21 de março de 2013

AFAGO



Nei Duclós

Quero o sopro de luz que tua vida exala. Vício da presença poderosa. Ponte entre penhascos.

Consegues desestabilizar o mármore. Que dirá meu gesto, todo dependente do teu afago.

Te nego três vezes antes de o sol se por. Só quando vem a noite te aceito porque me desmancho.

Interrompes o verso com um beijo. Então me esqueço do poema e viro o que tens em mente.

Fui distribuindo a palavra pelas casas. Depois recolhi as que sobraram. Não fazem parte do teu amor que exibes na janela.

Bastou te ver por um instante para a fonte do poema jorrar incandescente.

Desabotoas o coração para que eu possa ver dentro. Lá tem uma flor, feminino sonho.

Só de ti nasce a beleza do que escrevo. Por isso esse desapego. Deixo tudo para ficar contigo.

É simples demais o que digo? Que alívio. Achei que estava refém do lado obscuro do verbo, falando com as pedras.

Por trás da palavra clara há o mapa de mil olhares. Escolha um, adorável.

Acredite, estarei no final da estrada te esperando. Imaginei que vinhas.

Pronto. Falei tanto que te deixei tonta. Sempre desejo que desmaies sobre mim, como nos filmes antigos.

Esqueço o que fiz há 5 segundos.Clico de novo no que estava aberto. Mas lembro do ano inteiro de 1962. Não é a idade. É o amor da memória.

Jogaram tudo no terreno baldio. Lixo, folhas, versos. Depois abandonaram. Nasceram flores diversas. Uma era feita de pétalas do nosso amor perdido.

Tempo perdido é o que não tem registro,quando desistimos da palavra ou do personagem ou da viva estátua ou da tela impregnada.Tempo sem arte.


RETORNO – Imagem desta edição: Penélope Cruz.