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18 de abril de 2004
A DOENÇA INFANTIL DO LIVRISMO
A insistência na abordagem de apenas um dos aspectos da Bienal do Livro – enfoque nos leitores mirins – direciona a cobertura do evento para fora do verdadeiro impacto, a dos livros de autores importantes. O livro, que está na vanguarda, fica parecendo brincadeira de crianças. Nada contra as atrações para o público infantil, mas como o resto do conteúdo exposto nem chama a atenção devida da mídia, não seria o caso de perguntar: a quem serve essa distorção?
EXCLUSÃO - Serve aos poderosos de sempre, claro. Para que cultura, para que consciência, para que seriedade? Desconfio dessa história de carregar compulsoriamente a criançada para um ambiente fechado e enchê-la de coisas, como clássicos infantis embalados como sabonete, um espaço especial que tem a forma, segundo da TV Cultura, de ”um livro sem nada dentro”(ah, chegaram à perfeição), e palhaços gritando no microfone para ninguém (por que não um microfone para que autores leiam trechos dos seus livros?) . “Formar futuros leitores” na Bienal quer dizer isso: o mercado acha que ninguém lê, portanto enche as prateleiras de porcarias e volta-se para desvirtuar o gosto infantil pela leitura. Pois um leitor forma-se dentro de casa e na escola. Se dentro de casa não existe um livro e na escola nenhuma biblioteca, não adianta encher a criançada de coisas inúteis, para ir “se acostumando”. A Bienal acaba sendo um enorme evento de quadrinhos, livrinhos sem nenhuma importância e volumes de coisas inúteis e bizarras. O que não corresponde à verdade. O conteúdo mais impactante fica à margem. Por que insistir tanto em desenhistas e não em escritores, por exemplo? E o pior: sempre os mesmos artistas. Outra distorção é chamar qualquer idiota estrangeiro de gênio ou coisa que o valha. Nem memorizo o nome de autores que aparecem na foto de casaco pendurado nas costas com olhar cool, na faixa dos 15 anos (mas que no fundo estão com trinta, já que a infantilização das pessoas chegou ao biotipo), que “fizeram furor”no estrangeiro. Ou seja, na frente da fila, temos uma montanha de coisas ridículas e ao lado disso os emergentes sem importância do lado de lá da fronteira.
BIMBOS FORA - Recebo agora de graça a Veja (durante seis semanas, diz a promoção) e vejo que ela, apesar de uma lista idônea dos mais vendidos e a boa seção Veja recomenda, não tem uma seção de resenhas. Ou seja, erradicaram a análise e a opinião das revistas semanais, com algumas honrosas exceções. Carta capital ainda possui uma seção de livros, mas muito pequena. Lembro minha seção na revista Senhor, com cinco páginas semanais, cheio de gente de primeira analisando toda espécie de livro importante e áreas pesadas, como economia, história e sociologia (incluí mais tarde uma estante de literatura). Mas isso foi no século passado! Vivemos uma época em que, apesar da pressão dos leitores por qualidade, o mercado insiste nas bobagens, porque acha que isso sim é que é mercado de livros. Daqui a pouco, quando o marketing não funcionar mais e sobrarem os títulos bobos nas prateleiras, sem vendas, eles vão acordar. Por enquanto, procura-se aplacar essa sede com autorezinhos bimbos do estrangeiro. E não se presta atenção à verdadeira revolução promovida por inúmeras editoras, que estão oferecendo novas traduções de clássicos, relançando papa fina de todos os continentes e apostando em novos autores, dentro e fora do Brasil. É isso que precisa ganhar destaque maior. Bienal é evento cultural e não play-ground da mediocridade. E viva o Ano do Livro!
RESENHAS - Por que serve aos poderosos? Porque leitura boa atrapalha, forma eleitores de qualidade, o que significa tirá-los do poder. Então se encara o livro como mero entretenimento. Não é! Um livro pode mudar sua vida e mudar o mundo. Esse perigo é o que querem evitar. Não significa que um livro não possa ser uma delícia de ler. O bom do livro é quando ele me estoca, me enche de perguntas e dá um banho gratificante de revelações. Para fazer isso na mídia, é preciso trabalhar muito, compor equipes, chamar consultores culturais, mergulhar nos conteúdos. Para substituir esse esforço, destacam-se alguns autores e dê-lhe resenhas em cima deles. Disse para Marcelo Pen e Cassiano Elek Machado, da Folha: parece pauta autista essa obsessão por alguns autores, essa mesmice da abordagem. Pessoas cultas como são, concordaram. A Folha embarca em muita canoa furada, mas pelo menos tem, além da excelente coluna do Cassiano e as belas resenhas do Marcelo (entre outros), o Mais!, que é o melhor caderno cultural do país. Precisamos de mais Mais! Sorte também que o Caderno 2, de O Estado de São Paulo, mantém em alguns dias da semana o esquema clássico de resenhas, voltado para a análise. Isso deve servir de exemplo para outros veículos. Mas o que falta mesmo são mais reportagens culturais focadas no que interessa. Isso deve ser feito na rádio, na televisão e nos cadernos da imprensa. Ou estou muito enganado, ou a Veja não deu uma linha sequer sobre a Bienal do Livro. Espantoso!
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