7 de agosto de 2017

O CINEMA EM O FILHO DA NOIVA



Nei Duclós

O amor é como assistir Fred Astaire dançando. Parece fácil, diz Ricardo Darin em O Filho da Noiva, de Juan Jose Campanella, de 2002, que, como todos, é um filme sobre cinema. Basta destacar esse detalhe e outros, igualmente importantes, como a visita que Ricardo Darin faz ao set de filmagem onde seu amigo ator Eduardo Blanco interpreta um figurante de uma cena que tem como personagem principal alguém que recita Shakespeare. É uma cena de restaurante e eles estão ao fundo, fazendo número, fingindo que conversam, mas acabam conversando de fato. Blanco aproveita para confessar que está apaixonado pela namorada do amigo, o que provoca uma pantomima hilária da briga entre os dois no fundo da cena e que vira a representação de um tango.

Para preparar uma das tiradas mais engraçadas e encantadoras do filme, há primeiro um longo monólogo do velho noivo, interpretado por Héctor Alteno, sobre a sua amada, interpretada pela magnífica Normal Aleandro. No final do filme, ele sugere o nome do novo restaurante como a homenagem à mulher da sua vida, a que o ensinou a ser homem. Claro que todos esperam que seja sua esposa e noiva, que sofre de Alzheimer e esta finalmente casando no religioso, uma concessão do noivoo ateu ao desejo oculto da mulher. O casamento é apenas uma cerimônia falsa, com um padre falso, já que a Igreja não deu licença porque a noiva não tinha mais discernimento. Mas o velho escancara a boca e confessa quem é a grande musa da sua vida: Lollobrigida! Hilário. O cinema sempre como referência.

Sou ator, não vîste algum filme meu? diz o amigo. Não vejo filmes argentinos, diz Darin. Eu também não, replica o amigo e ambos caem na gargalhada. E ainda há o enigma Dick Watson, que o filme não diz quem é. Nos créditos, fica-se sabendo que se trata de um personagem de filme pornô. Você não é tão bonito quanto Dick Watson, diz a namorada de Darin, interpretada por Natalia Verbeke.

O Filho da Noiva foi indicado ao Oscar na categoria de filme estrangeiro, mas Campanella, autor de grandes obras, só ganhou o prêmio mais tarde com o excelente O Segredo dos Teus Olhos. Ao contrário dos debochados personagens do filme, nós vemos filmes argentinos. E, como o resto do mundo, aplaudimos.



Faltou lembrar a declaração de amor de Darin a Natalia, que é feita pelo videofone da portaria do edifício onde ela mora. É uma cena de cinema dentro do filme. Ele fica falando como precisa dela e quer problemas com ela e acha que a moça não escutou nada. Mas vemos então na telinha do videofone o abraço e o beijo que ela dá no cara. O clímax da relação embutida em imagens que não pertencem à "realidade" da narrativa normal da obra, é antes um trecho de cinema dentro da história filmada. Campanella sabe das coisas.

 


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