31 de maio de 2010

RONDA


Nei Duclós.

Sei que perdi o sol
mas não me importo
ele passou por um navio
que não abordo

Pirata de um sonho maior
perdi a conta
dos dias que gastei
te procurando

Onde está o mar?
Olhando o norte
Sei que navegarei
com velha âncora

Convoque a banda
Tenha na mão o som
de uma esperança.

RETORNO - Imagem desta edição: A Insustentável Leveza do Saber, obra de Ricky Bols.

30 de maio de 2010

O LADRÃO DO TEMPO



Nei Duclós


Alguém está roubando o tempo, e não é Deus.
Seja quem for, tem poder.
Mas não se entrega porque usa de todos os ardis.
Não rouba, por exemplo, horas inteiras,
nem pacotes de minutos redondos.

Descobri sua manha usando minha caçapa de pegar neutrinos,
o metrô. Desci as escadas às 10 e 14 e quando cheguei
no último degrau, eram 10 e 17. Não se leva três minutos
para chegar até a plataforma, mas um minuto no máximo.

O roubo portanto é sutil, para ninguém dar falta.
Parece até um benefício: você se livra de lembrar
que às 10 e 15 precisava tomar seu remédio
ou dá graças a Deus que faltam agora apenas
três minutos para as 10 e 20, quando faltavam seis.

Descobri também que o roubo é diário, sistemático
e deve existir em reserva uma eternidade de tempo
surrupiada. Nem sabemos, talvez, que ainda estamos
no século 20 e que o ladrão foi colocando
na algibeira incontáveis minutos
enquanto nos apressávamos em sair da ditadura,
da recessão, do sufoco, da juventude.

Agora me dou conta: os pais morreram depressa demais
e ganhei um corpo desconhecido em poucos dias,
como um susto na balança. Foi ele, que aos poucos
levou o tempo que eu deveria gastar
para ir me acostumando
à falta de eternidade da minha vida.

Não há remédio para isso, pois nada fizemos
quando havia tempo. Fomos ficando cada vez mais
passivos em relação aos milhões de segundos
escoados pelo ralo e agora o ladrão
está bem estabelecido, derrubando a lógica
de todos os ponteiros e números digitais,
ludibriando os relógios eletrônicos,
convencendo as autoridades mundiais
de que estamos no tempo certo,
como se uma irresistível imbecilidade
tivesse tomado conta de todos.

Para quem tem dinheiro – e não é o meu caso –
o roubo do tempo faz parte de suas rotinas,
já que roubam tudo, de merenda escolar a fósseis.
Mas para quem está sendo acionado para pagar imposto,
a defasagem dos quartos de hora acumulados
em montanhas de arquivos mortos serve apenas
para aumentar os juros.

Alguém está roubando o tempo e deve ser o governo.


RETORNO - Imagem desta edição: Metrô SP. Tirei daqui.

VALSA


Nei Duclós

Nenhum ruído denuncia o próximo arco-íris
que você constrói como catedral de cartas

Ainda não surgiu o sol com sua carga
para indispor teu rosto com o espelho

Limpas o pó da arma exposta em peças
arsenal de uma guerra ainda em curso

Alguém bate na janela. É a loucura
Vampira de sonho, sopra uma valsa

Você nem levantou e já está alto
o som imaginário de uma aldrava

Um soneto te espia. Desça da cama.
Venha ver a manhã tossindo a alma


RETORNO - Imagem desta edição: Art Nouveau, de Ricky Bols.

27 de maio de 2010

SELVAGEM


Nei Duclós

Fui Rocinante, pedra e caminho
Depois Quixote contra moinho
Hoje governo ilha e Cervantes

Herdei o elmo, herdei o estribo
Herdei os livros fora da estante
Tinta em papéis sujos de trigo

No escudo, gamela de cobre
Vejo a aventura fora de linha
Do sonho migrei para o aviso

Fui escudeiro de antigo nobre
Palavras jogadas no alforge
Memórias de vencida lógica

Visito a sala onde a loucura
Era o espelho do amor perdido
Fantasmas em eterna fuga

No meu lombo louca linhagem
Bronze feito de pergaminho
Esguia fronte, triste figura

Fui viajante, virei raízes
Voltei ao cardo e ao espinho
Provei da selvagem literatura

25 de maio de 2010

BOAS MANEIRAS NO TWITTER


Nei Duclós

Como ainda existe liberdade no Twitter, tremo só de ouvir falar em manual de redação para o que chamam de “microblog”. Por conter frases de 140 toques não quer dizer que os bilhões de frases do Twitter pertençam a algo micro. Você pode escrever o quanto quiser. Também implico com a expressão “redes sociais”. Lembra sociedade, palavra que serve para tudo que é sacanagem política (“consultar a sociedade”, por exemplo, mentira recorrente que esconde o voluntarismo dos poderes, que fazem o que bem entendem , consultando ou não a população).

Para mim, o Twitter é uma inovação que merece um pouco mais de profundidade na abordagem conceitual. É muito cedo para avaliar ou dizer o que é. Gosto de me referir a ele como um conjunto poderoso de recursos de comunicação, um salto quântico na militância cultural e política. Trata-se de uma tribuna livre para expor o que estava guardado a sete chaves.

Claro que existe grande ansiedade para colocar tudo numa gaveta, pois assim poderão ser formatadas palestras, cursos etc. Isso significa dinheiro grosso que vem por aí. Prefiro exercer a livre expressão de um espírito livre, sem nenhum vínculo com o professorado, o doutorado, o mestrado ou o marketing. Vi pessoalmente, em 1990, uma professora doutora matar um projeto sobre internet no ovo, frustrando a aluna que propunha o trabalho. Misteriosamente, todo o material sumiu e reapareceu mais tarde nas pontificações de novos “entendidos”. É assim que eles fazem

A seguir, minha contribuição para a boa convivência no Twitter, antes que algum aventureiro resolva dizer coisas. São insights a partir da minha experiência. São linhas ideais de conduta, para evitar conflitos inúteis e manter a boa vizinhança entre seguidos e seguidores. Está tudo no @neiduclos



Se você segue primeiro, você não é o anfitrião. Então, evite dar boas vindas para quem apenas retribuiu
.
O #FF é uma gentileza semanal, uma retribuição à leitura e atenção de alguns seguidores. E uma indicação valiosa

Todos tem algo a dizer e com seu jeito próprio. É só achar a embocadura certa. De micro este Twitter não tem nada.Cabe tudo

Não selecione followers pelo perfil ideológico ou o lado da militância.Fale para todos e ouça quem tem o que dizer

Não siga alguém só para a pessoa também o seguir. Nem dê unfollow em quem se recusa a retribuir

Evite repetir tuits, só em casos excepcionais. O que vai para o ar, fica, não precisa ser reiterado

Agradeça RTs e mentions uma vez por dia

Interaja sem ocupar espaço excessivo com alôs e adeuses nem se confine demais a um só interlocutor. Aqui não é msn

Responda à altura, mas se retire quando houver baixaria. Diversifique suas ações entre humor, news, RTs, insights etc.

Se você ficar muito irritado com determinada mensagem, comente sem direcionar a réplica ou envie uma DM

Nos RTs, cuide para preservar e destacar quem está na origem da mensagem, para que o crédito não seja engolido

Ou nós, tuiteiros militantes, descobrimos a melhor maneira de convivência aqui, ou surgirão os pontificadores paraquedistas impondo regras

RETORNO - Imagem desta edição: Moon over Amsterdam, foto de Daniel Duclós.


BATE O BUMBO: TEATRO PARA TODOS

"A 2ª edição da Festa do Teatro 2010, que começa nessa semana, quer viabilizar o acesso democrático ao teatro. O evento distribui gratuitamente 40 mil ingresssos, de 183 peças, por toda cidade de São Paulo. Essa mobilização pretende formar novas platéias, mostrar a vocação cultural da cidade de São Paulo e evidenciar a enorme diversidade de produções teatrais. A Festa do Teatro durará 11 dias, desde o começo da distribuição dos ingressos, em 27 de Maio, até o último dia de peças, dia 06 de Junho."

Informações. No Twitter. No Orkut
Renato Pedreira/ Festa do Teatro | Comunicação Dirigida:Tel 11 3881-1710

GÍRIAS


Nei Duclós (*)

Expressões populares que fizeram grande sucesso e agora estão em desuso parecem aquelas peças de coleção que guardamos para mostrar às visitas. É fogo na roupa, se dizia quando o assunto era quente. Na tampa da chocolateira sugeria precisão, era algo como ali na batata. O bicho não deu foi mais pontual, em função de uma chanchada que popularizou o jargão e que vinha precedido pela isca: você sabe da última? O esperado não tinha acontecido, a sorte ficou em compasso de espera. Era esse, acho, o significado.

Como se costuma fazer confusão sobre as décadas passadas, é bom lembrar que na modernidade dos 1950 já haviam enterrado coisas como macacos me mordam ou homessa, mais afeitas a gerações do início do século. Recém americanizados, tínhamos predileção por palavras como big, que não demonstrava apenas o tamanho de alguém ou alguma coisa, mas seu potencial cool, seu carisma e sedução. Fulana é big: além de muito bonita, era gentil e inteligente. Mas tudo isso sumiu com o tempo.

