Nei Duclós
Medo e inevitável
para quem está vivo e passa por radicais transformações do berço ao desfecho.
Mas cara e coragem para enfrentá-lo ou aprender a conviver com ele são opções.
Você põe a máscara para sobreviver, mas isso tem a ver com o mundo de fora.
Dentro a carapuça não cabe, você se vê inteiro, enxergando a morte como uma
longa sucessão de perdas desde cedo. A escritora Aline Bei, que ganhou o Prêmio
São Paulo 2018 como Livro do Ano na categoria estreante, expõe no seu romance O
Peso do Pássaro Morto (Editora Nós, 2017, R$ 36 com a autora, frete incluído)
esse tecido que embrulha a infância numa embalagem pesada do mundo adulto, e a
vida adulta num celofane transparente de sentimentos dolorosos.
A estrutura do livro,
em que cada capítulo corresponde a uma determinada idade (8, 17, 37, 48, 49,
50, 52), com a linguagem apropriada a essa marca do tempo, é um monólogo de
solidão, abandono, desespero em busca do amor, que sempre falta nas relações
familiares e profissionais. Tem tudo para ser um livro pesado, mas é leve pela
maneira encantadora que Aline imprime em cada solução de linguagem, sempre
surpreendente, em que as frases são expostas nas páginas em peças interligadas,
orientando a percepção que fazemos de tão rica narrativa.
Como o livro é mais
inteligente do que a resenha, é preciso não ousar inventar a pólvora e deixar
que flua a contundência estudada da autora, um texto fragmentado e ao mesmo
tempo inteiro, num ambiente quântico em que as realidades convivem aos saltos,
esclarecendo a alma da personagem, dividida entre a frustração profissional, a
memória afetiva, o embate com as rotinas, o recolhimento autoimposto e a crueza
de dizer o que não pode ser silenciado.
Grande livro. Um
assombro de talento e trabalho com a linguagem. Vejam isso: “...uma casa
empilhada no meio de tantas outras naquela rua feia que por várias noites a lua
esquecia de passar.”
A vida não tem cura.
Escrever poderia salvá-la, mas quem evita a carta perdida que some no quintal
abandonado? Aline não nos dá esperança, a não ser na literatura brasileira
contemporânea.
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