28 de fevereiro de 2010

A AMÉRICA DEVORA O MUNDO


O Chile descamba com o terremoto, mas qual foi a grande notícia? As ondas gigantes que iriam atingir o Havaí. Não aconteceu nada, desmascarando assim o discurso de Obama, uma das muitas personalidades fake que representam o poder do mundo. O poder não está neles – de Sarkozy a Kirchner – mas eles são fantoches que se prestam a uma representação perigosa. Obama encarna a vontade e necessidade de mudança que, como definiu Lampedusa, acaba fortalecendo o Mesmo - as coisas precisam mudar para tudo continuar como está.

Quando Obama torce a cabeça para o lado, num cacoete de campanha que acabou fazendo parte de sua natureza, é para parecer incisivo e ao mesmo tempo mostrar seu perfil de estadista. Nunca me enganou. Continua matando muito no Oriente Médio. O que ele quis provar com seu espetáculo pirotécnico em que todas as câmaras do mundo ficaram apontadas para o Havaí enquanto o Chile se partia em mil pedaços? O que importa é a América, não o que eles chamam de Resto do Mundo. Eles são o parâmetro de tudo, mesmo que aparentemente as coisas tenham mudado.

A propósito, vi Crossing Over, do sulafricano naturalizado americano Wayne Kramer, com o politicamente correto Harrison Ford à frente de grande elenco (Ashley Judd e Jim Sturgess, o ótimo Jude de Across the universe, entre outros, como Ray Liotta e Alice Braga). Como sou monoglota, achei que crossing over queria dizer passando por cima, uma referência ao cruzamento da fronteira. Deve ser isso mesmo. Mas vencendo a preguiça (coisa que os críticos que abordaram o filme não fizeram) descobri o óbvio: esse é o nome de uma recombinação genética, “a troca aleatória de material genético durante a meiose”, segundo a wikipédia. Uma solução da natureza em que cromossomas homólogos (mas não irmãos!) resolvem discutir a relação e daí sai uma realidade genética diferente.

A genética é a ciência fundamental da América. A nação wasp (caucasiana) foi incorporando as outras raças, como asiáticos, hispânicos, afros. Mas manteve a diferenciação. Como os cavalos árabes, as pessoas lá são definidas pela sua raça, um conceito já desmoralizado pela ciência em se tratando de gênero humano. O cinema acompanha esse processo. Quando Clint East Wood faz Gran Torino, descobrimos que a América tradicional está morrendo e que a única saída é encontrar identificações mútuas para que a nação, recombinada, continue. Esse é o sinal do carro que é símbolo da América ser herdado pelo coreano baixinho imigrante.

A América de Clint se sacrifica para que a honradez, a honestidade e a esperança prevaleçam sobre o crime e o esgarçamento do tecido social. O velho rabugento continua firme na sua e enfrenta o mal com suas armas conhecidas (que ficam guardadas dentro de casa e são usadas quando necessário). O ex-combatente leva para as ruas a camaradagem de guerra para enfrentar a sacanagem das gangs aplicadas na destruição da América que os acolheu.

Em Crossing Over acontece o contrário. Não se trata de uma retirada de cena para dar espaço para uma nação refeita em outros termos. Mas de uma voragem explícica de todas as outras raças e nações (os “buracos de Terceiro Mundo”, como diz a advogada interpretada por Ashley Judd). A América, nesse caso, devora o mundo e não se adapta ao que a pressiona via imigração. A repressão da era Bush continua em vigor, basta ver que o senado americano acaba de dar sobrevida ao Patriotic Act, a lei que dá plenos poderes à pressão contra a cidadania suspeita de terrorismo. No filme, é representada pela agente do FBI que não cede nada para a advogada dita esclarecida e que não consegue impedir a destruição de uma família “asiática”.

As blitze violentas contra os imigrantes ilegais continuam com a mesma brutalidade e o Harrison Ford faz o trabalho sujo de sugerir de que existe no ventre do monstro alguma humanidade. O funcionário da imigração que prostitui a australiana em troca do green card e o assassino árabe da própria irmã vão para a cadeia. Ou seja, dá tudo certo no final e os vários vetores genéticos que desaguaram na América são selecionados pelos princípios imutáveis da nação imperial, que assim ganha diversidade, mas jamais se transforma.

Gran Torino é a despedida da América e a sobrevivência de princípios universais, como a tolerância e o convívio entre desiguais, a paz na diferença. Crossing Over é a reafirmação da América repressora, que continua selecionando geneticamente os imigrantes para, numa recombinação, manter intacta sua capacidade de devorar o mundo. É de notar que o filme errado é obra de um imigrante, e o certo é de um americano turrão. Assim são as coisas: nada é o que parece e nem devemos nos entregar às evidências.