Assim mesmo, noto ressurreições. A meninada gosta de tiradas e palavras obsoletas ditas em tom de novidade. Isso renova a esperança de revisitarmos os clássicos da linguagem. Muitas vezes uma palavra vira de uso corrente e perde seu impacto pornográfico. Como ainda mantém o aspecto bruto da origem, costuma evoluir, como é o caso de caracas, que veio do velho caramba e passou por uma fase mais explícita e que não é usada em ambiente conservador. O é fogo mudou para uma palavra que lembra o patuá de alcova, mas de tanto ser invocada acaba na boca até de quem tem aversão às gírias perversas.

Gosto de lembrar esse assunto porque aos poucos o internetês está tomando conta de todos os espaços. As pessoas postam textos longos em vez de “perpetrar cartapácios” - não é mais sonoro, mais com jeito de tico-tico no fubá? A nacionalidade, em ano de Copa, pode voltar a ser mal vista pelo excesso de exposição. Mas será sempre nossa aliada, nós, que viemos de longe a carregar o tempo como um cão na coleira.

As palavras são carruagens a trafegar pela vida cheia de perigos. Quando a adversidade assoma, podemos até gritar em português hispânico: Aqui del Rei! Não em defesa da tradição, mas do nosso direito de morar na língua que ajudamos a formar.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: cartaz do filme de 1958 de J.B. Tanko.

24 de maio de 2010

SÓ O QUE IMPORTA É A LINGUAGEM


Nei Duclós

Vivemos na Era do Conteúdo, também chamada de Era do Conhecimento, ou seja, com o foco errado. Essa abordagem joga no lixo um século de estudos sobre a linguagem. A coisa em si, para usar uma expressão popular emprestada da filosofia, não é o chamado conteúdo, o tema, a informação contida por trás do biombo das palavras. Mas sim a própria linguagem. A palavra, o frame, a imagem, o objeto é o que se trata. Não adianta, portanto, você transbordar de afeto, amor pelo próximo se usar a muleta “um beijo no coração”.

A frase diz tudo sobre você. Sua formação é tosca, sua percepção limitada, seu conhecimento espiritual é zero. Por mais que os italianos precisem ser celebrados e considerados, você põe tudo a perder se usar o jargão “um bom italiano”, pois o excesso de uso e a limitação do insight colocam dúvidas sobre o significado de “bom” nesse caso. Assim como um “bom” vinho. Por mais que admiremos vinhos e italianos, a linguagem usada joga fora toda essa consideração.

Nos comentários sobre filmes e livros, é comum, nas conversas informais, se enredar exatamente na linguagem. A pessoa ficou arrebatada pelo que leu ou viu, mas acaba caindo no jargão “fora de série”, ou no “gostei muito” ou ainda, querendo parecer técnica, comenta a-fo-to-gra-fia. É complicado migrar a linguagem do cinema ou da literatura para a do comentário, resenha, ensaio. Um livro precisa ser visto pelo que é: palavras num ambiente impresso ou eletrônico. E um filme também: imagens, sons e palavras. Nada fora disso. Não existe conteúdo, mensagem. Existe linguagem. Nela está o truque, o segredo.

Um blockbuster que queira incensar o papel da CIA usa todos os artifícios para dizer como os espiões americanos cuidam da paz e da democracia no resto do mundo e para isso tocam fogo logo no puteiro. Se você enxergar o conteúdo, a mensagem, verá que os caras são éticos, corajosos, comedores de tailandesas etc. Mas se prestar atenção na linguagem, decifrará todo o código de sacanagens embutido na obra. Então os poderes tentam desviar o foco da linguagem para o conteúdo, onde eles dominam.

Note que não existe nada mais ético, perfeito, moderado, civilizado e coisinha fofa do papai do que o poder. Veja como se vestem, seus gestos, a maneira como falam. Eles procuram projetar nesse conjunto de sinais tudo o que pregam. Mas se você usar o mesmo recurso, olhar para a linguagem usada, verá como são falsos, cretinos, criminosos, perigosos, anti-humanos. Ninguém engana o olho clínico treinado para enxergar o conjunto enigmático de linguagens cifradas ocultas sob um palimpsesto de luxo. Coloque contra luz e perto do fogo o objeto de estudo, como no conto célebre de Edgar Allan Poe. Ali está o que é realmente dito, e não o texto aparente, o “conteúdo”, o “conhecimento”.

Isso tudo gera uma enorme solidão. Você tenta desviar o foco para o que interessa, a linguagem, e as pessoas insistem em querer debater conteúdo. "Mas o que você tem contra os italianos ou os vinhos?" perguntou alguém no Twitter, cheio de zes e ts no nome. Nada. Minha abordagem é a linguagem, o uso do jargão bom, e não o “sangue”. Por mim, gosto de tudo da Itália, dos pintores clássicos aos grandes cineastas. E venho de uma família Molinari, portanto...Mas não me convidem para conhecer um bom italiano e tomar um bom vinho. Vou chiar.

Por um tempo o foco estava certo, nos áureos anos de “o meio é a mensagem”, de Marshall McLuhan, que vinha na esteira de grandes estudiosos, de Saussurre a Lévi-Strauss. Mas aí o excesso dessa abordagem acabou cansando. Triunfou a soberba, a pose. Isso também foi usado politicamente, pois enquanto todos ficavam prestando atenção nos signos, o pau corria solto e de maneira explícita nas ruas. A desmoralização do excesso acabou desaguando no estágio em que nos encontramos, o do beijo no coração e da celebração da Pax Americana no resto do mundo.

Então, não tem saída? Tem. É preciso produzir pensamento de combate, pontual, para usar no front. Desmascarar os produtos da indústria do espetáculo, gerar auto-consciência, saber do que se trata. Nem precisa erudição ou capital simbólico. Basta saber que existe esse segredo e ficar mais focado no que realmente interessa. Só o que importa é a linguagem. Nela reside todo o potencial de mudança necessária. Se pudermos agir para transformar a linguagem (e não falo em vanguardismos) teremos uma chance. Nada mais atual e necessário, quando estamos em plena campanha política.

Ou você acha que candidato é o quê, senão apenas linguagem?

RETORNO - Imagem desta edição: Bailarina, de Ricky Bols. "Leia" a imagem e me diga o que vê nela. Está aqui porque gosto do trabalho do Ricky, grande artista, quase oculto, como tudo o que é bom no Brasil. Contrate Ricky Bols para o seu projeto. O cara é fera.

ÚLTIMO DESEJO


Nei Duclós

O poema como última trincheira
como um aceno de luz, uma bandeira
quebrada aos pés

O poema no último
momento
antes da gravata e o juramento

O poema no último trem
na plataforma escura
(dentro, teu coração
pede alguma coisa
e tens apenas um papel dobrado
e uma caneta)

O poema um dia antes
do teu desmaiar
entre a tormenta

Sentado, escreves,
teu último desejo
enquanto o coração é jogado
fora da janela
como um copo de plástico

RETORNO - 1. Poema do livro No Mar, Veemos. 2. Imagem desta edição: tirei daqui.

23 de maio de 2010

CAIXA CORAL


Nei Duclós

Adiei o mundo que no escuro
preparava o bote – coral na caixa
preta do destino

Sem descobrir
o código – cobertor de ruído
sobre o túnel –
acordei diante do trem
em direção ao corpo
preso na ferrugem

Nenhum desvio
salvou-me do som
despedaçado do violino
Adeus dos outros,
feito pão mofado
na mesa posta de um cortiço

Acolheu-me a musa
no lado oposto à vida
com o olhar mortiço
para quem ficou encarando
a minha sorte

Ela escolhe e fisga o coração
de quem não morre
Para o resto – o inconformismo
em mar de inveja repulsivo –
ela tem o olhar que petrifica

Fósseis na mira da Medusa
fogem do Tempo, rosto final
do Medo, que assoma
como surda carruagem

Enquanto somem, a seiva
interminável cobre o sonho
que guardei no bolso
Carne oferecida à eternidade

RETORNO - Imagem desta edição: obra de Ricky Bols.

21 de maio de 2010

SOBRE SOBERANIA


Nei Duclós

Não existe nada mais típico da Inglaterra do que a rainha. Elizabeth descende da casa alemã de Saxe-Coburgo-Gota. Isso não a torna alemã. Ela não exige que a chamem de freulein nem canta Deutschland Uber Alles. Ao contrário, ela fala cuspindo em sotaque nasal inglês e desafia a moda com os horrores do seu guarda-roupa porque não está nem aí, é a Rainha da Inglaterra! Seu filho, o príncipe Charles, não é visto comendo salsichão e chucrutz ou tomando chope em Hamburgo. Ao contrário, ele capricha no sotaque londrino e usa saiote escocês

Não existe nada mais misturado do que a raça alemã, cruza de raças não arianas, segundo o testemunho insuspeito de Frederich Nietzsche. Isso quer dizer que não existe pureza de raça mesmo que irmão case com irmã e todos se pareçam com o mesmo cabelo amarelo e o olho azul, num parentesco eugênico que acaba em atrofia. Se uma família alemã veio morar no Brasil há 200 anos e seus descendentes de muitas gerações aqui vivam, isso não significa que sejam alemães. São brasileiros. Alguns até exibem o nariz achatado dos botocudos. Duvido que sintam saudades de Berlim, lugar onde jamais viveram.

