Nei Duclós
Samba canção
não é bolero, é samba, e dominou o cenário musical brasileiro dos anos 40 aos
60, pelo talento de compositores, poetas e intérpretes inumeráveis, que fazem a
riqueza do novo livro de Ruy Castro, A Noite do meu bem – A História e as
histórias do samba canção. Mural de biografias
ciosamente prospectadas, o livro tem uma revelação importante a, pelo menos, cada
duas páginas. Para quem, como eu, foi criado ouvindo samba canção por meio do
rádio, os bailes, os saraus, as serenatas e os LPs, é impressionante a
quantidade de informações desconhecidas ou pouco conhecidas que pontuam a
trajetória desse gênero musical.
Resposta ao
fechamento dos cassinos, as boates levaram para um público seleto e em
ambientes minúsculos a música inesquecível, em que os intérpretes e compositores
estavam reunidos em torno de uma ideia: o de atingir o coração por meio do
ouvido, como diz o autor no epílogo. Uma ideia que se espalhou generosamente
pelas rádios e a indústria fonográfica para toda a população.
Além do
tema, o que me interessa em Ruy Castro é sua técnica de texto. Exemplar de uma
geração formada nas redações , Ruy usa e reelabora os principais vetores que
confluíram na profissão jornalística, em favor da sua literatura não ficcional.
Em primeiro lugar ele é um rigoroso editor de texto, um redator de primeira linha
e sabe contar uma história a partir das linguagens que abordaram os eventos da
época. É como faz o historiador talentoso que traz no ventre de suas frases a
fonte de que se serviu, para manter o sabor do que conta e ficar o mais perto
possível da origem.
Há neste seu
livro o clima de coluna social de Jacinto de Thormes e Ibrahim Sued na
descrição das noitadas nas boates, há o crivo de Nelson Rodrigues de A Vida como
ela é na radicalidade do drama pessoal das pessoas envolvidas e há a narrativa
das grandes reportagens das revistas da época, que líamos siderados e banharam
de luz os jovens talentosos da geração emergente, como Ruy, depois veterano de
veículos importantes do jornalismo. Intermediando tudo, há principalmente o
humor elaborado em redações de primeiro time,quando circularam as melhores
piadas sobre os acontecimentos, contadas por mestres do ofício nos momentos em
que levantavam os olhos de suas Remingtons e Olivettis.
Trata-se de
uma antologia com mais de 400 páginas, que se lê com prazer. Perdoamos até seus
excessos, que não poderiam faltar. A começar pelo papel sórdido que ele reserva
ao principal estadista desta época de ouro, o presidente Getulio Vargas e a seu
sucessor, João Goulart, presidente deposto por um golpe de estado em 1964.
Tratados sem consideração, com graves falhas culturais e a reboque de grandes
falcatruas, os líderes trabalhistas desempenham uma função medíocre no belo
livro de Ruy. Que só por coincidência é mineiro e trata a pão de ló Juscelino
Kubistcheck, que se apropriou e esbagaçou o acervo da era Vargas e apoiou 1964,
sendo depois defenestrado pela ditadura.
Estava de olho na eleição presidencial direta de 1965, aquela que não houve.
Mas JK falava francês e ficava bem numa roupa de gala.
Ruy não vê a
origem do clima inesquecível da época nas políticas públicas varguistas de
educação (onde a escola pública era modelo) cultura (a rádio Nacional, do
governo, contratava os melhores talentos), economia (a consolidação das leis do
trabalho, que distribuiu renda e contribuiu para a paz social, além do estímulo
à produção e aos investimentos). Mas como falei, isso pode ser perdoado, já que
seu trabalho de resgate histórico é enorme, importante e estimulante.
Ruy
agradeceu minha contribuição ao livro, pois fiz um texto sobre Luiz Antonio,
autor de grandes sambas, e repassei para ele o email da filha do compositor. O
resultado são três páginas de ouro sobre o grande autor de Lata D´Água, Menina
Moça, Mulher de 30, Poema do Adeus, entre outras maravilhas. Na dedicatória que solicitei a ele no Flic,
evento literário catarinense em que lancei a segunda edição do meu livro de
estreia Outubro, ele me chama de seu personagem. Não poderia haver elogio
maior.
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