RETORNO - 1. Imagem desta edição: Harrison Ford e elenco de Crossing Over. 2. Nem queria comentar porque o assunto fede, mas vocês viram o Tarantino baixando as calças para os chefões de Hollywood, feliz da vida diante dos "membros" do poder da indústria por ser agora um cara aceito e não mais um outsider? Bem que eu avisei. O enganador é desmascarado e deixa na mão sua legião de fãs, que acham sua obra o fino da transgressão.

25 de fevereiro de 2010

QUANDO OUVIR É VER E VER É NÃO ENXERGAR



A diferença entre os dois filmes – A Cor do Paraíso (1999), de Majid Majidi, e A Mulher Invisível (2009), de Cláudio Torres, é brutal. Mas quando se trata de cinema, tudo conflui para percepções afins.

Em A Cor do Paraíso, a natureza pode ser lida pelo alfabeto Braille. O menino Muhammad (interpretado por Mohsen Ramezani, que é cego) tenta enxergar o que o cerca por meio da lógica oferecida por seqüências de eventos: folhas mortas, galhos, sons de pássaros, água corrente, barro. O tato ajuda a ouvir, que o leva a ver, à sua maneira. Mas ele está cercado pela cegueira dos que enxergam. Do pai, que se sente injustiçado pela vida e quer se livrar dele. Do professor da escola do interior que fica pasmo diante da sua capacidade de leitura das lições de aula. Dos colegas das irmãs, que se debruçam para tentar decifrar o segredo de sua alfabetização, aprendida numa escola especial.

O pai se assusta com o que ouve, porque não tenta descobrir o sentido oculto das manifestações só percebidas por outros sentidos. Preso pelo que vê de maneira tão limitada por sua dor e preconceito, o pai se transforma num personagem trágico, que encontra o mesmo desfecho de Zampano (interpretado por Anthony Quinn) de La Strada, de Fellini, o saltimbanco que ao perder o amor da sua vida urra de remorso na praia deserta.

O que está próximo demais não pode ser percebido. É preciso distância para experimentar a fundura da falta, entender a natureza da dor, avaliar a intensidade do amor. A avó e as duas irmãs, que vivem longe do menino durante o ano letivo, redescobrem o prazer da fraternidade no reencontro, assim como a avó, agricultora que extrai das flores a cor necessária para o tapete consagrado ao seu Deus. Todos fazem parte do mundo que o menino impedido de ver enxerga com sua concentração e devoção.

É cinema total. Nós vemos o que há na tela, mas o protagonista menino abre uma janela maior para o que ele ouve e toca. Aprendemos a enxergar o que ele não percebe pelos olhos, mas nos mostra com seu talento. O filme assim é sobre duas camadas superpostas de cinema: o visível e o oculto, ambos explícitos. A tragédia que se abate sobre tudo tem a ver com a incapacidade do protagonista-chave, o pai, de acumular essas percepções aparentemente dispersas. Ele se tortura com o fato de ter um filho cego, e assim se fecha para as chances da própria redenção.

Já em A Mulher Invisível, de Cláudio Torres (diretor do excelente Redentor) ocorre ao contrário. O protagonista enxerga demais: a mulher ideal, uma visão não compartilhada com ninguém. No fundo está cego para a própria loucura, pois acaba de sair de pesada desilusão amorosa intensificada pelo fim do casamento. Ele se refugia no invisível para torná-lo real. Entrega-se ao que vê e não decifra o que, para os outros, está oculto, mas explícito: uma presença virtual com força física, pois interfere nos gestos do protagonista (Selton Mello, excelente aqui).

O que nós vemos é uma exceção, e que só o amante transtornado enxerga, uma criatura não enquadrada na realidade convencional. Em tese, ela faz parte do mundo dos desejos, como querem os Rosacruzes, ou do imaginário. Pedro (Selton Mello) e Amanda (Luana Piovani) reconhecem que Amanda não existe. Ao compartilhar com a mulher ideal o que enxerga, e que para os outros não é visto, ele encontrou uma forma de fazer valer sua visão seletiva. Está preso a ela, como o pai de A Cor do Paraíso. E isso é sua danação.

Mesmo quando faz as pazes com a amada real (que por um tempo foi confundida com outra alucinação), ele traz como encosto a gostosa que inventou para se compensar. Pior para o pai do filme iraniano, que perde a noiva, a mãe e o filho, numa sucessão de castigos por seus erros. Pois, se o filme brasileiro encontra saída para o desespero, por meio do convívio com a loucura, no iraniano, nada tem volta. Ficam apenas as imagens, belíssimas, de uma saga partida.