Não existe nada mais indígena do que a canoa usada pelos pescadores da ilha de Santa Catarina. Muito antes dos açorianos chegarem aqui os índios pescavam tainha de forma artesanal e ensinaram tudo aos Colonizadores. Portanto, não acreditem que tudo é açoriano. Só porque algumas ilhas do arquipélago dos Açores são habitadas por pessoas de cabelo ruivo ou loiro, por obra de um acordo com os holandeses, descobridores do arquipélago que não levaram a posse porque abriram a boca em Lisboa antes de tomarem providências, não significa que todos os que saíram de lá sejam caucasianos. Esconder a origem indígena parece ser uma vergonha nacional. Principalmente quando vemos tantos nichos étnicos sendo celebrados enquanto a maioria da população exibe a marca do cruzamento com índio e negro. Parece que o Brasil está escondido em algum lugar fora do universo.

Tudo o que é bom no Brasil é atribuído aos estrangeiros. Não se reconhece a árdua construção de um país, a ferro e fogo, com muita luta. Tudo parece ter sido recebido de graça. As únicas conquistas seriam dos colonos vindos da Europa, jamais dos verdadeiros construtores do país, os mulatos, os guaranis, os tupis, os carijós, os caboclos, os africanos. Canso de ver tanto orgulho provocado pelo chamado sangue, quando sabemos que raça não é mais um conceito aceito pela comunidade científica e que os povos e nações são regidos pela História, a vivência, o comportamento, as atividades e nunca pelo tipo de sangue ou a cor da pele. O pior é que esse tipo de equívoco está servindo de veste para alguns estados, guindados ao status de Primeiro Mundo. Precisamos nos insurgir contra a retaliação do país.

E, pior, enquanto incensam os costumes e a cultura dos adventícios, aproveitam para carnavalizar a cultura brasileira, como se aqui fosse um reduto de prostituição e pouca vergonha, quando sabemos que isso é exclusivo do regime que nos governa e jamais da nação construída ao longo de séculos. Assim, quando disserem que você é russo ou polonês, apesar de ter nascido em Cascavel e tenha pais, avós e tataravós brasileiros; ou mesmo que tenha pai italiano; ou mesmo que você tenha nascido na Itália mas aqui vive sua vida todo o tempo

Acredite: você é apenas brasileiro, desse colosso de ouro que se destaca nos mapa. Nossa grandeza não vem apenas da vastidão do território, fruto do suor de nossos ancestrais. Também não vem das patriotadas, os exageros que serviram para Encher de má vontade a vocação legítima do patriotismo. Não vem pelo fato de muitos imigrantes aqui aportarem com olhos oblíquos ou maçãs salientes ou pelo modo de andarmos pelas ruas do país. Nossa grandeza não vem da quantidade de gente que mora aqui ou dos títulos no futebol. Nossa grandeza vem da coragem como nos comportamos diante das ameaças, da força que descobrimos no fundo do poço, na chama que acendemos no breu mais espesso. Vem daí a grandeza da Pátria.

Que chamamos Pátria porque assim foi nos ensinado pelos avós. Que chamamos Brasil porque assim ficou acordado há muito tempo.Que tem uma bandeira porque foi hasteada em praças e batalhas. Que tem a glória de uma identidade porque assim quisemos. Que resiste apesar de tanta traição. Que sobrevive porque precisamos. Porque o Brasil não deve ser vir para nada mesmo, nem para abastecer O mundo de grãos ou minérios. Não deve ser o brinquedinho do mundo onde estadistas metidos a besta passam a mão. O Brasil serve para os brasileiros. Sejam baianos, paulistas, gaúchos, pernambucanos ou mineiros. O Brasil é o que temos e ninguém nos toma porque jamais permitiremos

E se você achar engraçado o que digo, inútil ou simplesmente expressão de vaidades; se você achar que não temos mais nada a fazer do que falar de nação. Se você acha que não tem mais jeito e devemos entregar tudo O que sobrou porque assim será melhor; se você acha que nunca merecemos essas praias, essas matas, esses montes, planícies, planaltos, serras e rios E as gentes por todo o canto a bater perna pelos pontos cardeais

Então recite este poema. Não custa nada, apenas alguns minutos. Diga em forma de oração, como antigamente, quando inauguramos na terra hostil a semeadura da esperança, a indústria da permanência, a cultura da abundância. Reze pelo país que existe dentro de ti, como um canhão guardado por uma sentinela Ainda de prontidão, mas com o olhar tomado pela doçura que jamais foge de nós.

RETORNO - Imagem desta edição: pórticos da cidade de Uruguaiana. F ronteira é a paz na diferença.

NA MADRUGADA


Nei Duclós

No primeiro vento
o tempo cobriu
o espelho

O raio comeu
a cama do som
noturno

O mistério calou
teu corpo ainda
úmido

O amor gelou
a parte mais funda
do forro

Ouvimos um baque
no escuro. Uma estrela
pediu socorro


RETORNO - Imagem desta edição: tirei daqui.

18 de maio de 2010

RECEITA PARA FICAR QUIETO


Em ano de campanha eleitoral, em que todo mundo está vestido para matar, é bom não abrir a nossa grande boca. Quando há moita coletiva, silêncio e mordaça, aí sim devemos berrar. Mas na hora do ruído geral, em que petralha e direita golpista são as palavras menos ofensivas do repertório, o importante é manter-se zen e mandar tudo às favas, como se dizia antigamente.

Uma boa receita para ficar quieto é escrever xingando geral e depois apagar com a borracha ou o mouse. Não guarde no arquivo que você acaba publicando. Simplesmente esqueça. Diga só para você mesmo que acha muito estranho o presidente viajar para promover a paz no universo e voltar com um bom acordo nuclear que inclui a Turquia. O que você tem a ver com isso? Nada, fica quieto. Também não abra boca sobre o desvio de águas do São Francisco ou a inundação da floresta para foder com a diversidade biológica. Deve haver razões que desconhecmos.

Não reclame se o petróleo está jorrando sem parar no Golfo do México e cale-se em relação ao pré-sal, que aqui já dividiram os royalties para as próximas encarnações. O sujeito vive cem anos carcando em todo mundo, aí se descuida e morre e reencarna como seu próprio bisneto. Tudo garantido. E se o óleo sujo emporcalha o mar, o que vai se fazer? E se é permitido assassinar pelo menos uma pessoa no Brasil, o que é que tem, se a lei solta quem é réu primário e deixa livre criminoso hediondo depois de alguns anos de cadeia. Mas se você der uns tapas no traseiro do fedelho pode ir preso, segundo lei que está circulando e pode ser aprovada.

Nem fale em craque na seleção. Nilmar (que será o grande destaque da Copa), Robinho e Kaká não são craques, como todo mundo sabe. Craque é o Neymar, que enterrou de novo a paradinha do pênalti ao dar duas paradinhas e obrigar a Fifa a acabar com a baboseira. Qualquer contratempo faz o garoto inflado pela mídia (“o menino-Deus” disse um veterano cronista anti-Dunga) meter as mãos pelos pés. Não adianta dizer que além dos craques que irão, temos ainda Daniel Alves, Maicon, Lucio e Julio César. Tudo isso não conta. Não dá para celebrar a democracia desse jeito.

Com a volta da seleção, Dunga advertiu que os jogadores escolhidos devem ficar focados na Copa, e, óbvio, assumirem que representam o Brasil pentacampeão do mundo, ou a seleção é guatemalteca? Pois consideram patriotismo uma pouca vergonha, uma patriotada. Os internacionalistas que entregam tudo de mão beijada via tucano-petismo-peemedebosta odeiam a Pátria e a prova é que a ditadura, que já foi militar-arena-emedebista, aterroriza a população há 46 anos.

Houve maior terror do que a violência policial e da soldadesca nos anos 60 e 70? Algo mais horrendo do que os planos cruzados no queixo e o seqüestro da poupança e da conta corrente? Houve algo mais terrorificante do que o domínio do PCC em São Paulo em plena campanha eleitoral? Tudo foi feito para horrorizar a população, que salta de voto em voto para tentar ver onde vai parar, enquanto é manipulado pelas pesquisas compradas e pela ameaça das urnas eletrônicas nicadas – ou ninguém vai auditar essa merda?

Esqueci, é melhor ficar calado. Não se deixar levar pelas aparências. Achar mesmo que somos um portento mundial e todos se curvam ante nós. Que o governo atual colocou na roda milhões de pessoas da classe C que ascenderam socialmente, como acontece nos programas lotéricos de televisão, pois agora eles tem condições de comprar um Eco Sport a 170 prestações. Quando os créditos podres explodirem, como sempre explodem, aí vão vir os analistas esgrimir suas frases favoritas, de que é precisa acabar com a gastança e cortar salários, pois aí sim é o bem bom para a tosse.

