25 de novembro de 2016

RUY CASTRO: O SAMBA VIROU CANÇÃO



Nei Duclós

Samba canção não é bolero, é samba, e dominou o cenário musical brasileiro dos anos 40 aos 60, pelo talento de compositores, poetas e intérpretes inumeráveis, que fazem a riqueza do novo livro de Ruy Castro, A Noite do meu bem – A História e as histórias do samba canção.  Mural de biografias ciosamente prospectadas, o livro tem uma revelação importante a, pelo menos, cada duas páginas. Para quem, como eu, foi criado ouvindo samba canção por meio do rádio, os bailes, os saraus, as serenatas e os LPs, é impressionante a quantidade de informações desconhecidas ou pouco conhecidas que pontuam a trajetória desse gênero musical.

Resposta ao fechamento dos cassinos, as boates levaram para um público seleto e em ambientes minúsculos a música inesquecível, em que os intérpretes e compositores estavam reunidos em torno de uma ideia: o de atingir o coração por meio do ouvido, como diz o autor no epílogo. Uma ideia que se espalhou generosamente pelas rádios e a indústria fonográfica para toda a população.

Além do tema, o que me interessa em Ruy Castro é sua técnica de texto. Exemplar de uma geração formada nas redações , Ruy usa e reelabora os principais vetores que confluíram na profissão jornalística, em favor da sua literatura não ficcional. Em primeiro lugar ele é um rigoroso editor de texto, um redator de primeira linha e sabe contar uma história a partir das linguagens que abordaram os eventos da época. É como faz o historiador talentoso que traz no ventre de suas frases a fonte de que se serviu, para manter o sabor do que conta e ficar o mais perto possível da origem.

Há neste seu livro o clima de coluna social de Jacinto de Thormes e Ibrahim Sued na descrição das noitadas nas boates, há o crivo de Nelson Rodrigues de A Vida como ela é na radicalidade do drama pessoal das pessoas envolvidas e há a narrativa das grandes reportagens das revistas da época, que líamos siderados e banharam de luz os jovens talentosos da geração emergente, como Ruy, depois veterano de veículos importantes do jornalismo. Intermediando tudo, há principalmente o humor elaborado em redações de primeiro time,quando circularam as melhores piadas sobre os acontecimentos, contadas por mestres do ofício nos momentos em que levantavam os olhos de suas Remingtons e Olivettis.

Trata-se de uma antologia com mais de 400 páginas, que se lê com prazer. Perdoamos até seus excessos, que não poderiam faltar. A começar pelo papel sórdido que ele reserva ao principal estadista desta época de ouro, o presidente Getulio Vargas e a seu sucessor, João Goulart, presidente deposto por um golpe de estado em 1964. Tratados sem consideração, com graves falhas culturais e a reboque de grandes falcatruas, os líderes trabalhistas desempenham uma função medíocre no belo livro de Ruy. Que só por coincidência é mineiro e trata a pão de ló Juscelino Kubistcheck, que se apropriou e esbagaçou o acervo da era Vargas e apoiou 1964, sendo depois  defenestrado pela ditadura. Estava de olho na eleição presidencial direta de 1965, aquela que não houve. Mas JK falava francês e ficava bem numa roupa de gala.

Ruy não vê a origem do clima inesquecível da época nas políticas públicas varguistas de educação (onde a escola pública era modelo) cultura (a rádio Nacional, do governo, contratava os melhores talentos), economia (a consolidação das leis do trabalho, que distribuiu renda e contribuiu para a paz social, além do estímulo à produção e aos investimentos). Mas como falei, isso pode ser perdoado, já que seu trabalho de resgate histórico é enorme, importante e estimulante.

Ruy agradeceu minha contribuição ao livro, pois fiz um texto sobre Luiz Antonio, autor de grandes sambas, e repassei para ele o email da filha do compositor. O resultado são três páginas de ouro sobre o grande autor de Lata D´Água, Menina Moça, Mulher de 30, Poema do Adeus, entre outras maravilhas.  Na dedicatória que solicitei a ele no Flic, evento literário catarinense em que lancei a segunda edição do meu livro de estreia Outubro, ele me chama de seu personagem. Não poderia haver elogio maior.


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