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16 de junho de 2004
PONTES NO ARQUIPÉLAGO
Toda casa aqui na ilha é o refúgio de um sonho. Elas encarnam décadas de delírio, jornadas imensas de suor, cargas inomináveis de talento, vestígios de tempos sempre em eterno retorno. Algumas se debruçam sobre dunas, outras sobre o mato, ou sobre águas aparentemente traqüilas, a advertir naufrágios. Todas possuem pedras, estão rodeadas de plantas e nelas pontificam pessoas isoladas ou casais e famílias que faíscam suas vidas em iluminações intermitentes, lançando pontes para todos os lados.
RETRATOS - Não procuro nada, apenas a presença pessoal de amigos sumidos, que hoje me recebem com sorrisos largos e fortes abraços. Todos sugeriram personagens dos quais abusei em histórias que hoje correm mundo e eles se divertem com o retrato nem sempre fiel que fiz das nossa juventude. À beira do fogo, entre cafés e peixes, projetos e lembranças, eles estão solidamente encravados em vidas produtivas e sempre sonhadoras. Admiro essa parte da minha geração que tornou-se pura cultura por dever de ofício e que hoje distribui graças em manifestações as mais variadas, de livros a telas, de revistas a jornais, de poemas a novelas, de romances a cartas. Fizemos história sem fazer muito barulho, pois nem todos nós estamos no front das atenções. Nos recolhemos em vidas cheias de luzes, que nem sempre chegam a conhecimento de um público maior. Mas existe ao redor de cada um a devida admiração. O Brasil é assim, por isso somos os melhores. A grandeza cultural se espalha em rede, infiltra-se em paredes impenetráveis, pinga em grutas ocultas, brilham ao sol e à lua, ciscam estrelas onde outros vêem apenas seixos pobres e perdidos em margens sem atrativos. Somos um mar gigantesco de criações, e nesse roldão somos levados por novas gerações cobertas de desejo e ardência criativa. Estou para receber dois novos romances de jovens escritores. Me convidam para gravar meus poemas, querem ler meu romance, quem sabe dele sai um roteiro, um filme? Teria Luis, meu personagem de Universo Baldio, profetizado de verdade o filme sobre sua vida?
PEPITAS - O Escritor me conduz até o trapiche que fica em frente à sua morada majestosamente abraçada às pedras. Fala de suas histórias e de um naufrágio num pequeno veleiro, numa tarde quente de verão. Vidas intrermináveis nos separam no tempo. Mas continuamos, milagrosamente, os mesmos, apesar de sermos diferentes, como sempre. No dia seguinte, vislumbro vasto horizonte ocupando a varanda da casa maravilhosa do Artista, no lado oposto da ilha. Ele mostra pepitas da sua lavra, produtos que deslumbram pela intensa criatividade. Aos 50 anos, vive ao lado da mulher que espera um novo filho. Começa de novo a vida cheia de força. Por e-mail, recebo as graças de pessoas diversas. Sylvia Leite defende seu mestrado. Marcelo Min manda um alô cheio de promessas. Gim Tones reclama do excesso de zelo à bossa nova. Toth sente saudades e pergunta pela revista que inventamos e ainda não foi ao ar. Luciana volta de uma viagem telúrica à Bahia. Recebo tudo por aqui mesmo, um pouco afastado dos jornais, apesar de seguir o forró presidencial, as abobrinhas da economia, a cama de gato dos chineses. Quem se imnporta com tanta mediocridade, se temos algo maior a fazer, cuidar para que os séculos que estamos atravessando não passem em vão e deixem como legado apenas o que nosso coração mandou diante de tanta miséria e tanta luta?
RETORNO - 1. Visitem e leiam o site da genial revista cultural de Michael Kegler, da Alemanha, que publica resenha de Urariano Mota sobre Universo Baldio e ainda um artigo meu sobre ditadura civil. No endereço: http://www.novacultura.de/
2. Gim Tones publica mini-resenha na revista Playboy de junho sobre meu romance, o que serve de álibi para quem quiser comprar a revista (que tem preço salgado de 9 reais e 90). "É para ler o Gim Tones", diga na hora de corar diante da caixa.
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