Nei Duclós
Agora que nos dissemos tudo, protegidos pela parede luminosa
de vidro, podemos nos encontrar ao vivo para ficarmos mudos.
Revelaremos então os gestos escondidos, os rostos que
escaparam dos flagrantes, os silêncios da memória, os suados apertos de mão em
breves despedidas, e os reencontros, onde faremos o relatório por meio de enigmas
registrados em guardanapos de bar acumulados em bolsos e depositados nos pisos dos hotéis do subúrbio.
Não iremos nos reconhecer, como sempre. Nossa identidade
comum está perdida. Jamais alcançaremos o que ficou além da conta, à margem das
faturas, nas ruínas. Faremos ponto final nesta sintonia, com a esperança de que
um dia ela floresça em algo maior, um voo sugerido, uma fuga.
Reencontraremos a realidade, perfil de um universo ainda em
formação, como se o big bang ainda não tivesse explodido. Somos o limbo de um
futuro, quando enfim nos tocaremos de verdade, na funda superfície da vida que
teimamos em adiar, mas que no fim vinga.
RETORNO - Imagem desta edição: obra de Edward Hopper.