RETORNO - Imagens desta edição: na foto de cima, o premiado ator Mohsen Ramezani; na segunda foto, Selton Mello com as "irmãs" Maria Manoela e Fernanda Torres. Luana (excelente, quando bem dirigia)? Ela tem um blog. Vai lá.

24 de fevereiro de 2010

PERCEPÇÃO E FATO


Nei Duclós

O fato de existir planeta é indiscutível. Todos sabem que é absolutamente normal uma criatura gigantesca, cheia de água, animais e gente, boiar no cosmo frio ao redor de alguma estrela contando apenas com a força da gravidade. O que deve se colocar em debate é a hegemonia dessa evidência sobre outra, a da existência de países.

Vista do alto, a terra é um conjunto geográfico e não político. Suas riquezas e recursos se espalham independente das fronteiras, tornadas reais por força de inúmeros acordos, por sua vez fruto de conflitos de longa duração. Uma linha divisória é a garantia de paz na diferença, mas hoje é moda pregar o seu fim como sinal de ultra-modernidade. Como se o mapa-múndi, tornado obsoleto, representasse um fato que todos procuram superar.

Quando há crise e um país não consegue resolver coisas banais como escoar água da enchente ou evitar milhares de mortes no trânsito, cresce o sentimento de universalidade. Que no fundo é abandonar o verde-amarelo e vestir logo a camisa do Milan. É o sonho de viver longe de monstruosidades como o assassínio frio de crianças ou o roubo explícito dos recursos públicos.

O abandono da idéia de pátria em função de algo maior não passa de instinto de sobrevivência, quando se emigra para nações que exibam condições econômicas e sociais opostas às nossas. A percepção ideal é ser do planeta quando o fato é sumir para um país remoto, já que a vizinhança ameaça com os mesmos problemas endêmicos.

Eliminar a idéia de Brasil como solução final faz com que o país seja visto como a porção mais generosa dessa terra de ninguém vislumbrada pelos satélites. O resultado é que Itália e França ficam na Europa, os Estados Unidos na América do Norte, mas só o Brasil fica no planeta. Quando abordam nossa realidade, enxergam florestas e instintos selvagens, além de uma pujança de leões jovens, como se nossos índices produtivos obedecessem ao impulso dos predadores das savanas.

Numa nação existe o sentimento de pertença, mesmo com as ameaças, confusões e problemas. Ela costuma ser maior do que a emergente idéia de fazer parte do sistema solar. A verdade é que, mesmo quando queremos ser universais, não nos apresentamos como seres planetários, mas como cidadãos do mundo. E cidadania implica passaporte e não apenas lagos ou montanhas.

RETORNO - 1. Crônica publicada no dia 23 de fevereiro de 2010 no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: tirei daqui.

FALKLANDS: O QUE É POLÍTICA EXTERNA?


Desde os anos 1830 as ilhas chamam-se Falklands e fazem parte de um outro país. Por estarem situadas a 450 quilômetros da Argentina não significa que devam pertencer, obrigatoriamente, a ela. A culpa geográfica dos britânicos é estarem a 13 mil quilômeros desse território. Isso é um estopim permanente. Qualquer coisa pode virar guerra. Agora é a vez do petróleo, mas podia ser qualquer outro motivo.

Mas o presidente Lula, que considera a platéia internacional uma claque de botequim, acha um absurdo que um território estrangeiro não seja simplesmente anexado só pela proximidade geográfica. Se é esse o caso, então temos direito á Argentina, que fica ao nosso lado.


Uma coisa que o governo Lula não entende é a natureza da política externa. Talvez não saiba os motivos de um chefe de estado alemão ser o chanceler. A verdade é simples e cristalina. A política externa existe em função da política interna. O Brasil não tem nada a ver com Honduras, França, Malvinas, África. Não tem que meter o bedelho em Israel, Palestina, ou o que seja. Precisa apenas cuidar da sua política interna. Quando essa política interna tem vínculo, relação com os países estrangeiros, aí o Brasil deve interagir. Mas não se meter assim porque se acha.

Não pode, portanto, mandar tropa para o Haiti. O que o Haiti tem a ver com a nossa política interna? Nada, estamos lá de metidos. Agora, se compramos gás da Bolívia e a Bolívia nacionaliza empresas brasileiras, então precisamos agir. Se o Chavez resolver anexar o Acre, precisamos agir. À parte isso, nada temos a ver com a revolução bolivariana, eles que se vistam de vermelho e citem Trotski o quanto quiserem.

