7 de agosto de 2013

INTERNET NÃO MATA JORNAIS



Nei Duclós

Os jornais estão falindo porque a receita que aplicam e o rumo que tomaram afugentaram os leitores e desmoralizaram essa mídia. Há um sacudir coletivo de cabeças afirmativas tipo “eu não disse?” agora que a Amazon, a grande loja virtual, comprou o Washington Post, modelo de jornal importante aparentemente bem sucedido. É um caminho sem volta, dizem. Sim, mas nada tem a ver com a internet. A obviedade é falsa. Não serve como parâmetro. O Post implodiu por não ter conseguido equilibrar receita e despesa e foi presa da gigante do comércio eletrônico. Não significa que todos os jornais devam entregar-se a um destino de falências em função da multiplicidade de ofertas digitais.

O primeiro grande erro dos jornais é tratar suas hard news como lixo, ou seja, textos sem qualidade, feitos em cima do joelho, e repetitivos. Ou você coloca trabalho e talento nas hard news (e isso significa mídia digital, já que a impressa deve se dedicar a algo com mais fôlego), ou fica querendo dar furo numa época em que o furo perdeu o sentido. Dar alguns segundos antes é uma vantagem? Nenhuma. O importante é não publicar texto ruim, errado,  notícia ultrapassada e mal escrita, ou que pretenda enganar o leitor com falsos apelos.  “Chico Buarque é um homem fêmea, diz Marilia Gabriela” é o tipo de manchete apelativa e inútil. É o que há nos jornais que estão indo à falência porque reduziram suas equipes de bons jornalistas e entregam o serviço para multidões de analfabetos. E terceirizam a gestão para contumazes enterradores de jornais, que aplicam sempre a mesma receita e depois migram, com os bolsos cheios de dinheiro, para matar outros veículos. Os motivos desse suicídio são misteriosos.

Ancorar-se em falsas mídias, como no Estadão a revista Piauí, ou transformar cadernos culturais em suplementos de entretenimento, como na Folha a morte do Mais e emergência da Ilustríssima,  é outro erro grave que ajuda a matar os jornais. Leitor quer ler, não ficar admirando uma vitrine de abobrinhas. A febre dos serviços, que matou a reportagem a partir dos anos 80, não faz mais sentido.O que você quer saber está na internet, cada espetáculo ou atração tem seu site, para que ficar repetindo informações inúteis? Um jornal cuida da informação, mas qual? Como não tem cacife para superar o que a multiplicidade das mídias já cobre, deixa de lado o que é mais importante: as pautas que convivem com seus leitores e ficam sempre ocultas.

Não se trata apenas de focar o que existe de local, mas de revelar o que parece ser algo sem importância. Também, nesse caso, não se trata de se dedicar a firulas e coisinhas datadas e coadjuvantes, mas fazer com que a abordagem do talento em assuntos considerados banais transcendam a percepção comum e coloquem na roda algo maior e mais contundente. Não se trata de fazer materinha humana, mas exigir do texto, da notícia, algo mais forte do que a simples descrição. É preciso ousar. Repetir assuntos batidos, enfocar sempre os mesmos temas todos os anos nas pautas-calendários e deixar de lado o que realmente interessa – a vida do leitor – é erro grave. Você abre ou clica num jornal e vê montanhas de caracteres falando sempre do sertanejo, da Ivete Sangalo, da Bolsa de Valores, da Venezuela, dos americanos etc. Ou de beldades, ou de catchorrinhos.

Deixou-se de lado a reportagem para se repetir exaustivamente os Boletins de Ocorrência das delegacias. E pior, com a linguagem desses BOs. O jargão jornalístico hoje é o do escrivão de plantão, como viatura ou colisão. Em cada frase, a reportagem não assume nenhuma informação, sempre atribui a fontes oficiais. É sempre “segundo” o secretário, “conforme” governador ou a polícia etc. Conseguir a informação e ser o narrador protagonista da matéria, como acontecia sempre no jornalismo, ficou para trás. Depois dizem que a culpa é das redes sociais. Quem posta nas redes sociais não dedica oito horas por dia para fazer jornalismo. Essa tarefa não foi terceirizada ainda, na prática. Há abusos, como “envie seu vídeo para nossa redação”, ou “agora vai falar o amigo internauta”. Mas são abusos.

A culpa é da má fé, da covardia e da preguiça. Hoje se mata mais jornalistas do que antigamente. Se cala mais jornalistas por meios variados enquanto se faz propaganda política do fim da censura, que está a pleno e vigora como nunca. Principalmente por meio da omissão. O Fórum São Paulo, por exemplo, que define a pauta política da esquerda do continente sul americano, não foi reportada direito pela grande imprensa. Podemos imaginar quantos assuntos ficam de lado, confinados em blogs aguerridos e alternativos, sem que venham à tona para o grande publico.

Na área cultural é um espanto. Oficialmente vivemos a tendência de transformar a cultura brasileira num rodapé bagacera, como se fôssemos todos indigentes mentais. Foi-se o tempo em que s ensinava música na escola e o maestro Villa Lobos liderava o canto orfeônico para as crianças do Brasil. O que temos é o  baticum, o hip hop e a literatura de falsa transgressão, o teatrinho de bonecos globais, o cinema de maganos do dinheiro público. Não há perigo de melhorar. Os jornais passam ao largo desse debate e embarcam na mesmice celebrante das porcarias expostas.

A lista é grande e podemos encerrar por aqui para não aborrecer o leitor. Senão ele não chega ao fim deste artigo.

RETORNO -  Imagem desta edição (CNN): Jeff Bezos, da Amazon.