1 de novembro de 2011

NOVEMBRO INAUGURADO


Nei Duclós


Sol de novembro vindo do leste seca fungo de pele, cresta rosto úmido, eleva o tom da terra, embala varanda e erva, refolha o lírio agreste

O dia surpreende de tanta beleza. Vai ver uma pincelada diferente de Deus, por acaso, cruzou o céu quando estávamos distraídos

A tarde em queda irradia o ar ainda quente, enquanto o vento refrigerado posta-se evasivo, preparando o fio de corte que fatiará a noite

O fim do dia silencia como um cão recém chegado,que fareja a rua onde se esconde a ferocidade que poderá ser branda (depende da fase da Lua)

Pássaros piam uma desavença com seus encontros, descombinados de plumas cadentes, sorteando muros, estridentes como nós, na infância

A natureza é só isso. Basta-se. Para tê-la, precisamos da poesia. O verso traz o dia morto no farnel dos deuses, esses vorazes insatisfeitos

Me perguntas de onde tiro o verbo que dobra a bizarria, o canto que embala o corpo trêmulo e eu respondo: vem de ti, demente de tanta beleza

Não presta ficar à mercê do vazio, como navio torrando em calmaria. É preciso remo e o perfume inoculado pelo tempo em chamas

Toque o sonho como um instrumento. Ele não fugirá de ti. Porque traz as notas grudadas na pele e com qualquer movimento elas se desprendem

Agora pode ir,viajante sem rumo.Pouse o olhar que me deixa como estátua diante das colunas do templo. Lembrarei dele na hora de tocar o sino

Sou o que ficou no ermo, à espera da chuva. Ela veio, com seu séquito de sementes. Trouxe as rosas não geradas. Trocou por um poema de vidro

Amor, é tarde. O sol levou a promessa e nos deixou à mercê das deusas. Por cima deste teto algo trama a dor ou sua nova face, a felicidade

Não quero mais ouvir os sons que amarram nossas pernas. Devemos sair desta armadilha. Sentimento é anzol que fisga o futuro, essa coragem

Eram apenas palavras, me disse o algoz antes de assinar a pena. Não, respondeu o anjo. Era o rosto de Deus dizendo as horas

Pele, penugem, gota de orvalho: custamos a chegar no denso território da verdade. Que nos recebe sorrindo, lamentando nosso medo sem motivo

Batem à porta. É a noite. Bela, como amante tardia. Moça, como um assombro. Brilhante, com seu véu de estrelas salpicadas no manto denso

Só estamos no começo, rainha. Suor e vocação nos cercam, como crianças.Elas nos jogam flores, porque vamos partir.Somos de novo uma bandeira

Cruzamos o vale em direção à cordilheira. Cem mil nos acompanham até o momento decisivo. Lá, repartem as armas e olham fixo para os gigantes

Mas toda imaginação é varrida pela paz que habita a mão que não fere. É quando pousam em nós os pássaros mais pequenos, com suas cores vivas

Agora vamos dar uma volta. O passeio está pleno de pétalas. Os vestidos preparam a varanda que será forrada pelas estrelas. Boa noite, amores


RETORNO - Imagem desta edição: Obra de William Bouguereau

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