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20 de setembro de 2006
ESSA BANDEIRA FARRAPA
Nei Duclós
Vinte de setembro é a data maior da gauchada, que desfila garbosa pelas avenidas e se reúne mais uma vez em torno do churrasco e do chimarrão. É também data de balanços e implicâncias, pois o tom laudatório do tradicionalismo incomoda a intelectualidade e isso, longe de ser um transtorno, é mais uma prenda riograndense, pois a polêmica, o debate, a contrariedade fazem parte do perfil dos habitantes sulistas. Eu balanço pelos dois lados. Gosto de tudo do Rio Grande do Sul, menos do inverno excessivo e ao mesmo tempo escuto e leio as críticas que se fazem à civilização dos pampas. Texto de Mario Maestri no La Insígnia resgata estudo dos anos 60 sobre latifúndios, peões e capatazes e coloca mais lenha nessa fogueira de discussões sobre o ethos de bombacha. Faço parte das duas bandas, como lenços brancos e maragatos trançados no mesmo nó e bato em todo o excesso: não precisa chorar para declamar um verso gaúcho, como fazem atualmente (povo guerreiro chora?), nem precisa chamar de traidor quem aponta as contradições e os problemas de tanto tradicionalismo.
BEDUINOS - Implico com o ctgismo pelo que ele tem de padronizante. Esses vestidos de chita hegemônicos, essas botas sanfonadas, esse bombachismo, esses barbicachos. Gosto da diversidade gaúcha que não perde a identidade. Um dia fui num restaurante típico em Porto Alegre que não tinha churrasco, só comida de panela de ferro: guizados, ensopados e outras iguarias. Mas o show da casa era o de sempre: aqueles excessos com as boleadeiras (sempre acho que aquilo vai pegar em alguém, talvez no dançarino) e piadas de galpão por parte de um engraçadinho metido a grosso. Meu calçado preferido pampeiro são as alpargatas Roda, que herdamos dos árabes, entre tantas outras coisas trazidas do Oriente, como nos lembra Manoelito de Ornellas com seu clássico Gaúchos e Beduínos. Gosto da sofisticada civilização urbana do Rio Grande, bem brasileira e não tão platina como querem os adversários. E de lembrar como éramos citatinos nos anos 50 com nossos cabelos engomados, vendo filmes de todas as nações, andando em carros magníficos, daqueles que tinham estribo para entrar e eram tão confortáveis que poderíamos morar neles. E gosto de brandir as memórias de João Neves da Fontoura que resgata o início do século 20 em Porto Alegre, que era a glória de uma civilização.
GALPÃO - Mas não existe espaço mais democrático do que o galpão, com seu cheiro de fumaça, lenha e chimarrão. É um lugar limpo, agradável, soberano. O galpão funciona em roda, ou seja, não há hierarquias inúteis, a não ser a do capataz, que ali se iguala aos outros, e a dos narradores, os que fazem até do silêncio motivo da máxima atenção. Os habitantes do pampa são gentis e democráticos, mas também super debochados logo que conseguem alguma intimidade. São exímios cavaleiros e carneadores e possuem aquela franqueza encantadora das almas que vivem em campo aberto. Não sei como estão hoje, passadas tantas décadas que não visito uma fazenda, um bolicho, um barraco na beira do arroio. Mas imagino o entusiasmo de Dom Pedro II, perdido numa tempestade, longe das carroças de mantimentos, que foi acolhido por uma senhora muito velha e dela provou uma galinha a molho pardo irresistível. Quando a comitiva chegou, de olhos esbugalhados no dia seguinte (tinham perdido o Imperador!) viram os dois anciãos às gargalhadas se contando causos.
VIVA!- Essa história está na "Viagem ao Rio Grande do Sul", do Conde D´Eu, que descreve o caminho percorrido até Uruguaiana, onde retomaram a cidade para os aliados. Da civilizaçção gaúcha sai todo tipo de livro e é neles que mergulhamos com alegria para conhecer melhor o nosso Continente de São Pedro. Longa vida à nação riograndense, brasileira de berço e de coração, que nos engrandece e jamais perde o prumo. Viva o 20 de setembro!
RETORNO - 1. Imagem de hoje: obra de Felipe Constant, que está atualmente em exposição coletiva importante em Porto Alegre, inaugurada ontem, 19 e que vai até o próximo dia 30. Fica no Átrio do Bourbon Shopping Country (terceiro piso). 2. Agradeço ao Geraldo Hasse, que me corrigiu: "Gaúchos e Beduínos" é de Manoelito de Ornellas e não de Moisés Vellinho, como tinha colocado. É o que dá ficar longe da minha biblioteca em Sampa, mas não será por muito tempo. Geraldo é um cavalheiro. Segue à risca a máxima "o elogio é público, a crítica é privada". Enviou um e-mail revelador, que recolocou o crédito no lugar. Dá-lhe, Rio Grande.
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