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25 de setembro de 2006
O AMOR E A ESTRADA
Crônica sobre comédia romântica e road movies, publicada no fim-de semana no caderno Donna DC, do Diário Catarinense.
Nei Duclós
A comédia romântica é um conflito entre pessoas díspares que procuram o outro onde ele não se encontra. O enredo é a busca desesperada de uma parceria idealizada, que acaba sempre se revelando um equívoco. O desfecho é quando o Destino se impõe por obra de cupido, o deus travesso, que arma situações opostas aos impulsos originais. Há sempre uma correria no fim do filme, sinal evidente de que um dos protagonistas se dá conta do erro e tenta remendar, partindo para o ataque ao objetivo certo. O amor sempre esteve ao lado, nos atalhos, nunca na auto-estrada. A declaração que sela as núpcias é o alívio de quem estava perdido e que resgata, no embate, a própria identidade.
Rock Hudson e Doris Day, Tom Hanks e Meg Ryan, Andie McDowell e Gerard Depardieu são casais voltados para fora da relação que à primeira vista parece impossível, mas que no final se entrega ao inevitável. É uma fórmula eterna, que só perde em longevidade e carisma para o road movies, a travessia de indivíduos pelo deserto, quando descobrem, ao andar, o quanto ficaram longe de suas origens, e que, ao contrário da comédia romântica, implica sempre em perda, e muitas vezes em tragédia.
Nos dois tipos de filmes, a fuga (para a estrada, para o amor) é uma opção de quem vive situações insuportáveis. Morangos Silvestres, de Ingmar Bergman, é o mais radical e encantador road movie da história do cinema. Um idoso viaja em busca de um prêmio e descobre a miséria de sua vida em seqüências onde memória e realidade têm o mesmo peso. Em "Corrida contra o destino" (Vanishing Point, de Richard C. Sarafian) a obra-prima americana sobre o suicida que peita as autoridades a bordo de um carro cult, representa, pela velocidade, a insurreição contra a cristalização de uma sociedade fundada na tirania. A explosão final só tem comparação em impacto das motocicletas em chamas de Easy Rider, de Denis Hopper, o marco antológico dessas viagens em direção ao insight.
"We blow it" (estragamos tudo), diz Peter Fonda quando se dá conta da quantidade de horrores em que se meteram. Nós somos os culpados por isso, por essa radicalização que nos exclui, resposta dura ao horror supremo da falta de liberdade. O road movie é uma descida à danação, e esta pode ser representada tanto pelo fogo quanto pelo abismo (como em "Telma e Louise," de Ridley Scott). O movimento, fundamento do cinema, é o ambiente do filme que nos leva de carro, trem, barco, a cavalo ou a pé. Embarcamos naquele sonho e torcemos por um final feliz, que nem sempre vem. A viagem a cavalo que Kirk Douglas empreende em "Sua última façanha" (Lonely are the brave), de David Miller, com roteiro de Dalton Trumbo, em direção à casa que destruiu, é um aceno para a vida romântica do passado, mas um caminhão se atravessa no seu caminho para destruir a viagem. A Morte espreita o road movie, que não faz graça com ninguém.
"Charada", de Stanley Donen, com Cary Grant e Audrey Hepburn, é a comédia romântica de ação em que o galã, à primeira vista um anti-herói, mente para salvar a mocinha e que, com esse expediente, acaba fechando todas as portas para um encontro final amoroso. A qualidade da comédia romântica vem da capacidade da trama: esta precisa nos convencer que será totalmente impossível um final favorável. Todas as ciladas se apresentam ao casal inverossímil, que assim dispõe de uma abundância de oportunidades. No fundo, o roteirista responde à imaginação dos espectadores, que precisam ser contrariados nas suas esperanças. Quando tudo parece perdido, algo se apresenta para resolver a questão.
A seqüência que define a comédia romântica acontece sempre num ambiente coletivo de confraternização: Natal, Ano Novo, Ação de Graças, parque de diversões, desfile, festa. No meio da multidão cheia de alegria e esperança, o desespero de quem viu seu amor sumir pelo ralo cruza o território da indiferença com o coração em brasa. Billy Cristal em "Harry e Sally" ou Renée Zellweger em "Diário de Bridget Jones" podem dizer enfim: eu te amo. Quem reprimir o choro, não pode ser considerado humano.
RETORNO - 1. Imagem de hoje: Cary Grant e Audrey Hepburn, o casal que se desencontra ao longo do filme "Charada", e só descobre a chave do enigma no final. Vejam a mágica: o amor maduro e fruto do conflito fazia parte da cultura de massa. 2. Não queria meter a colher nessa cumbuca, mas vá lá. As cenas picantes de Cicarelli na praia não nos dizem respeito. Portanto, é perda de tempo discutir o evento. O que precisa ser debatido está longe das ondas. Deve-se perguntar os motivos que fazem de Cicarelli uma celebridade. Sem talento, apenas com atributos, ela é cabide de uma indústria suspeita, o das roupas de luxo, que usa garotas cada vez mais jovens, e mulheres em poses de desfrute, para desfilar seus corpos em passarelas milionárias. Moralismo!, dirão. Não, apenas política: os corpos disponíveis, que trafegam a peso de ouro pelo mercado global, se prestam ao sistema poderoso de uma economia ditada pela pirataria financeira. Aliás, vi uma tremenda coincidência: o namorado que participa do erotismo praieiro de Cicarelli é executivo do mercado financeiro.
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