África, por exemplo. Cultiva-se a culpa de o Brasil ter trazido milhões de africanos para serem escravos aqui. O que temos a ver com isso? Nada, essa foi uma realidade de quatrocentos, trezentos, duzentos anos atrás, a cargo de outras pessoas. Não podemos agora ficar incensando a Africa porque temos uma divida com ela. Nem devemos ficar perdoando empréstimos, como o Lula fez a três por quatro, dando força para inúmeros estadistas suspeitos do continente africano. Precisamos impedir que haja escravidão, preconceito racial, exclusão, mas não se chibatar em função de uma culpa histórica.

O que precisamos é ficar atentos com as empreiteiras que enriqueceram com o dinheiro público aqui e estão agindo na África com esse cacife acumulado. Nosso caso africano é com as negociatas das megaempreiteiras. Ou seja, o governo precisa intervir contra essa interferência e não ficar sentindo culpa por ter escravizado africanos.

A França nos interessa na medida em que a indústria de armas consegue contratos milionários superfaturados aqui dentro. Não porque tenham a Torre Eiffel ou exibam a Carla Bruni. Se Honduras expulsa o presidente porque quis dar um golpe maroto usando as eleições, o Brasil precisa se fechar. Por que? Porque Honduras não faz parte da política interna, portanto não interessa, muito menos suas eleições ou golpes.

Hoje os ingleses e os holandeses estão pesquisando os reais motivos do envolvimento dos seus países na guerra do Iraque. Na Holanda, me explica meu filho Daniel Duclós, o daniduc (que me visitou com sua querida esposa Carla aqui na ilha), e que mora lá, a briga tem a ver com a política interna do país, com luta pelo poder. Não é porque a Holanda tenha a ver com a luta contra o terrorismo, mas porque enviar ou não tropas tem a ver com os conflitos internos.

Mas a Holanda é uma invenção da engenharia hidráulica e uma determinação do povo e seus governantes, enquanto o Brasil é um continente que se construiu num processo bem mais complicado. Nossos vizinhos estão longe, e estamos envolvidos no projeto internacional de especulação financeira porque deixamos frouxo e barato. Os governos brasileiros adoram entregar o país, deve ser sinal de status. Então, não adianta fingir macheza quando baixamos as calças para a extorsão. Nosso relacionamento internacional deve ser pautado pela soberania. Impedir que suguem todos os lucros produtivos e financeiros, que comprem matérias-primas adoidado é a missão de um governo decente.

E não ficar tomando partido do Irã, da Venezuela ou da Argentina. É preciso enquadrar os estrangeiros nos nossos interesses e não ficar viajando fazendo discurseira sem sentido.

RETORNO - Imagem desta edição: o monumento ao Barão do Rio Branco na praça do mesmo nome, bem no coração de Uruguaiana: o estadista que sabia o que é política externa e por isso nossa política interna conquistou inúmeras vitórias.

23 de fevereiro de 2010

NOVOS SUCESSOS NAS LIVRARIAS


A lista de best-sellers não pára de crescer. Este jornal fez nova pesquisa e constatou as seguintes tendências:

EU VOU TE ENGAMBELAR - De um guru da auto-ajuda, consultor de celebridades obscuras. Inclui cd de hipnose. Enquanto ele te hipnotiza, te bate a carteira.

HEDIONDO(A)! – Livro de auto-ajuda dirigido aos e às mal amad(o)as. Ensina técnicas de xingamentos antes e depois de dar ou comer adoidado sem olhar a quem.

O BATEDOR NO CAMPO DE ESCANTEIO - Técnico de futebol aposentado que odeia dar entrevistas ensina como ser adolescente irado a vida inteira.

NÃO SEJA CORRETO, SEJA VIADINHO – Especial para aspirantes às redações cool, cult e upt-to-date. Ensina como espigar o cabelo com gel e a ter barbichinha..

1001 DÚVIDAS EM JAVANÊS - Para os mandriões que enganam empregadores excêntricos sobre essa língua que só existe no conto de Lima Barreto (obrigado pela correção, Olsen Jr.!).

O PEBOLIM PERDIDO - Mapa completo para encontrar jogos de pebolim fabricados nos anos 70s. Acompanha frases óbvias num tom de provérbio milenar.

CAPCIOSA – Para moças esqueléticas que queiram fazer sucesso nas passarelas. Dá o telefone da turma do gargarejo, os milionários que cacifam os desfiles de moda.

O HOMEM QUE PODIA - Áudio-livro para ser lido em voz alta puxando as extremidades da boca, para que o P vire F. Sobre o Nobel da Paz que mata sem querer.