É por isso que o Diário da Fonte, depois de muitos anos de militância ferrenha, quando viu confirmado os piores diagnósticos publicados aqui em inumeráveis edições, agora fica só poetando e cronicando. Não é melhor assim? As pessoas não gostam que desmontemos seus brinquedos. Gostam de acreditar que estão numa democracia que promove o desenvolvimento sustentável e que o presidente é o tal, e não que suborna todo mundo com os frutos do suor da população, que apodrece abaixo da chuva e explode junto com os bairros construídos em cima de lixões.

O privilégio de ser indiferente e cheio de soberba não é mais dos maganos e da classe média. É de todos os que não aparecem aos prantos na TV. O mendigo pode muito bem achar que é o patrão da empregada uniformizada da novela. E que poderá comprar o que quiser, pelo menos até o próximo dia da votação. Depois, aí sim e todos verão com quantos paus se faz uma canoa furada.

Melhor ficar quieto e sorrir. Tudo bem? Puxa, vamos ser positivos. Chega de pessimismo. Reclamar é coisa de pobre. Toque o sinos para vir a doméstica de uniforme, que é isso que a bandidagem gosta em horário nobre: reiterar os papéis sociais da escravidão para que você, amigo eleitor, se sinta assim um bilionário da revista Forbes. A Justiça está garantida: a empregada de uniforme é uma sacana e vai dar o golpe no patrãozinho.

"Vem aí uma tempestade de merda". Frase imortal de Norman Mailer, muitas vezes repetida neste jornal.

RETORNO - Imagem desta edição: tirei daqui.


EXTRA: CHANCELER ALEMÃ ENQUADRA ESPECULADORES


Para travar a especulação sobre dívida pública européia, a chanceler Angela Merkel, da Alemanha, enquadrou o sistema financeiro. Enfim, alguém de coragem. O vendido Wall Street Journal, o mesmo que bateu e depois de uma semana recuou nas críticas ao Brasil (tem gato na tuba) debochou da decisão. Pudera. Eles vivem disso. Você sabia que a proteção de risco da dívida grega é uma taxa que pode ser comercializada? Imaginem o que dá para fazer com a dor das populações. Leia no Times, a ação decisiva da estadista.

Mientras tanto, nós fazemos papel de palhaço internacional dando as mãos e cantando junto com o tirano do Irã, que está matando o cineasta iraniano Jafar Panahi. Lula é festejado porque faz a festa dos especuladores, à custa do suor da nação brasileira. Mas vai falar mal do presidente. É puro preconceito de classe, claro. Inflaram o sujeito até os gargomilhos e agora ele se acha o dono do mundo.Mas a ficha do mundo está caindo. Estão se dando conta do enganador, que usa séculos de História brasileira para se promover.

CALIGRAFIA


Nei Duclós (*)

Escrever sem ajuda do teclado é uma arte que foi reduzida à assinatura do nome – com o perigo de sumir por completo por obra das senhas. Mas um dia foi matéria obrigatória no Primário. Cadernos caprichados com extensos exercícios modelavam as letras, desenhadas como se fossem pórticos barrocos. Era um instrumento para aquela vida tomada pelos cadernos, relatórios, cartas, tudo feito só com a força dos dedos e o apoio dos punhos.

Passar a limpo era uma das atividades mais nobres. Primeiro, fazia-se o rascunho (parece que algo sobreviveu hoje nas redações para os vestibulares), normalmente a lápis. Depois, passava-se a caneta por cima e a borracha para apagar os rastros da grafite. Pode parecer estranho que a palavra grafite apareça assim no selecionado dos assuntos mais candentes. Imperador seria mais plausível, lembra as velhas ilustrações sobre Roma nos livros do ginásio. Mas houve época em que vivíamos desbastando a madeira dos lápis para afinar a grafite, de onde saíam os rabiscos da nossa febril vida estudantil.

É que a datilografia, ocupação paralela assumida apenas por secretárias, ainda não tinha tomado o poder. Existiam (talvez ainda existam) escolas que ensinavam a batucar nas pretinhas, como se falava nas antigas redações. Era preciso aprender a usar todos os dedos para não catar milho, considerado o horror da técnica profissional do bem escrever. Cheguei a freqüentar algumas aulas, mas acabei me aprimorando na convocação unilateral de poucos craques, que sempre acertam as letras, e aos quais já estou acostumado.

Prefiro ficar com o Indicador e o Pai de Todos e deixar de lado o Anular e o Mindinho, tidos como portentos por todas as platéias. Não me deixo levar pela opinião dos especialistas, que insistem com outras opções. Se eu fosse atender todas as ponderações e exigências, não escreveria mais nada. Teria até de ficar restrito ao Polegar, desde que esse emergisse subitamente com algum talento no campeonato das frases e textos.

Acho que estou preparado para grandes certames, usando os jogadores que me deram tantas alegrias. O que me constrange é ler o que dizem. Se eu vencer, será pura sorte, pois não convoquei as maravilhas apontadas por todos. E se eu perder, que desapareça e nunca mais tente sequer teclar um convite de aniversário, pois ficará provado que não nasci para isso.

RETORNO - Crônica publicada nesta terça-feira, dia 18 de maio de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: tirei daqui.

17 de maio de 2010

INSURGÊNCIA


Nei Duclós

Fui mandado de volta à poesia
Pelo Destino vestido para a guerra
Era uma ordem na véspera da bala

Pai jurado em dia de promessa
Parecia moço e não queria a glória
Nem o rebento morto na vitória

Sangue é inútil, mas jamais a musa
Escreva sobre o sol e a primavera
Disse entre pólvora e cartuchos

No lugar da luta, herdei o seu relógio
Fui a pé, para que o poema tarde
Cultivei dor na madrugada em claro

Joguei no rio as folhas do diário
Parei expedições sem passaporte
Quebrei moinhos com meu sabre

Não me conformo e ligo o rádio
Adivinho o rescaldo da batalha
Consulto sinais dos que tombaram

Talvez alguém encontre neste ermo
Motivo para viver longe do front
Em serões de piano e pé de valsa

Livro não escolhe a sua hora
Verso não evita o tempo torpe
No batismo selei a minha sorte


RETORNO - Imagem desta edição: cena do filme “Nosso barco nossa alma”, de Noel Coward e David Lean (1942)

16 de maio de 2010

SINTO FRIO NA NOITE ESTRELADA


Nei Duclós

Sinto frio na noite estrelada
Malfeitores cegam a passagem
A Lua de carona rouba a estrada
Carruagem na garupa da palavra

As manhãs de mãos amarradas
Jazem no caminho como barro
Passam os corcéis da vassalagem
Levantam o pó de areia e pólen

Aguardo o trem, última coragem
Corro contra o sol, deus que sobe
Cubro a cara nos redutos da viagem

Subo na boléia, pulo a plataforma
Pedras quebram na pista expressa
Passa o poeta, o tempo ainda dorme


RETORNO - Imagem desta edição: obra de Van Gogh

15 de maio de 2010

POETA É PASTOR


Nei Duclós

Poeta é pastor, poema é gado
solto na montanha para o abate
Chegam os leitores nos safáris
a recolher a lã e a carne

Escolhem de luneta e de espingarda
Deixam osso e pele ao sol da tarde
Voltam cheios de citações no alforje
Tesouro morto de uma antiga safra

Um país não vale um poema
Nem o rebanho quando tarda
Um bezerro que berra no caos

Recolho alguém na praia brava
Descubro o lugar que verte água
Acima das obrigações da caça


RETORNO - Imagem desta edição: Éolo, nascimento de Vênus, de Boticelli. Tirei daqui.

14 de maio de 2010

DEVASSA TRANSFIGURADA


Nei Duclós (*)

Fantasma é o poeta que interfere no sono dos mortos e descobre a linguagem vagando, fugindo de um pouso. Marcelo Ariel não faz a tradicional interlocução com suas influências, antes as transforma em dramaturgia siderada. Ele prefere virar de pernas para o ar o que parecem ser leituras, o que deveriam ser vivências, mas são apenas fragmentos de um fluxo que poema captura, levando-os a significados fora do eixo da chamada cultura.

Desigual esse desvario de pleno domínio de sua arte, que o poeta reinaugura na rua confiscada pelas artimanhas do real, o que cristaliza o imaginário para que o rebanho siga o jargão, o slogan, o insight, o reclame. O poeta faz sua devassa transfigurada, fiel a esse rio de silêncios e riscos celebrados sem prestar juramento a nenhum cânone ou código.

Às vezes, coincidem suas preferências com o que há de mais considerado no universo consagrado das transgressões, mas mesmo nesses casos há sempre uma abordagem pessoal, que faz deste livro uma pós viagem: não é pegando carona no poema que atingimos sua essência, por isso toda leitura datada é inútil. É convivendo com seu rescaldo, sua ruína, sua ultrapassagem que poderemos enxergar um pouco melhor o que nos é dito de maneira quase feérica.

Marcelo Ariel não quer alumbramentos, já que a fonte de tudo é a luz encapsulada no mistério de inúmeros cruzamentos de linguagens. Essa “realidade” (para forçar um conceito que nos escapa) não faz parte da lírica ou do épico, mas sim da pira onde arde a alma de um holocausto inaugural, lá onde os anjos aquecem seu rosto nas noites frias do terror humano. Lá onde vemos enfim nosso rosto, pois ninguém poderá escapar do momento da verdade, quando compusermos a canção dilacerada da nossa desistência.

