o recolheste no abrigo. Ele veio no teu colo me olhando meio sentido.

É segredo o que digo. Mas os passarinhos escutam e levam o poema no bico

Ninguém me ensinou, só ela. Quando joguei o barco na corrente da chuva, lá estava a poesia, de vestido curto e pés descalços.

Nunca a procuro, ela me acha. Por mais que eu tente a palavra me segura e joga para o alto.

Não ganhamos prêmios, nós e a poesia. Jamais incentivam vícios. Preferem suas virtudes, cheias de firulas.

Eram tão mesquinhos. Abandonaram o poema ao seu destino. Encontrei-o na calçada, juntando bitucas. Vendia para os mendigos.

JOGO

Rodeiam nosso abraço como moscas. Mas aprendemos alguns truques. Fazemos marola quando é onda, redemoinho quando há vento e escapamos pelos becos como nos filmes de suspense.

Tua liberdade me escolhe. Ninguém tasca.

Queres uma lista do que me interessa. Moito, para te deixar invocada. Gosto que insistas, auto-centrada.

Pior é quando silencias e voltas de surpresa. Somes imediatamente se não estou desperto

Me contrarias, implicante, desconfiando de tudo, querendo explicações que não tenho e não há maior carinho.

Não notei que tinhas ido. Só quando o eco me respondeu vi que o amor estava mudo.

Fico feliz quando me xingas com teu jeito doce, posto que assumes só para me agradar, domadora de urso.

Esse jogo de empurra é puro divertimento. Nosso amor nasceu antes do primeiro encontro. É uma espécie de vocação que deixa as pessoas de cara

Os dias tem sido intermináveis. O verão se demora em torrar calçadas. Derreto na hora da caminhada. Só a noite traz esperança de um milagre.

É abominável que não tenhas respondido. Deixei um recado bomba e duvido que não exista para ti, falsidade.

Chegaste tarde, meio com fome, mas desabaste. De manhã recolhi os cacos. Antes de sair, preparei teu banho e pus uma flor no vaso.

Você quer de derrubar? ela perguntou, surpresa. Não, respondi, e empurrei-a até o veludo da sua beleza.

Ligue quando chegar da praia. Esnobe o poema que deixei na sua cama. Eu nem me importo.

Não implore. Não vale a pena. Mantenha a serenidade que só faltam mil horas para ela voltar das férias.

Meu olho cansado pede um tempo, falei. Deixe sua voz que eu continuo enxergando, disse ela.

Promete que volta? ela perguntou quando fui atender o telefone na sala.

Vou levar minhas palavras embora, eu disse antes de partir. Nem pense nisso! gritou. Suma daqui e me deixe os poemas

LUA

A Lua me viu atrás da neblina, quando olhou para baixo. Tentei me esconder, mas até a sombra ela adivinha.

Pus tudo na mochila. Peguei carona. A Lua aproveitou e deu uma uma canja. Brilhou todas as noites até chegarmos ao miolo do soberbo deserto.

A lua branca transparente praticamente cheia parece jogada para o alto e se confunde com as nuvens na visão súbita do fim do dia.

CENA

Ela está lendo uma peça de teatro americana embaixo de uma castanheira em praia isolada. Foi de moto. Desligou o celular. Espiões elementais leem por cima do seu ombro. Sinto daqui alguns ruídos telegráficos da cena. Eu me vingo: faço download de um filme com Greta Garbo e não mando mensagem nenhuma.


RETORNO – Imagem desta edição: Claudia Cardinale.

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