9 de setembro de 2006

LIVRO COSTURA O TEMPO





No lançamento ontem do meu novo livro, O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas pelo Vento (Editora Cartaz, 150 pgs., R$ 25,00), tive o prazer de receber amigos, colegas, parentes e algumas surpresas maravilhosas, como foi o caso da inesperada visita da Professora Elsa, que nos lecionou quando éramos muito crianças. Há anos ela mora em Canasvieiras e ficou muito feliz quando a reconheci. Destaco também outra presença ilustre: Walter Galvani, cronista e romancista, meu primeiro Diretor de Redação e que fez história no jornalismo ao montar uma equipe de primeira na virada dos anos 60 para os 70, entre outros grandes feitos. Galvani me deixou mensagem de congratulações e foi meu convidado de honra na tarde em que coloquei na praça mais um rebento literário.

O livro é a soma de manifestações ao longo do tempo e aborda um narrador que se civiliza conforme vai se aprofundando na relação solene com a natureza e os habitantes de mar e pampa. Quem viabilizou tecnicamente o livro foi Juliana Duclós, que fez uma diagramação primorosa e uma capa totalmente sintonizada com o conteúdo das histórias. Foi proposital a opção da editora de arte ao refletir visualmente o tom poético do livro. A excelência do trabalho teve acompanhamento atento e valioso de Osmane Garcia Filho, o Maninho, amigo querido de São Paulo e um dos maiores editores de arte do país, com quem trabalhei na W11, hoje Francis, na época em que lancei meu romance Universo Baldio. Ontem vi o Refúgio exposto nas livrarias e confirmei o acerto da capa, que nos conquistou depois de um bom tempo em que Juliana dedicou ao projeto. Agora a obra está na praça. Longa vida à literatura.

A seguir, minha crônica de hoje no caderno Variedades, do Diário Catarinense.


VIAGEM NO BARRO

Nei Duclós

Aos 13 anos, fui arrancado da minha casa para uma viagem inesquecível, que cruzou três Estados por estradas de barro e aportou no meio do mato. Começamos na fronteira, passamos por Santa Rosa, Xaxim e Xanxerê, Cascavel e Londrina, que ainda exibiam um aspecto de faroeste de terra vermelha. O destino era Goio-Erê, município que fica além de Campo Mourão, cidade maior e mais conhecida. Tudo idéia de um cunhado que manobrava sua kombi de estimação, o pior carro possível para tão longa cruzada.

A kombi derrapava em curvas alagadas e costumava ficar presa nos contratempos das trilhas. Nessa ocasião tive oportunidade de conhecer as correntes dos pneus, que servem para dar pegada em território escorregadio. O detalhe é que eu não tinha conhecimento do objeto e ao ser convocado, no meio do temporal, para corrigir o problema das derrapagens, fiquei boiando no fundo do assento. Correntes? Onde? É que as ditas eram maiores do que o calibre do aro e costumavam escapar, deixando à mercê das intempéries nossa ambição de fazer mais do que cem quilômetros por dia, o que era muito raro.

A paciência do capitão da jornada se esgotava cada vez que vislumbrava minha falta de atenção a coisas básicas como amarrar um pneu com argolas de ferro para que o barro cedesse ao acelerador. Mas finalmente o sol levantou-se quando cruzamos a fronteira com Santa Catarina, na única vez em que passei pelo oeste do Estado, que me apareceu encantador, principalmente depois de toda aquela chuva. Mas o clima se vingou ao chegarmos no Paraná. Lá tivemos que pousar em oficinas para descobrir porque raios a carruagem se recusava a seguir adiante, especialmente naquela ocasião em que estávamos perto de chegar ao fim da provação.

Esses acontecimentos se deram no início dos anos 1960 e sempre que conto essa história tenho de jurar que vi um animal silvestre de grande porte saltar bem no meio da picada que nos levava a Goio-Erê. Em apenas um segundo ele sumiu do mato. Dez anos depois passei pelo mesmo local e só encontrei descampado. As árvores tinham sumido, assim como aquelas sensações do menino em pleno rito de passagem.

A temporada na casa do cunhado e de minha irmã coincidiu com a leitura compulsiva de Sherlock Holmes, pois nada havia a fazer na pequena cidade do interior paranaense. Li metade da coleção e só parei depois de dois eventos. Um deles aconteceu no instante em que o bravo Sherlock descobrira a origem do interlocutor apenas observando a natureza do barro que grudava no sapato do visitante. Achei que era perspicácia demais, mesmo para o maior detetive do mundo. O outro evento envolveu o volume O Cão dos Baskervilles, que me assustou, já que estávamos no ermo e tudo aquilo que cheirava a solidão e suspense no livro estava sintonizado com a paisagem que me rodeava.

Na volta, também coroada de heroismo, peguei um pinga-pinga até Curitiba, por estrada com mais barro. Sozinho, acabei entregue à boa vontade dos motoristas, que me ciceronearam o dia todo até eu pegar outro ônibus, em direção a Porto Alegre. Da capital gaúcha parti num Maria Fumaça até minha cidade, Uruguaiana. Voltei transfigurado. Tinha virado personagem de romance. Meus amigos sofreram com isso, pois precisaram aturar os detalhes da aventura por um longo tempo.

RETORNO - 1. Na foto maior: autógrafo, a parte mais gratificante do ofício. Na menor: Juliana Duclós, editora de arte, formada em artes plásticas em São Paulo.2. A Cartaz é um selo editorial de literatura da Editora Empreendedor, dirigida pelo jornalista Acari Amorim. Atende pedidos de compra do livro pelo e-mail luzia@empreendedor.com.br ou pelo telefone 0800-48 0004. Mediante depósito, o Refúgio será enviado sem serem cobradas as despesas pelo correio. 3. Agradeço também a colaboração de Claudia Abeling, que nos ajudou a solucionar vários enigmas da produção e Regina Rossi, com seus contatos providenciais e seu entusiasmo vocacionado.4. Agradeço a Luzia Weiss, da Editora Empreendedor, que resolveu o problema do registro na Biblioteca Nacional, além de ser uma das pessoas chave nos passos que o livro está dando em direção ao público. E à equipe da Editora, amigos e colegas do trabalho diário, que foram me prestigiar no lançamento.

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