RETORNO - (*) Texto da orelha do livro “Conversas Com Emily Dickinson E Outros Poemas”, de Marcelo Ariel, que escrevi, com muito prazer e honra, a pedido do autor, poeta da pesada que abre caminho na selva literária do país.

LANÇAMENTO DIA 18 DE MAIO-TERÇA A PARTIR DAS 20HS

NO BAR EXQUISITO

RUA BELA CINTRA,532-CONSOLAÇÃO

SÃO PAULO SP

13 de maio de 2010

NÃO POSSO RECUAR


Nei Duclós

Não posso recuar além de um poema
Meu limite de medo

Não posso deixar que a palavra se perca
última colheita

Não posso esperar que o tempo resolva
ser mais ameno

Não posso deixar de trair
o meu sossego

RETORNO - 1, Poema do livro No Meio da Rua. 2. Imagem desta edição: magnífico desenho de Claudio Levitan para a contracapa do meu livro Outubro.

11 de maio de 2010

PORQUE DUNGA ACERTA E SEUS CRÍTICOS ERRAM



Na prova dos nove da seleção brasileira, a imprensa é mega-repetente. Já errava em 1958, como cansamos de saber por meio das crônicas de Nelson Rodrigues. Encheu o saco do Zagalo em 1970 até sermos tricampeões. Atazanou o Parreira e teve que deglutir o tetra. Cercou Felipão com tudo que é adjetivo desonroso e no fim foi obrigada a comemorar o penta. Agora foi a vez de Dunga. Encheram-lhe o saco até que ele venceu todas e recolocou a seleção no topo do ranking da Fifa. Não contente, a imprensa, na maré alta do fanatismo pelotudo, inventou Ganso e Neymar só para pentelhar o Capitão.

Pois muitos jornalistas e fanáticos levaram o troco com a convocação dentro de tudo o que Dunga prega. A verdade é que não aceitam as opiniões e o método do treinador. Implicam até o osso com tudo. Queriam o espalhafato de circo dos meninos da Vila, que comemoraram os gols de um campeonato estadual ganho com a calça na mão, pois quase o Santo André levou. Cantei a bola aqui antes e os santistas caíram em cima de mim. Fanáticos ridículos. Fui chamado de bocó para baixo, e que eu não entendia nada de futebol.

Eu entendo de jornalismo, de linguagem, de falas de fontes, de informação e não de circo. Como pode um mês de campeonato estadual definir os rumos de um trabalho feito ao longo dos anos, sob vaias, enfrentando as maiores dificuldades? Por que tiraram o Ronaldinho Gaúcho na última hora do bolso do colete, quando vimos como foi omisso, baladero, indiferente o tempo todo e só agora, na véspera, achou que iria ser premiado? Pois não foi. Quem vai é Nilmar, cracaço que fez gols sempre que entrou em todos os amistosos e disputas, dando o sangue e vestindo a camisa da seleção.

Esse é o critério, a fé, a dedicação e a competência. Adriano teve sua chance, desperdiçou. Meteu-se em encrencas, engordou, pirou, se fresqueou. Quem se manteve no prumo, faz parte da equipe. Não se pode arriscar quando times que representam países se enfrentam num torneio de vida ou morte. Já tem gente, com medo do título, chamando Copa de loteria. Contem outra. O Brasil ganhou cinco vezes porque levou talento embasado numa estrutura técnica e tática, numa experiência bem aproveitada, não porque somos pavões misteriosos vindos das galáxias, como querem os comentaristas barrocos que em vez de escrever sobre lantejoulas e bordados ficam pontificando nos programas esportivos.

Teve jornalista notório que identificou os garotos da Vila com a democracia e o Dunga com a ditadura. Meus Deus do céu, até onde vai a forçação de barra. A vivência de Dunga foi formatada ao longo de décadas, numa carreira sólida e vitoriosa. Quem faz, pensa. Conceituar não é exclusivo dos “pensadores” profissionais, dos professores. O craque, ou alguns craques, sabem, nem todos. Pois a experiência que se transforma em linguagem tem grandes chances de acertar. Dunga palmilha seu território com prudência, com experimentação permanente, com persistência, com objetividade.

E está levando grandes craques. Além de Nilmar, tem Kaká e Robinho, e grandes jogadores nas suas posições, como Luisão, Lúcio, Daniel Alves. Há dúvidas sobre Josué, Doni, entre outros, mas eu confio em Dunga e acho que ele está certo e seus críticos, não. Chamar os outros de burro apoiado apenas nas aparências não ajuda ninguém a acertar. Basta um contratempo para o garoto Neymar tentar cavar a falta. Se algo dá errado na sua trajetória, ele entra em pânico. Com o tempo irá se acertar e poderá ser um grande craque. Mas agora fica de fora.

O que me irrita também é essa coisa de time. Os santistas queriam os garotos, os gremistas o Ronaldinho, os colorados o Nilmar, os flamenguistas o Adriano. Isso enche o saco. Seleção transcende time. O troço mais nojento do futebol é esse fanatismo marmanjal do cervejão em que os peludos se roçam em público achando que são os maiorais. Futebol é assunto de criança, mulher e velho também. Como se diz na fronteira, vão se roçar numa tuna.

E aguardem Dunga liderar uma equipe vitoriosa. Eu acredito no hexa na África do Sul. Temos craques, temos time, temos treinador. Vamos ganhar.

OBRIGAÇÕES



Nei Duclós (*)


É obrigatório que o filme infantil clássico tenha pelo menos um urso. Assim como não há thriller sem que um caminhão baú se atravesse no caminho de um carro em fuga. Ou terror sem vampiro light, desses com caninos de silicone fazendo volume no lábio superior. Ou ainda comédia romântica que não inclua a corridinha no final, quando cai a ficha de um dos amantes. Drama, todo mundo já viu: alguém sabe como o outro se sente. Faroeste sem duelo final no meio das pedras também não se admite. E quando o gênero não se define, pode apostar: tudo acaba no tribunal.

Literatura de auto-ajuda sem a palavra você em cada frase é inadmissível. Best-seller sem escritor em crise só na próxima encarnação. Poesia que não seja de vanguarda e contenha pelo menos um trocadilho merece o anonimato. E crônica que não discuta o desafio do papel ou tela em branco é o mesmo que nada. Também não deve deixar passar trabalho acadêmico que não seja apenas citação do que já foi escrito. Ou debate que não respeite a opinião alheia enquanto todos se abaixam para pegar as ferramentas.

Há dois tipos de retorno quando você escreve sua opinião e publica. Um é a indiferença, que dura até o limite do insuportável. Outro é a bola quadrada, que devolve distorcido tudo o que é dito. Por isso tanto cuidado na hora de produzir alguma coisa. É preciso seguir os trâmites, cumprir com as obrigações para não ter problemas. Ninguém vai reclamar de um lugar comum, a não ser os implicantes.

Vi esses tempos uma seleta de clichês no cinema. Um deles é que o carro nunca pega de primeira quando o abismo se aproxima devorando tudo e só resta a família do herói numa camioneta velha. Há outros como a conversa fiada no desfecho da trama, quando o bandido perde tempo dando explicações para a vítima. Em vez de atirar, ele bate papo. Acaba dançando.

A verdade é que existem poucas soluções de narrativa. Quando vejo produções antigas, acabo descobrindo a origem de uma série de situações reproduzidas hoje. E se for mais fundo, as sementes estão no velho preto e branco mudo. Que, por sua vez, tomou emprestado dos folhetins dos séculos anteriores.

Criação é uma coisa rara e, de tanto ser repetida, acaba frustrando o espectador ou leitor. É terrível: a emoção acaba não pegando, rateia. Eu sei como você se sente.

RETORNO - 1.(*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 11 de maio de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: criação de Ricky Bols.

TEMPO QUADRADO


Nei Duclós

Quero ser praça
Esboço de roça
Pipoco de Copa
Memória da raça

No beijo e no tapa
Pombo na estátua
Bancos de agarro
Pele de mármore

Tempo quadrado
Infância no laço
Namoro na corda

Desfile de graça
Sapato sem sola
Estrelas na poça

RETORNO - Imagem desta edição: a magnífica praça Barão do Rio Branco, no coração de Uruguaiana.

9 de maio de 2010

MAR DOS NOVE ANOS


Nei Duclós

O mar na minha infância
como um trem no sonho de um louco
um disco voador na porta dos fundos
como o fim do mundo
com ondas voltando de viagem

O mar como um desastre
como um avião que cai no mar

O mar como nunca
verde-claro com rendas de espuma
a dois passos de mim
como um trunfo, um presente
a ser guardado para sempre
um bloco de anotações
um lenço dobrado

Como pássaro de sal com plumas de água
o mar levantou vôo na memória
como as pandorgas
que se enforcam nos fios

Aquele mar se afogou no tempo
escapou das mãos como um peixe pequeno

RETORNO - Poema do meu livro Outubro, sobre o grande impacto que tive na primeira vez em que me levaram para ver o monstro. Foi numa temporada no Imbé, a convite da familia de meus primos Assis, Leda e Vitor Hugo de Aguiar. A foto é anterior, quando eu ainda estava no pré, ou Jardim da Infância, como se dizia na época. Reparem no tope! Eu estudava no Romaguera Correa, situado em frente à praça Barão do Rio Branco em Uruguaiana. Estava quase pronto para ler meu primeiro livro, O Pequeno Lord, de Frances Hodgson Burnett.