COMPORTE-SE COMO A MADONA, PENSE COMO UM LOBISOMEN – Manual para predadores em potencial. Na compra, ganha saco de grife para amealhar milhões.

ELEIÇÕES ROUBADAS – Ensina em dilmês fluente como escolher os candidatos que vão para o segundo turno, disseminando a boa nova de quem já é o vencedor.

ATLAS DA IDIOTIA HUMANA - Roteiro prático para identificar imbecis em qualquer parte do mundo. Vem com um espelho. Custava U$ 100, agora vale R$ 1,00.

RETORNO - Imagem desta edição: cartaz da Feira de livros usados, Romainmôtier, Suíça. Para lembrar que livro bom, só indo nas fontes verdadeiras. 2. Celebro dez mil acessos para minha reportagem Menotti del Picchia: as muitas faces do poeta. Publicada originalmente na revista Santista. Pauta do jornalista Fernando Poyares. 3. Diálogos do poeta Ricardo Silvestrin com seus pares agora na Cronopios. Por enquanto, o primeiro diálogo da lista, comigo. Grande Silvestrin. 4. Antes da Cronopios, o blog Vidráguas, da poeta Carmen Silvia Presotto, já tinha divulgado nosso diálogo. Grande Carmen: com poetas solidários, a poesia só tem a ganhar.

22 de fevereiro de 2010

MUITO ABAIXO DO PETRÓLEO


O ministro Linóleo Bólio foi recebido em caráter de urgência pelo presidente Prospectus Erectus. O assunto era explosivo: tinham descoberto, muitos quilômetros abaixo da sueperfície totalmente tomada pelo petróleo, algo parecido com o Mar, entidade mítica que existia nos relatos muito antigos. A alta tecnologia desenvolvida para procurar água no planeta oleoso era considerada caríssima pela oposição, totalmente fundamentalista, que não admitia a mudança de paradigma da civilização petrolífera. O mundo era petróleo e nada iria mudar. Nem mesmo uma grande descoberta:

- Mas me diga, Linóleo, o que descobriram de fato?
- Uma gigantesca reserva de água salgada, totalmente azul, com ondas brancas, que banha lugares de areia fofa e fina, tudo com um cheiro agradável, cheio de peixes, cheio de vida!
- Como pode ter certeza disso? Não existem peixes, apenas nos arquivos.
- Foi tudo fotografado, excelência. Os peixes saltam para fora da superfície. Há de tudo: golfinhos, baleias, algas marinhas, uma maravilha.
- Mas isso tudo está soterrado embaixo da rocha?
- Sim, será preciso desenvolver mecanismos seguros para explorarmos esse tesouro oculto nas entranhas da Terróleo. Poderemos vender Mar para quem quiser e puder comprar.
- Mas o que há de proveito no Mar que nós, da civilização do petróleo, não tenha? Temos tudo: carros, caminhões, máquinas de todos os tipos, tudo movido a diesel, gasolina. Para que Mar? Não vejo utilidade nenhuma.

O ministro suspirou. Era difícil convencer o estadista que aquela descoberta iria revolucionar tudo, que as pessoas descobririam como é chato viver com a pele suja de petróleo. Todos iriam querem Mar, Mar, Mar. E praia, meu Deus, como dizem os livros antigos. Mas a dúvida tinha fundamento: como transformar isso em ouro? Há muito que existia uma grande crise, pois o petróleo dominava e era praticamente de graça. Tinham conseguido extrair todo o petróleo da terra e ela tinha virado uma coisa só, pegajosa, imunda, que acabou endurecendo e soterrando fontes, planícies, lagos, e desconfiava-se até o antigo Mar. E que agora se revelava de maneira bizarra, oculta, mas intacto, a sete quilômetros da superfície.

- Podemos inaugurar uma colônia de férias no subsolo. Venderíamos caríssimo o privilégio de navegar no Mar e tomar banho na praia. As pessoas iriam adorar se livrar dessa merdalhada toda que nos envolve.
- Você acha ruim Linóleo? O petróleo está no seu sangue, você é o petróleo! Não, não iria dar certo. Vamos esquecer isso.
- Mas excelência, poderíamos repartir os royalties advindos dessa riqueza.
- E quem iria pagar os royalties?
- Ora, os marcianos, eles sonham com o Mar. Odeiam nos visitar e só ver petróleo. Um mergulho lá e eles pagariam os tubos para nós, que acha?
- Metade para mim, metade para vocês?
- Fechado!

