Cercados pelo ruído da primeira revolução industrial que ainda é hegemônica entre nós, caímos na tentação de mergulhar no silêncio mútuo, uma situação de isolamento que a Internet, esse correio na velocidade da luz, ajuda a transpor. Mas não basta. Precisamos recuperar o prazer do encontro, como existia nas antigas comunidades e até hoje, em muito lugar, é cultivado como hábito irremovível. Como antídoto, resgato alguns poemas do livro que o Mario Quintana apresentou e publiquei pela LP&M em 1980, No Meio da Rua.
Poemas de No meio da Rua
(Nei Duclós)
A porta abriu, aconteceu o milagre
Um pé no portal, um passo grave
olho no temporal, corpo e viagem
*
O passageiro é anônimo
anônimo, anônimo
passa pelos homens
passa pelos ônibus
Mas não passa pelos lobos
pelo fogo das barreiras
quando procuram seu nome
no fundo da bolsa
Com as mãos no pescoço
o passageiro se encontra
*
nesta cidade sacana
minha fome procura uma porta
minha voz é uma fonte com sede
meu sonho é um pastor que se mata
estou sobrando
em volta, o silêncio
montando guarda
nesta cidade medonha
estão procurando
meu tombo na próxima quadra
e a minha vergonha
é ainda não ter uma arma
*
O corredor que me aperta
e a porta que me tranca
não fecharão minha garganta
Não matarão minha vergonha
nem levarão meu sonho
as forças que me cercam
Mantenho a forma
nas curvas da fome
não estou começando
O espanto ainda me segue
com reservas de sangue
Sei o que me espera
Não vencerão meu canto
os corvos da época
*
Pudera ser minha vida
como um campo de caça
Sem arestas, puro pampa
Onde vale a sabedoria
a atenção e o relâmpago
Onde a paciência é uma arma
contra os caprichos do fogo
E o silêncio, uma lição
que está no sangue
Pudera ser minha vida
tão limpa como os arroios
olhados à distância
Sem esta armadilha
onde a mentira
arma o escândalo
RETORNO - 1. A maré começou a virar: Marco Roza, autor de "Procurar emprego nunca mais" escreve magnífica nota na sua coluna on-line na IstoÉ Dinheiro. Diz Marco:
"Trabalho e Sabedoria:
O homem como referência de seu mundo – Li Universo baldio, do Nei Duclós (do selo Francis, da W11 Editores). Levei uma tremenda porrada poética, no meio da testa, e estou ainda catando os cacos. Se você gosta de ler o mundo pela alma de personagens complexos, corra até a livraria mais perto de sua casa ou encomende nos grandes sites. Depois, tranque todas as portas, recolha-se a um ofurô (se tiver) ou consiga aquele estado de relaxamento que só a epiderme alheia e querida permite, e mergulhe no Universo baldio. Não deixe seu analista saber desta sua terapia alternativa. Mas se ele reclamar, demita-o. Com o dinheiro economizado, compre mais Nei Duclós e saia pelo mundo distribuindo reflexões, que impressionaram gênios como Raduan Nassar e Mario Quintana".
2. Fotos de Daniel Duclós no lançamento. Acesse.
3. Correspondência entre José de Alencar e Machado de Assis sobre um poeta alvo da indiferença: Castro Alves! Contra a conspiração da indiferença, Machado propõe a conspiração da posteridade. Leia.
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