8 de maio de 2010

ASCENSÃO E QUEDA EM TRÊS FILMES





O tocador de violoncelo que virou morador de rua em Los Angeles depois de ter estudado em escola de música para milionários em Nova York; o estudante de Física que tentou ser criativo e independente no seu doutorado na América; a órfã do interior da França que forçou a presença no castelo do amante e acabou virando uma grande estilista: três personagens da loteria social estão nos filmes O Solista, A Matéria Escura (traduzido no Brasil para não-sei-o-quê da Honra) e Coco Antes de Chanel. São filmes amargos, um pouco diferentes do oba-oba costumeiro, talvez pela presença de criadores importantes envolvidos nos projetos.

O Solista, de Joe Wright, tem esse monstro que é Robert Downey Jr. no papel do jornalista do Los Angeles Times. Downey Jr. deslumbra seu colega de cena Jamie Foxx, intérprete do instrumentista caído em desgraça devido à esquizofrenia. “Aponto o que ele faz para depois imitar”, diz Foxx. Os dois personagens são baseados em pessoas reais e a história realmente aconteceu. O colunista famoso encontra o músico com um violino de duas cordas e começa a fazer uma série de reportagens sobre ele. De novo a invejável performance do jornalismo americano, em que o profissional do teclado tem liberdade para pautar e tempo para reportar.

A Matéria Escura, de Shi-Zheng Chen, tem Merryl Strip no papel da bondosa senhora interessada na China que vê a derrocada do brilhante aluno que desafiou o mestre. Também baseado em fatos reais, o filme faz um recorte de uma situação recorrente nas universidades em todo o mundo. O orientador quer que o aluno siga seus passos, pois a carreira dele, orientador, é toda baseada na sua tese bem sucedida. O aluno apenas tem condições de imita-lo e fazer algum adendo, mas jamais partir para uma outra coisa. Se tentar, dança.

O assassinato dos talentos na academia acaba normalmente na frustração, mas no filme o desfecho é trágico, com tios para todo lado. O talentoso físico que descobre algo improtante sobre a estrutura do universo não se conforme em ver um colega medíocre e puxa-saco levar toda a fama enquanto ele amarga o exílio e a miséria, ale´m da vergonha de decepcionar o pais, quie esperam tudo dele. Essa relação respeitosa de jovem com veterano, que existe em tese na cultura chinesa, não d´pa certo nos Estados Unidos, onde há ruptura. O professor doutor não admite vôo solo do seu orientando, ainda mais sendo asiático!

No filme sobre os primeiros anos de Coco Chanel, de Anne Fontaine, há a brilhante interpetação de Audrey Tautou, que incorpora a artista pobre, andrógina e ousada, que liberou a roupa da mulher vitoriana eliminando o espartilho e inventando o pretinho básico, entre outras inovações. Fui ver a crítica e lá está a hsistoriadora brasileira dizendo que Coco colaborou com os nazistas na Segunda Guerra, pois morava no Ritz e tinha um amante capitão da SS. E que se aproveitou da invasão alemã para trair seus sócios judeus. É muita baixaria, que nem chega perto do filme, restrito à infância e juventude da grande artista. Gostaria de saber onde estava a historiadora nos anos de chumbo. Naturalmente numa montanha nevada carregando rifles e metralhadoras. E não sobrevivendo no meio da barbárie, como todo mundo, naturalmente.

Não se trata de justificar o colaboracionismo, mas enxergar melhor a personagem, que forçou sua adoção pela elite virando cortesã de um castelão. E que na época da ocupação convive com o invasor, como todos os franceses. Há histórias sinistras sobre ela, mas polêmicas. O fato é que no Brasil sempre tem uma voz levantando o dedinho para accusar alguém de traidor, reacionário e nazista, seja quem for. São todos vestais ideológicos. Vimos onde isso foi parar, com os ideólogos se atirando nos cargos e se locupletando nos dólares.

Três filmes que tratam da sobrevivência de pessoas talentosas, que experimentam a ascensão e a queda. Sem happy-end tradicional, mas com finais precários, ou seja, o esquizofrênico não se cura, o estudante atira para matar e a estilista faz sucesso, mas à custa de muito sofrimento. Filmes bons, não excepcionais. Interessantes na abordagem de um tema caro aos dias de hoje, quando tantos talentos submergem na obscuridade, devido à onipotência e à onipresença da mediocridade em armas.

RETORNO - Imagens desta edição: cenas de Coco Avant Chanel, The Soloist e Dark Matter.

7 de maio de 2010

PERGUNTAS DO SILÊNCIO


Os fatos se acumulam no gargalo da indignação, se repetindo até o cansaço geral, praticamente nos imobilizando numa cidadania em pânico e acossada pela ação bandida de todos os poderes. Agora é moda censurar blog usando a Justiça. Devemos ficar calados diante da cara-de-pau que nos governa em todos os estamentos da República. Ainda está por ser feita a reportagem sobre a criminalização dos serviços, ou seja, a população brasileira está refém de pequenas e grandes máfias que agem impunemente em pleno dia. Cobra-se por fora o que deveria ser feito por dentro.

Como são muitos os assuntos e a paciência escassa, decidi dividir nossa ira justa e cada vez mais calada, em perguntas que deverão nos acompanhar pelo tempo afora.

E se a máfia for apenas um departamento informal do governo?

E se eleição for apenas a reacomodação em rodízio do poder dos usuários do butim?

E se o objetivo for acabar com a presença de autores na indústria subsidiada dos livros, substituindo-os por macacos amestrados do comércio vil?

E se a ficha limpa for restrita aos que possuem a ficha suja, mas sabem fazer churrascos para quem decide?

E se a crise for o expediente normal do sistema de especulação financeira para realimentar a fonte de recursos que costuma secar?

E se a banda larga for apenas uma concessão do inquilino do palácio?

E se a alfabetização for enfim erradicada por um sistema de ensino formatado sob medida para isso?

E se a música for uma reserva publicitária vendida a peso de ouro nos intervalos do baticum gagá?

E se a sua lucidez for apenas uma atração de circo?

E se a seleção brasileira for substituída por um time de borboletas dançarinas sob o comando de um personal trainer de plástico?

E se as pessoas que completarem 50 anos forem confinadas a guetos marcianos deixando espaço livre para a barbárie imberbe?

E se o jornalismo for apenas uma doença contraída pelas pessoas que não se vacinaram?

E se o Brasil for uma ilusão passageira de malucos paranóicos que insistem em lembrar coisas que nunca existiram, como soberania?

E se tudo o que for dito virar patrimônio dos piratas?

E se a poesia for um rifle enterrado no quintal que o terremoto trouxe à tona diante dos nossos olhos desertos?

RETORNO - Imagem desta edição: tirei daqui.

6 de maio de 2010

CARPETE


Nei Duclós

Barulho de salto no piso
Passo firme, miúdo, alto

Som com cheiro de laje
No asfalto ecoando o mato

Convite avesso à abordagem
Do gesto para sempre adiado

Assobio do encontro suspenso
Na surda emoção que trava

Mulher é salto que some
No carpete mudo sem marca

RETORNO - 1. Poema do livro inédito "Partimos de Manhã". 2. Imagem desta edição: peguei daqui.

4 de maio de 2010

LUGAR CERTO


Nei Duclós (*)

Há elementos de crônica na reportagem que reivindica o perfil de “humana”. É quando o início do texto tenta seduzir o leitor para o conforto de uma situação reconhecível, preparando-o para algo mais intenso a seguir. Na economia, especialistas gostam de citar um trecho literário, com perfil de crônica, para dourar a pílula amarga de um tema como juros. E na política, o elemento pontual, típico dos cronistas, usado na abertura de um discurso, é um antídoto para a desatenção da platéia.

Como todos se servem dela, é inevitável que a crônica também se sinta no direito de trafegar por outros gêneros. Como cair na tentação do mini-ensaio literário, da resenha de filmes ou do artigo de fundo, quando ao espaço dado compete apenas a presença desse gênero tão consolidado, mas assim mesmo tão propenso a equívocos.

A verdade é que existem limites bem definidos para a crônica, apesar dos recursos emergentes como o hipertexto ou as bossas da pós modernidade, à vontade nas desconstruções de vanguarda. Fugir desses parâmetros pode até dar melhores resultados, mas acaba caindo na vala comum dos “escritos”, se for cometido o erro de aspirar ao mesmo status daquilo que se tenta superar. Felizmente, a desmoralização dos conceitos, que pegou fundo no imaginário geral e pretende causar impactos passageiros com sacadas espertas, nada pode contra a crônica.

Ela é fácil de conceituar. É tudo (ou quase tudo) aquilo o que Rubem Braga fez e pertence a uma linhagem costurada por Machado de Assis e Olavo Bilac nas respectivas militâncias na imprensa, incrementada por presenças poderosas, como a de Carlos Drummond de Andrade. Os mestres ensinam, é bom que se diga nesta época de ilusão, quando se acredita que a sabedoria brota como cogumelo do ventre das tecnologias.

