1 de setembro de 2004

O TROVADOR QUE PISA FIRME

Eu só peço a Deus que escutem Raul Elwanger, que depois de longo exílio na Praia do Rosa, aqui em Santa Catarina, decidiu reunir seu trabalho em três memoráveis cds. O mais recente é Boa-Maré, uma caprichada reunião da diversidade autoral deste trovador que tem músicas gravadas por Elis Regina e Mercedes Sosa, entre outros. Ele me enviou um hino (Sólo le pido a Dios, de León Gieco, segundo informação valiosa do amigo Marlon) que diz o seguinte: eu só peço a Deus que a dor não me seja indiferente, se um traidor tem mais poder que o povo, que esse povo não esqueça facilmente (tudo a ver com o que vivemos hoje). Raul é músico da pesada, intérprete completo e poderoso e autor de antológicas canções. Uma delas, com muita honra, é a melodia de um poema meu, Apesar de tudo. Estou bem acompanhado: Raul também musicou Ferreira Gullar.

TEIMOSO E VIVO - Raul Elwanger é outra prova de que a canção no Brasil continua firme, lutando por mais chance de aparecer, no lugar dessa caterva sinistra que toma conta de todos os espaços. Ele surgiu nos anos 60 nos festivais universitários de música em Porto Alegre, lutou (de verdade) contra a ditadura civil/militar da época e foi para o exílio, onde conheceu a riqueza cultural dos irmãos andinos e fez amizade com grandes artistas. Raul encarna o mito do trovador que vai de cidade em cidade, fugindo da polícia ou sendo convocado, para disseminar seu canto geral, que tem de tudo, mas está firmemente ligado à música brasileira, com um pé na música latina. O exílio ensinou-o a amar outros lugares que o acolheram, fugitivo. Por isso compôs uma homenagem ao Chile, chamando-o de meu país. Mas o país de Raul é este Brasil, solo da América Latina, que ele palmilha firmemente, cantando a procissão de Nossa Senhora de Navegantes, em Porto Alegre (que foi gravado por outro grande personagem da música no Rio Grande do Sul, Nelson Coelho de Castro), a pesca da tainha no litoral catarinense, o movimento dos lutadores gaúchos pelo pampa, um passeio pela Lapa e pelo Maracanã, entre outras aventuras, todas enfeixadas numa identidade plural, que zomba do estilo mas permanece sempre autêntica. Contundente e provocador, Raul tem, ao mesmo tempo, a doçura gerada por uma vida levada de peito aberto, sem medo. Que a morte não me pegue sem que teu tenha feito o que eu queria, diz o hino (cantado por Mercedes Sosa e Beth Carvalho), e esse verso serve para todos nós. Os cds de Raul levaram um tempão para chegar até minhas mãos. Minha mudança de Sampa e de endereço atrasou a entrega. Mas a música chegou e vejo o trovador de sorriso largo na foto que o retrata hoje, no auge dos seus cinqüenta e tantos anos de vida. É bom reencontrar aquele que não se entregou e que mantém-se pisando firme no chão da sua arte magnífica. Escutem Raul Elwanger e compartilhem comigo essa vontade de sair pelo tempo abrindo caminho para mudar, de verdade, o mundo.

ENJÔO SOARES - Nunca vejo o Jô, mas ontem tinha o padre Julio Lancelotti falando sobre os moradores da rua e o jornalista Carlos Maranhão sobre sua biografia de Marcos Rey. Fiquei e confirmei: Enjôo Soares é o instrumento maior da indiferença pelo Outro. Não quis saber do que o padre falava e contou várias piadas de mendigos (depois corrigia-se, lembrando que os moradores de rua não querem ser chamados assim). De quebra, insinuou que o padre já tinha sido mais gordo e chamou a atenção para a careca dele. Uma coisa impressionante. Agüentei firme para escutar essa grande personalidade que é o padre Lancellotti, que falou coisas importantes no programa. Destacou a pluralidade do problema, que não se resolve apenas doando coisas, identificou um mal comum, que é a culpa que cada morador de rua carrega em relação à própria família (escrevem sempre pedidos de perdão às mulheres, mãe, irmã, filha), entre outras coisas, como detalhes dos golpes que mataram várias pessoas na região central de São Paulo recentemente. Na entrevista com Carlos Maranhão, o entrevistado ficou escutando Enjôo Soares pontificar sobre Marcos Rey e, nos intervalos, contou um pouco da saga do escritor, que tinha lepra e foi perseguido pela polícia sanitária da época. Claro que sobrou, como sempre, para Getúlio Vargas, mas falar sobre políticas publicas de saúde do Getúlio e inserir o combate à hanseníase é coisa muito complexa para quem está sempre contra. É sempre assim.

CRESCIMENTO - O que cresce no Brasil é o dinheiro para a mentira. Na véspera das eleições, apresentadores de televisão chegam a suspirar de satisfação diante de tanto crescimento, e advertem que até pode surgir inflação de tanto dinamismo palocciano. A verdade é outra e até o executivo da Caterpillar chamou a atenção de Lula em evento recente: o que existe é um pequeno resgate de índices já perdidos, que pressionam uma infra-estrutura sucateada, já que não se investe um vintém no país. Não se deixe levar. O que cresce no Brasil é a miséria e a violência. E a arrogância do grupo palaciano, instrumento da ditadura civil. Simples assim.

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