1 de março de 2013

SUSTENTO



Nei Duclós

Se eu estiver mudo é porque todo meu corpo te escuta

O amor é nosso único sustento. Comemos o pão que o sonho amassou e o coração fermenta.

Nada tens a perder, a não ser esse pano que puseste por descuido.

Não podes pegar de volta, já fizeste a oferta. Tua flor íntima se aprofundou no meu mar.

Na sala sem iluminação, império do gasto neon, teus olhos eram duas fagulhas da caldeira que empurrava o trem da paixão para o túnel.

Eras tu, submersa, sereia em meu socorro. Cansaste do canto e do naufrágio e vieste soprar as velas desta calmaria.

Depois que você chegou, todas as vestes do dia se recolheram. Ficou sozinha no palco que me ilumina.

Na sala sem iluminação, império do gasto neon, teus olhos eram duas fagulhas da caldeira que empurrava o trem da paixão para o túnel.

O tempo em que vivemos é como um clube noturno. Dançamos juntos e depois vamos nos retirando para o fundo de algum abismo.

Não durma tanto. Terás tempo, quando chegar a eternidade.

Vou te tirar do circuito. Te levar para um tempo que não tenha ruinas.

Corra que a noite já vem. Teu lado oculto ganhará brilho logo que eu inaugure um verso com minha roupa escura.

Preferes a mim, que duro além do agarro. Que trago estrelas em vez de acender um cigarro.

Levaste o verso para um canto. Lá fizeste um pedido. Ele atendeu, o tratante.

Solidão não por falta de afeto. Mas porque só tu valia cruzar o deserto.

Cruzei a espada na maçã madura. Era feita de ar, mas caiu inteira.

Quando cheguei, nada tinha no alforge. Mas viste na minha miséria as mil e uma noites.

Tenho o que você precisa: uma palavra de amor e a minha vida.

Saudade do momento em que não nos contivemos? Quando verteu a felicidade? Continuamos afiados, basta dizer que não suportas ficar longe demais do que te encanta.

Não use a ressaca para esquecer o que me disse. Arroste. Está dito.

Teus ombros não suportam o mundo, insuportável.

Lua cheia é moeda corrente, depositada no horizonte. Único tesouro no céu sem nuvens.

Quando te vi, o poema saltou de improviso. Tinha enlouquecido.

Durma abraçada ao verso que te dedico. Sou eu que respiro quando te falta ar.

Amanheces de luz, perfeição absoluta. Cubra-me do amor que fantasio.

Na noite alta, ouço teu beijo no meu verso.


RETORNO – Imagem desta edição: Barbara Stanwick, por George Hurrell.