27 de abril de 2004

O QUE É O RIO GRANDE DO SUL?

Parece ser impossível imaginar o Rio Grande do Sul fora dos lugares comuns. Todos falam a mesma coisa e esquecem o principal. Agora vem o Jabor dizer que no lugar de coqueiros o Rio Grande tem pinheiros, que é uma árvore típica do Paraná. É como eu digo: para quem não é de lá, tudo abaixo do rio Pinheiros é Porto Alegre. Jabor também diz que temos frio e vento e não calor. Não há lugar mais quente do que o Rio Grande do Sul no verão, que além disso possui 700 quilômetros de praia. Então como é que fica?

EUROPINHA - A frescura mais recorrente sobre o estado onde nasci e me criei é que ele é uma espécie de Europa em miniatura. Como ninguém quer ser brasileiro e todos, absolutamente todos, possuem “sangue” de europeus, russos ou sei lá quem mais, tudo o que o Brasil possui teria sido feito por povos fora daqui. Vi recentemente uma propaganda colocando o mérito do desenvolvimento de São Paulo nos italianos. Aliás, em São Paulo sobra italiano. Todos possuem dupla cidadania, ou seja, são italianos de fato. Quem construiu São Paulo foram os brasileiros, e nessa categoria incluem-se os que se acham europeus ou asiáticos. No Rio Grande do Sul a mesma coisa: vasta população negra e mestiça, já tendo inclusive um governador negro (Alceu Collares), aquele é um estado feito pela mão xucra do Brasil. Mão que acolhe os estrangeiros e lhes dá guarida, e que constrói a riqueza do Estado, mas dessa riqueza não compartilha como deveria. Pois o mérito do fazer fica fora da sua alçada. Como só alemães e italianos são operosos (e só eles existem, especialmente nas materinhas da televisão, que só abordam esse aspecto do Rio Grande do Sul, mostrando a minoria loura como se fosse toda a população gaúcha), o que sobra para os brasileiros é a fama de vagabundos, párias, fracassados. O Rio Grande do Sul é composto basicamente de descendentes de indígenas, misturados com negros e brancos. A minoria loura, que tinha suas próprias escolas, num gueto horroso até a segunda guerra mundial, levou um tranco de Getulio Vargas, que acabou com o pangermanismo e as escolas fascistas. Colocou tudo nos devidos eixos, bem brasileiros.

RAÇA - Um dia um padre metido a doutor em genealogia foi visitar Getulio e se oferecer para fazer a árvore genealógica do novo presidente. “Não faça isso”, advertiu Getulio. “No Brasil, toda raiz familiar acaba na senzala ou na aldeia indígena.” E soltou uma gargalhada. O especialista saiu ressabiado. Tinha levado uma lição e não sabemos se entendeu o recado: o de que pertencemos ao que Gilberto Freyre definiu como uma meta-raça. Como o ser humano não é cavalo e não pode portanto ser dividido entre asiáticos, caucasianos e hispânicos; como somos todos seres culturais e não raciais, nossa identidade vem do gesto, do comportamento, da entonação, da formação. Jamais do “sangue”. Sangue-bom é expressão nazista. Outro equivoco é enfocar o gaúcho fantasiado pelos CTGs como se fosse o gaúcho autentico. Nunca se aborda o gaúcho urbano, o da periferia ou o verdadeiro gaúcho rural. Este, gosta de músicas como a guarânia, a música sertaneja, o chamame argentino. Não fica apenas cantando gauchadas. No Fantástico, uma saraivada de asneiras foram veiculadas sobre o que cada estado acha do outro. O gaúcho por exemplo, se acharia “macho”, mas os outros o acham “machista”. E aí aparece um povo-fala de alguém de Porto Alegre dizendo: “É, eles não cuidam das mulheres deles.” Tipo de matéria feita pra reforçar preconceito. Com tanta mulher no Rio Grande do Sul, como pode uma população inteira se achar macho? A parcela homossexual da população no Estado também não pode ser enquadrada nesse tipo de rótulo. Sobra o quê? Os amorosos pais de família, as crianças, os idosos. Todos machos, machistas? Dá para entender o alcance da besteira?

DIVERSIDADE - O Rio Grande do Sul, como o resto do Brasil, não é para amadores, como diria Tom Jobim. A criatura mais internacional e anti-machista que conheci chama-se Caio Fernando Abreu, de Santiago do Boqueirão, cidade situada bem no miolo do Rio Grande. Descendente de mexicanos, italianos, índios e portugueses, jamais me senti outra coisa do que brasileiro. O gauchismo, da maneira como é colocado por essa invenção dos anos 50, os CTGs, é algo discutível. É um movimento folclórico importante, mas não serve para definir todo o ethos do Estado. Mario Quintana se intitulava riograndese, jamais gaúcho. Quem é de lá, tem o direito à diversidade. Que o Brasil saiba disso e o Jabor pense um pouco antes de escrever sobre os gaúchos. Não somos “diferentes” do resto do Brasil: somos exatamente iguais, já que somos brasileiros. Nossa diversidade interna, como em qualquer outro Estado, precisa ser vista e entendida.

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