Esse vício medra na febre de palavras recorrentes, como “ferramentas”. Como se o mundo virtual, por não fazer barulho, adotasse o perfil de uma serralheria. Pois não há martelo soft, maçarico de bytes nem torquês de laser que tire a crônica do seu lugar certo. Ela começa suave e termina num sopro. Quando se entrega a bobagens, permanece fiel até o fim. Não cria armadilhas para tomar o poder. Isso ela deixa para a poesia e o romance, que gostam de tambores e clarins. Prefere alimentar os pombos, num outono qualquer, lá onde deveria haver uma praça.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 4 de maio de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.2. Imagem desta edição: holandeses fazem a maior fuzarca no 30 de abril, Dia da Rainha. Uma crônica de Daniel Duclós abordando a participação dele e da esposa Carla nesta gande festa nacional da Holanda.

3 de maio de 2010

PARAÍSO TROPICAL



Em filme americano, o céu é uma corporação com executivos que recebem os espíritos e os encaminham para as tarefas eternas. Só que sempre há um equívoco e a alma que chegou antes do tempo volta para continuar sua missão na terra. Vamos imaginar como seria o céu brasileiro. O traficante receberia o recém falecido. Que esperneia:

- Onde estou, quem é você? pergunta a vítima
- Você apagou, meu chapa e agora está na nossa mão.
- Mas não tinha chegado ainda a minha hora. O que estou fazendo aqui? Há um erro, verifica aí nos seus apontamentos.
- Negativo, malandro. Aqui a gente trabalha no apalavrado, morou? Se os caras de asinhas brancas disseram que você já era, é porque já era, sacou?
- Mas eu nem pude fazer o Enem, não comprei casa própria, não conquistei aquela guria bonita do colégio, não ganhei meu milhão de dólares antes dos 30 anos.
- Mas não precisa morrer pra não fazer isso, bozó. No Brasil ninguém consegue merda nenhuma mesmo.
- Além do mais, sou careta, não jogo, não fumo e não bebo.
- Tarde demais, branquelo. Agora você vai para a cela do Carandiru e pronto.
- Mas o Carandiru foi desativado.
- É, mais continua existindo aqui no astral e o que é melhor, sem gambé, sem sirene, sem otoridade, nem juiz nem porra nenhuma. É só nóis na fita.

O coitado vê que não há argumento e espreme os miolos para se lembrar como os heróis de filmes americanos em que o cara morre e volta para a terra se comportariam numa situação dessas.
- É o seguinte: eu volto e trabalho o dia inteiro pra vocês.
- Já temos mão-de-obra de sobra, mané. Estamos até selecionando. Agora para entrar para o crime tem que ter curriculo e carta de recomendação de político importante. Vereador não serve mais, agora é de senador para cima.
- Então eu te apresento para um banqueiro amigo meu das Ilhas Cayman.
- Fala aí, meu chapa, as Ilhas Cayman são nossa propriedade faz tempo.
- Então te apresento pro meu primo, o sheik de Agadir.
- To sabeno que tu não é de nada, é funcionariozinho da prefeitura em Caiapó, que qui há, pensa que não vimos tua ficha antes de recolher o presunto? Vai dizer que tu é avião de heroína grossa pros grandões?
- Vocês pegaram meu corpo?
- É força do hábito. A gente agora só recolhe alma, mas quando era vivo só pegava presunto memo.
- O sr. já foi vivo? pergunta o bocó, querendo conquistar a confiança do chefão.

O traficante perde a paciência e vai empurrando o falecido para um corredor comprido, cheio de almas em fila.
- Chega de papo que tu não paga nem resgate, vai te mandando até ser atendido pelo nosso assecla veremelhão lá adiante.
- Quem disse que eu não pago resgate? Tenho um bom preço procê...

O cara fica em dúvida. Puxa o presunto para um canto:
- Vai me dizer o quê, que tem resgate o quê, desembucha logo.
- Tenho sim, uma maneira de tu sair desse emprego e voltar com tudo na terra. Não é o que você quer? Ou prefere ficar de porteiro do Dito-Cujo?
- Falei pra desembuchar, então fala logo, senão...
-...me mata?
- É, te jogo no caldeirão fervendo...Porque aqui é paraíso brasileiro, tem caldeirão e tudo. Mas me diga, que lance é esse, branquinha de neve?
- É simples. Meus amigos banqueiros consumidores de heroína subornam até o teu chefe e te colocam full time num bordel de luxo. Você vai ter só que cheirar, comer, peidar e foder. Topa?
- E como tu vai fazer isso, si eu sei que tu não é de nada?
- Eu não apostaria nisso. Mas é muito simples. Você me coloca lá de volta e eu arrumo tudo.

O cara pensa, pensa, acaba concordando. Mas com uma condição:
- Você tem duas horas. Se não conseguir, panelão pra ti.
- E portaria pra ti, não é mesmo?
- Vai, vai.
O recém falecido se safa, volta para casa e telefona:
- Dandan, meu banqueiro favorito? Faz um favor pra mim? Diz pro teu gerente sair de cima que eu preciso retirar aquela grana sem pegar fila. Ele está aprontando lá na porta do banco. Desse jeito o negócio não sai!

RETORNO - Imagem desta edição: peguei daqui.

PARAÍSO TROPICAL


Em filme americano, o céu é uma corporação com executivos que recebem os espíritos e os encaminham para as tarefas eternas. Só que sempre há um equívoco e a alma que chegou antes do tempo volta para continuar sua missão na terra. Vamos imaginar como seria o céu brasileiro. O traficante receberia o recém falecido;


- Onde estou, quem é você? pergunta a vítima
- Você apagou, meu chapa e agora está na nossa mão.
.- Mas não tinha chegado ainda a minha hora. O que estou fazendo aqui? Há um erro, verifica aí nos seus apontamento.
- Negativo, malandro. Aqui a gente trabalha no apalavrado, morou? Se os caras de asinhas brancas disseram que você já era, é porque já era, sacou?
- Mas eu nem pude fazer o Enem, não comprei casa própria, não conquistei aquela guria bonita do colégio, não ganhei meu milhão de dólares antes dos 30 anos.
- Mas não precisa morrer pra não fazer isso, bozó. No Brasil ninguém consegue merda nenhuma mesmo.
- Além do mais, sou careta, não jogo, não fumo e não bebo.
- Tarde demais, branquelo. Agora você vai para a cela do Carandiru e pronto.
- Mas o Carandiru vfi desativado.
- É, mais continua existindo aqui no astral e o que é melhor, sem gambé, sem sirene, sem otoridade, nem juiz nem porra nenhuma. É só nóis na fita.

O coitado vê que não há argumento e espreme os miolos para se lembrar como os heróis de filmes americanos em que o cara morre e volta para a terra se comportariam numa situação dessas.
- É o seguinte: eu volto e trabalho o dia inteiro pra vocês.
- Já temos mão-de-obra de sobra, mané. Estamos até selecionando. Agora para entrar par ao crime tem que ter curriculo e carta de recomendação de político importante. Vereador não serve mais, agora é de senador para cima.
- Então eu te apresento par a um banqueiro amigo meu das Ilhas Cayman.
- Fala aí, meu chapa, as ilhas Cayman são nossa propriedade faz tempo.
- Então te apresento pro meu primo, o sheik de Agadir.
- To sabeno que tu não é de nada, é funcionariozinho da prefeitura em Caiapó, que qui há, pensa que não vimos tua ficha antes de recolher o presunto? Vai dizer que tu é avião de heroína grossa pras grandões?
- Vocês pegaram meu corpo?
-É força do hábito. A gente agora só recolhe alma, mas quando era vivo só pegava presunto memo.
- O sr. já foi vivo? pergunta o bocó, querendo conquistar a confiança do chefão.

O traficante perde a paciência e vai empurrando o falecido para um corredor comprido, cheio de almas em fila.
- Chega de papo que tu não paga nem resgate, vai te mandando até ser atendido pelo nosso assecla veremelhão lá adiante.
-Quem disse que eu não pago resgate? Tenho um bom preço procê...

O cara fica em dúvida. Puxa o presunto para um canto:
- Vai me dizer o quê, que tem resgate o quê, desembucha logo.
- Tenho sim, uma maneira de tu sair desse emprego e voltar com tudo na terra. Não é o que você quer? Ou prefere ficar de porteiro do Dito-Cujo?
- Falei pra desembuchar, então fala logo, senão...
-...me mata?
- É, te jogo no caldeirão fervendo...Mas me diga, que propsota é essa, branquinha de neve?
- É simples. Meus amigos banqueiros consumidores de heroína subornam até o teu chefe de te colocam full time num bordel de luxo. Você vai ter só que cheirar, comer, peidar e foder. Topa?
- E como tu vai fazer isso, si eu sei que tu não é de nada?
- Eu não apostaria nisso. Mas é muito simples. Você me coloca lá de volta e eu arrumo tudo.