19 de fevereiro de 2010

ARMADILHAS DO SABER


Há várias etapas do saber. Primeiro, acumular. Depois, ou ao mesmo tempo, articular. E finalmente dar rumo ao organismo que você encontrou ou forjou no caminho do saber. Não basta empilhar informações ou sabedorias. Nem encontrar nelas um mecanismo ou um relacionamento (ou mesmo não ver sentido nenhum, o que vem a ser também, pelo contraponto, uma forma de relacionar). E nem fazer a criatura celebrar nulidades.

O falso conhecimento é desmascarado em qualquer uma das três etapas. Quando você acumula só para despejar em cima dos outros, afugenta os interlocutores. Quando você encontra um rumo no que sabe que contraria a lógica mais elementar é pego em flagrante. E se você usa suas sacadas para roubar o próximo nem é preciso dizer: você é um pilantra, não um sábio, por mais entendimento que acha que tem. Ou por mais politicamente correto que goste de parecer.

Veja bem que nem falei em ética, mas deveria. A palavra gasta enfraquece a argumentação. Vamos falar em vergonha na cara. Ou em respeito. Ou em insubordinação legítima. Se você viu todos os filmes, leu todos os livros sobre cinema e acha o Tarantino o máximo então você já entregou a rapadura. Não se pode acumular, articular e dar rumo a tudo o que foi dito e pensado sobre a Sétima Arte para incensar uma nulidade perversa que foi inventada depois do sucateamento do cinema de autor.

Pois foi isso o que aconteceu. Não temos mais grandes cineastas, com exceção de alguns exemplares avulsos que não representam a cinematografia de hoje, já que pertencem a outra época, mesmo que ainda estejam na vanguarda, como Godard. Ou que estejam na ativa, como André Wadja e Clint Eastwood. O que prevalece são os de segundo time, comparados aos gênios. Não temos nada que chegue aos pés de John Ford, David Lean, Luchino Visconti, Federico Fellini, Stanley Kubrick, Akira Kurosawa. Temos bons, como Woody Allen, Roman Polanski, Irmãos Cohen, Wong Kar-Wai, Gus Van Sant, que estariam na faixa dos bons de antigamente, de Dino Risi a Arthur Penn.

Por que não temos mais gênios no cinema? Porque as chances de produção libertária a cargo dos Maestros acabaram. Depois do macartismo dos anos 50, o cinema começou a entrar em decadência até chegar ao auge da repressão e do direitismo com toda a produção da Era Bush, integralmente voltada para a segurança imperial e para a celebração de heróis da CIA, FBI etc. Mas o que colocar no vácuo deixado pelos autores que sumiram? Foi fácil. Guindaram, com o apoio da mídia comprada e da soberba imberbe (a que acha que sabe tudo sem ter parâmetros) criminosos frios como Martin Scorsese e Quentin Tarantiuno ao status de grandes realizadores. São comerciantes de última categoria. Acumularam informações sobre a História do Cinema, as articulam para celebrar a violência sem sentido, a que serve para assustar e a provocar gozo masturbatório.

Então, não há como tratar a pão-de-ló quem vem com conversa de isenção e democracia para impor a idéia absurda de que o imbecil do Tarantino tem algum valor, só porque “cita” (na verdade, chupa e chupa mal) cineastas importantes. Tarantino um dia falou que a violência existe para ele poder filmá-la. Fico imaginando, sem desejar mal a ninguém, o dia em que ele for confrontado com a situação em que adora reproduzir nas suas arengas cinematográficas. Vai fatalmente se borrar, pois seu cinema é pura covardia.

Tratar a guerra como uma brincadeira é típico de quem não participou dela. De quem vive no bem bom enquanto o mundo descamba. De quem tem todas as garantias da impunidade para reproduzir ao infinito suas taras pessoais sem a grandeza psicológica de um Hitchcock, o criador das mais poderosas imagens do nosso tempo, segundo Godard. Querer comparar o diretor de Psicose com o imbecil de Bastardos Inglórios diz tudo sobre os que chegam para consolidar o sucateamento teórico do cinema.

RETORNO - Imagem desta edição: Alan Arkin em Catch 22, de 1970, de Mike Nichols, um filme importante sobre a insanidade e a guerra. Um parâmetro para colocar nos eixos quem investe admiração em aproveitadores.

16 de fevereiro de 2010

HISTÓRIA E SUOR


Nei Duclós (*)

Entre a História oficial dos livros escolares e as narrativas de ex-combatentes nos serões da minha casa sobre as revoluções brasileiras, cevei por longo tempo uma olímpica indiferença em relação ao passado. Chegar aos 20 anos de idade no fim da década de 1960 só contribuiu para manter essa postura. Imaginava que era perda de tempo ficar debruçado sobre coisas antigas enquanto o mundo explodia em novidades ao redor.

