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17 de junho de 2004
REGIME "QUASE" AUTORITÁRIO
Para reforçar o texto que publico na revista virtual Nova Cultura, destaco as várias manifestações sobre o regime ditatorial brasileiro, que estão vindo a furo em cartas de leitores e artigos de jornais. A sempre engraçada Danuza Leão, mas nem sempre feliz na sua superdose de preconceitos sociais, fala em regime quase autoritário ao desancar com o forró presidencial (essa manifestação de indiferença num país em colapso). Quase acerta. Estamos em plena ditadura, a mesma instaurada em 1964, que se consolidou com a chamada Nova República e hoje está em vigor com sua carga de repressões. A diferença é que as tropas federais nas ruas do Rio, São Paulo, Teresina, Belo Horizonte não significam um projeto militar, mas a incompetência dos coronéis civis (o estamento de que nos fala Raymundo Faoro) em manipular seus próprios exércitos estaduais.
MOTIVOS - Por que caímos nesta armadilha? No seu clássico O Castelo de Âmbar, Mino Carta esclarece sobre os bastidores da transição entre as duas ditaduras. O chamado Plano, que era o da distensão, e que foi cumprido de maneira capenga, ferido de morte com o episódio do Riocentro, serviria para consolidar o regime. Para isso era preciso dividir. Aconteceu: PMDB (depois PSDB) x PT, o que viabilizou Collor. Ou como diria Glauber em Terra em Transe (pelas vozes de Paulo César Pereio e Othon Bastos: ?Sua irresponsabilidade política, sua irresponsabilidade política, sua irresponsabilidade política, seu anarquismo!? Num capítulo inesquecível, ditado mais pelo extremo talento do que pela inevitável desesperança, Mino fala sobre o eterno retorno, a eternidade desse imbróglio onde nos metemos. Mudança virá, diz Mercúcio Parla, mas enquanto isso estamos envolvidos nessa eternidades de roubalheiras e violência (não com essas palavras). Mino guarda em seu estojo de âmbar a síntese da sua maestria com a linguagem. É um privilégio para o Brasil contar com um escritor brasileiro que tinha tudo para ser um escritor italiano no exílio. Mino avisa que é brasileiro por opção e não por contingência. Ama o país a ponto de bater nele sem dó diariamente. "Temos de deixar de ser tão brasileiros", costumava dizer, para reforçar sua idéia de que deveríamos abandonar as práticas que fazem o terror do país onde vivemos e adotar novas posturas, que nos desamarrem. Não que devamos ser estrangeiros, mas que precisamos abandonar o Mal que nos é imposto e que encarnamos sem mesmo sentir. Com Mino aprendi a olhar melhor minhas práticas profissionais. Vi o quanto era dependente de opiniões e ordens alheias, coisa comum num país escravagista. Soube como me desvencilhar de muitos nós e também respeitar o espaço poderoso em que os Outros se movimentam. Eu costumava achar tudo uma grande porcaria. Descobri que estava errado, ocupava uma posição cômoda, tipicamente brasileira, irresponsável. "Tudo (ou quase tudo) no Brasil é mistura de QI baixo com sacanagem", dizia também. O que é uma frase absolutamente certeira.
MOITA - Considero o mal maior do Brasil a síndrome da moita. Pouco se fala a sério sobre os contemporâneos. Não há coragem suficiente para as pessoas saírem de seus redutos e em campo aberto dizerem o que pensam. Só, claro, quando o objetivo é diminuir os outros, ou incensá-los, o que dá na mesma. Acho que cada pessoa, dependendo da fase em que está da vida, é visto de maneira diferente pelos que o cercam. Por isso uma pessoa real sugere tantos personagens diversos. O Conde Holderbaum, por exemplo, me telefona falando na inspiração poderosa que o criou, a partir de uma simples visita dominical. ?Depois que virei Conde, fiquei impossível?diz Virson. O Artista, que a todos encanta por ser essa pessoa gentil e carinhosa que é o Luiz Acácio de Souza, mostrou para mim sua principal virtude: o de escutar profundamente os outros, o que é um aspecto raro de qualquer pessoa hoje, época de monólogos simultâneos e de muita ansiedade. O Escritor, que também é Cineasta, mostrou com alegria seus projetos, que demonstram o quanto é importante a obra dele, Tabajara Ruas, um trabalho arduamente conquistado numa vida de lutas em três continentes (América, Europa e África). Taba foi exilado político na Dinamarca, onde lavou hospitais, foi arquiteto em São Tomé e Principe, onde projetou prédios públicos, estreou na literatura em edição portuguesa com seu clássico A Região Submersa (que li ainda datilografado), é autor de mais seis ou sete livros, e prepara novo filme, depois do sucesso de Netto perde sua alma. Lembrando o poeta Bertold Brecht: assim passei o tempo em que me deram para viver sobre a terra - dedicado às palavras, que encarnam o Verbo da Criação, espalhado em tantas criaturas do planeta Terra.
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