O cara pensa, pensa, acaba concordando. Mas com uma condição:
- Você tem duas horas. Se não conseguir, panelão pra ti.
- E portaria pra ti, não é mesmo?
- Vai, vai.
O recém falecido se safa, volta para casa e telefona:
- Dandan, meu banqueiro favorito? Faz um favor pra mim? Diz pro teu gerente sair de cima que eu preciso retirar aquela grana sem pegar fila. Ele está aprontando lá na porta do banco. Desse jeito o negócio não sai!

RETORNO - Imagem desta edição: peguei daqui.

PORQUE DUNGA NÃO VAI CONVOCAR NEYMAR E GANSO


Mesmo que algum notório colunista esportivo negue, Neymar tentou, sim, cavar a falta no último jogo do campeonato paulista ontem, domingo, dia 2/maio/2010. Isso desestabilizou a partida, que estava ótima. Virou um sururu e o Santos, que perdeu por 3 a 2, ficou com oito jogadores, enquanto Santo André teve dois expulsos. Ganso também aprontou: recusou-se a sair, não quis ser substituído, vibrando um não veemente para o treinador, que cedeu. Só esses dois eventos servem para convencer Dunga a não convocá-los. Indisciplina cevada na celebração exaustiva de uma performance ainda restrita a um campeonato estadual não pode garantir nada num torneio competitivo como a Copa do Mundo.

Bastou existir um time bem montado, focado, talentoso, preciso e objetivo como o Santo André para os “meninos” da Vila entrarem em parafuso. Um gol do azulão aos 36 segundos de jogo e depois mais dois petardos quase tiram o campeonato do Peixe (time que tem como símbolo um mamífero, a baleia). Ninguém nega o talento dos dois craques nem que tenham o direito de ir para a seleção. Mas não agora, em cima do lance, de improviso, quando o time de Dunga está formado e é vencedor. Seria suicídio abaixar a crista para quem quer impor os dois garotos.

A verdade é que esta é mais uma chance de chamar Dunga de teimoso e burro. Como ele ganhou todas, saiu na frente, se classificou em primeiro lugar, apesar das pedras que jogaram nele todos os dias das eliminatórias, e está de novo no topo do ranking da Fifa, então é hora de pegar a brilhante campanha do Santos para pressioná-lo, para provar que ele é tudo isso o que dizem. É o melhor dos mundos para os oportunistas. Pois Dunga não vai convocar (a não ser Robinho) e se perder, será culpado por não ter levado Ganso e Neymar. Esse foi um risco que Felipão correu e se deu bem ao deixar Romário no Brasil em 2002. Mas com Dunga é diferente.

Não há lógica que leve Dunga a convocá-los, a não ser que alguém da posição se machuce e esteja fora. Aí temos a reserva, pode ser. Mas você não pega uma equipe consolidada e coloca dois caras que surgiram agora só para agradar os críticos. Não adianta tentar agradar os críticos, eles são contra Dunga ponto, por motivos que conhecemos. Porque o medíocre do Lazaroni usou a garra do capitão para definir a chamada Era Dunga, que seria a tal hegemonia do futebol força de resultados contra o brilhareco da arte perdedora. É um equivoco atrás do outro.

Agora estão identificando Dunga com a ditadura militar. Verdade. Já li texto que coloca o capitão nas águas de Geisel, que não admitia pressão e celebra Ulysses Guimarães, que só trabalhava sob pressão. Ideologizar um cargo de grande responsabilidade como o de técnico da seleção, incensando o improviso como se Deus estivesse contra o foco do capitão, é de doer. É uma avalanche de má vontade, aparelhada pela reiteração permanente de que estamos numa democracia (os dois craques) e que devemos lutar contra “a ditadura” (Dunga). Vale tudo na pose dos falsos democratas.

Também não cansam de encher o saco do Ronaldo Fenômeno. Chamam o cracaço de Roliço e não sei que mais. Pois aposto que Ronaldo vai decidir o jogo no próximo embate. Gostam de enterrar as pessoas ainda em vida. É preciso parar com isso. Acho uma temeridade querer tirar um toco do hiper plus campeão Vanderlei Luxemburgo. Quando comemoravam o título, os jogadores do Santos gritaram que "a hora de Vanderlei" vai chegar, na quarta-feira, no jogo contra o Atlético, que virou campeão mineiro de novo ontem. Talvez seja a hora de a falta de humildade levar um corretivo.

2 de maio de 2010

OS ELEGANTES DONOS DA VERDADE



A longa censura à imprensa formatou um pensamento hegemônico, elegante, excludente e dono da verdade. É um sistema de valores de origem tecnocrática e roupagem pseudo-literária, flexível, que se adapta conforme as crises do capitalismo vão fazendo estrago e a ditadura vai acompanhando seus patrões, os especuladores internacionais e subsidiários internos. Como funciona esse truque? Por meio da corrupção. Regiamente pagos, os articulistas se mantém sempre a cavaleiro da situação.

Recentemente, um notório jornalista de economia foi flagrado com um projeto cacifado pelo governo no valor de 1,3 milhão de reais por ano. Eram alguns programetes de entrevistas para uma empresa pessoal. Funciona assim: você finge independência na mídia, bate às vezes para pregar alguns sustos e nos bastidores arranca uma grana preta dos seus alvos, as autoridades donas do cofre. Os governos vão migrando de partidos, mantendo sempre o mesmo sistema. Então é uma gangorra, às vezes é um jornalista importante que está por cima, outras vezes é o seguinte. Quando não acontece o case do comentarista de política e economia, tão elegante e independente na Globo, que se passou com armas e bagagens para o governo.

O pior é a clonagem que esses corruptos geram em rede pela internet afora ou a influência que exercem nos mais remotos cantos da opinião. Quem é de algum ramo técnico, ou jornalista de terceiro time imitando seus ídolos em veículos pequenos, disseminam as certezas geradas no ventre do dragão e pontificam em massa contra todo e qualquer pensamento que tenta desmoralizar esse processo. Você, em tese, pode dizer o que acha ser certo, mas o fato é que todos precisam rezar pela mesma cartilha. Sob pena de parecer tosco, obsoleto, atrasado, entre outras qualificações.

Como imagens pelo avesso desses tipos, surgiram os vociferadores de verdades absolutas, que tentam se contrapor sem desmascarar o sistema. Não adianta apenas bater contra, você dará com o nariz no muro. É preciso desativar o mecanismo, como fizeram alguns países, que remaram contra as ordens emitidas da metrópole e se deram bem. Concentrar esforços no mercado interno, ignorar as pressões sobre a moeda, não se submeter à especulação, não atrair capital podre com juros altos só para ter dólar farto e barato (que arrebenta com as exportações), tudo isso pode ser feito, desde que haja democracia. Como, em nosso caso, não há, continuamos entregando a soberania a reboque dos bem pensantes.

O problema é que opinião, como tudo, é mercadoria. Ela adquire um valor conforme o capital simbólico do autor. Se você é um cidadão comum, um jornalista identificado com outras “áreas” (o que é ridículo, pois a área do jornalista é o jornalismo) então está fora. Lembro uma poderosa instituição patronal que pagava regiamente alguns autores de “papers” mensais, o que era apenas o cumprimento de acordo anterior, remuneração de análises publicadas durante a campanha eleitoral da entidade sob a forma de artigo independente.

Como me encheram muito a paciência com meu artigo sobre os crimes de Belo Monte (ninguém me paga para isso, sou gratuito como o vento), resolvi repassar de novo alguns links que informam sobre o que está pegando no assunto. Não gosto de colocar links, acho que o leitor pode muito bem pesquisar no hipertexto, não precisa que lhe repassem as informações. Também acho que atrapalha a leitura, desfoca o olho sobre o texto. Mas, desta vez, é preciso. Aí estão, pesquisados por Ida Duclós:

http://sdcidad.blogspot.com/2010/01/hidreletrica-plataforma.html
http://www.tendenciasemercado.com.br/negocios/pac-2-governo-pretende-construir-54-hidreletricas/
http://lauropadilha.blogspot.com/2010/05/belo-monte-e-o-maior-roubo-ja.html
http://portalexame.abril.com.br/meio-ambiente-e-energia/noticias/epe-diz-ira-licitar-mais-13-usinas-2010-554538.html

E mais:

1. "Viável ambientalmente" é o quê mesmo? http://bit.ly/biAz8h
2. BNDS capta dinheiro com o Fundo Amazonia p/ preservar a Amazonia e financia as empresas que estão destruindo a floresta.http://bit.ly/aWpDCY
3.Em abril, Lula assinou decreto q permite construção de novas hidroelétricas na Amazônia http://bit.ly/clJXw3
4.Venezuela negocia importação de energia elétrica com o Brasil http://bit.ly/b3DFDy
5. Até Miriam Leitao não aguentou o leilão para fazer Belo Monte "Na lei ou na marra" http://bit.ly/bg0gjC
6. Belo Monte power station will be built by Bertin company guilty of Amazon deforestation by cattle and slave labor http://bit.ly/2FmmFB
7.Ministra Meio Ambiente Izabella Teixeira assumiu e demitiu presidente e diretores do IBAMA p fazer Belo Monte e + hidroelétricas na Amazonia
http://www.amazonia.org.br/noticias/print.cfm?id=336696

RETORNO - Imagem desta edição: obra de Botero.