Esse equívoco me fez perder várias oportunidades. Uma delas foi não entrevistar como se deve meu tio sargento, paramédico de campanha, que participou das guerras de 1924, 1930 e 1932. Quando comecei a perseguir o assunto, depois da terceira década de vida, já era tarde. Minhas testemunhas começaram a ir embora, entre elas meu pai, jovem de 18 anos na revolução que derrubou a República Velha. Outra chance perdida foi não ter paciência para ouvir as histórias de Samuel Wainer, o fundador da lendária Última Hora, com quem trabalhei em 1977 no seu semanário Aqui, São Paulo.

“O que é isso, meu filho?” dizia Samuel, recém vindo do exílio. “Não queres ouvir História do Brasil ao vivo?” Até que me interessava, mas eu tinha outros compromissos. Mal sabia que o foco estava ali, naquele personagem envelhecido, que com pouco mais de 60 anos parecia ter 80. Entre suas lembranças estava a campanha de Getúlio Vargas nas eleições de 1950 no Nordeste, em que a comitiva do candidato se viu diante de “cenas de Portinari” da população miserável.

Mas esses depoimentos foram reunidos em inúmeras fitas K7, mais tarde editadas pelo texto impecável do jornalista Augusto Nunes no livro de memórias “Minha razão de viver”. Agora leio sobre a revista Diretrizes, fundada por Samuel Wainer em 1938 e que sobreviveu até 1944 ao se desentender com o Departamento de Imprensa e Propaganda – órgão oficial do Estado Novo que tinha em seus quadros, por um tempo, a presença da escritora Clarice Lispector.

Os acontecimentos e pessoas que nos antecederam exercem uma profunda atração, mas isso demanda trabalho, fôlego, espírito livre. Talvez, na minha juventude, o excesso de convicções não permitia a diversidade de pontos de vista exigida na árdua pesquisa. A indiferença nasce dessa defasagem entre o suor da necessária concentração e a ilusão passageira do eterno presente.

RETORNO - 1. Imagem desta edição: mudei para esta foto, em que aparecem Clarice Lispector, seu marido Maury Gurgel Valente, Apolonio de Carvalho, Samuel Wainer e Daniel, cunhado de Apolonio. Paris, 1946. Fonte: Acervo pessoal de Pinky Wainer 2. Crônica publicada nesta terça-feira, dia 16 de fevereiro de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.

15 de fevereiro de 2010

O CARNAVAL DAS NULIDADES


Madona leva a tiracolo um garotão pobre e sarado que ela sustenta, e recebe um milhão de dólares (deve ser dinheiro público, descontado do imposto de renda para “projetos culturais”) para subir no camarote do Sambódromo e descer no desfile e atrapalhar a Viradouro. Tudo com o aval do bobalhão do Sergio Cabral, acompanhado por outras nulidades notórias. Para isso “nos livramos da tirania” e “derrotamos a ditadura”: para sustentar a pão-de-ló esse tipo de trolha. Mientras tanto, a mídia impõe comentaristas imbecis para os desfiles e tudo está relacionado com a patifaria do bigbrother. É o pior dos mundos.

Um baile de rua para crianças aqui numa praia da ilha tinha som altíssimo com música de baticum. Verdade. Nem uma migalha de uma marchinha. Como não há mais carnaval, passei o tempo de outra forma. Assestei baterias, no Twitter, contra o pesadelo da linguagem. Tem tudo a ver: como imprensa estimula, as celebridades fazem o que querem. É importante usar o Twitter, que está sendo pesquisado para virar um instrumento fascista para educação metida a de vanguarda. Cuidado. A internet é arena para a expressão e a militância de espíritos livres, não para a fascistização da sociedade. Vamos aos tuits:

Veja as imagens do atentado, diz a manchete. Você clica e aparece o pessoal indo para o hospital, chorando. Onde está o atentado?

Não tem mais ninguém nas redações.Criaram um sistema que redige automaticamente as notas. E que títulos: Meirelles vê, Embraer diz.

Redações às moscas, cacófatos: ouve assentada suspeita, acusada de invadir, Ivete canta diz que está de cavalo. Tudo publicado.

Redação às moscas: Tem o "Operação da PF mira homem de Paulo Octavio". Nunca tinha visto "mira homem". Eles inovam.

"Mata ao menos" compete com "suposto" e "dia desses". Tem o "se vivo fosse faria hoje 140 anos". Redações às moscas.

Nada mais irritante do que você há de convir.

Nada mais ameaçador do que depois dos comerciais, Bigbrother Brasil.

Nada mais liso do que me liga. Nada mais brutal do que o teu trabalho é bom, mas. Nada mais aterrorizante do que precisamos conversar.

Nada mais frustrante do que veremos isso mais tarde. Nada mais excludente do que falo contigo depois. Nada mais fingido do que boa pergunta.

Nada mais igual do que fazer a diferença. Nada mais previsível do que fora de série. Nada mais omisso do que fazer a lição de casa.

Quem sacode afirmativamente a cabeça no final das frases, sem dizer palavra, está esperando que a lenta platéia chegue às suas alturas.

Reflexão não precisa de convite.

Bonner orgulhosamente chama o helicóptero. "Aqui do alto, vejo problemas lá embaixo", diz o repóer sobrevoando o congestionamento.
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"O objetivo do time, claro, é ser campeão.O último toque é do atacante, é tiro de meta".Um jornalismo esportivo que só falta perguntar, como a personagem de Nelson Rodrigues, quem é a bola.

RETORNO - As fotos de Madona no camarote estão aqui.

13 de fevereiro de 2010

PORQUE TARANTINO NÃO PRESTA


Cedi às pressões da locadora e das repercussões da crítica e tirei o Bastardos Inglórios, do Quentin Tarantino. Como é um filme caro, com excelentes atores (como Brad Pitt imitando Orson Welles) e é mais uma obra de um cineasta que foi colocado no lugar vago dos grandes criadores, pode-se ver com mais clareza porque esse sujeito não presta. Não vale dizer: “Mas ninguém presta, somos todos isso ou aquilo ou de perto ninguém é normal”. Não se trata disso. Não presta por vários motivos, explícitos neste lançamento badalado em Cannes e que não passa de uma reverendíssima porcaria. Vamos a esses motivos

DRAMATURGIA AUTISTA E INCONSISTENTE – Todo trabalho de Tarantino pode se resumir numa cena de tortura entre um algoz e uma vítima, num diálogo interminável entre o assassino e o pandorga que acaba se enredando (quando estão Dennis Hopper e Cristopher Walken em cena, num filme em que ele é só um dos roteiristas, funciona, mas o excesso de uso acaba melando tudo). É uma situação recorrente, voltada para si mesmo, andando em círculos para chegar a lugar nenhum. O desfecho óbvio é o tiroteio deslavado na família escondida no porão, o estrangulamento da atriz traidora, a mortandade no bar, o escalpelamento depois do interrogatório etc. O filme é só isso o tempo todo. A trama não evolui, não encontra uma saída, pois está desenhada desde o início para o final de sempre. Para manter a escrita, o filme acaba num grande incêndio e numa sanguinolência explosiva.

ENFOQUE APELATIVO - Criar uma vingança militar dos judeus na Segunda Guerra, além de uma mentira histórica, é uma forma de apoiar a atual política repressiva no Oriente Médio. O filme assim garante o financiamento das fontes que sempre acobertam esse tipo de coisa. Justifica o massacre invocando uma vingança anacrônica. É proibido falar disso pois corre-se o risco de ser enquadrado como anti-semita. Mas um espírito livre não teme enquadramentos e diz o que deve dizer. A violência assim deixa de ser gratuita nos filmes de Tarantino: trata-se de uma violência aparelhada, a favor dos poderes que hoje tocam fogo no mundo.

MENTIRAS SOBRE CINEMA - Todo filme é sobre cinema e este de Tarantino não foge à regra. Só que com ele o buraco é mais embaixo. Bastardos Inglórios debocha do cinema alemão. Omite Fritz Lang ou Murnau para entronizar a cineasta nazista Leni Riefenstahl. Assim fica fácil: é brincadeira colocar as porcarias cinematográficas sob o signo de Hitler como representativas do esforço alemão de se tornar tão importante quando o cinema americano. O cinema europeu, de autor, dá um banho no cinema show de Hollywood, mas Tarantino mostra de que lado está. Por isso todas as citações, tão celebradas pela crítica deslumbrada, não passa de artificialismo bocó de um mentiroso profissional.

FARSA PERVERSA - Quiseram enquadrar a porcaria como se fosse filme de humor, como se o gênio Tarantino estivesse tirando um sarro de quem o leva a sério. O sujeito não faz comédia, não tem estatura para isso. Ele cai na farsa perversa, relativizando todo o horror da II Guerra, pois os nazistas mais ferrenhos são, no fundo, contra Hitler, e os judeus que foram massacrados surgem como mocinhos do faroeste. Que isso não seja denunciado quando o filme aponta nas telas diz tudo sobre a subserviência com que a crítica, cheia de mordomias, trata as bombas do entretenimento internacional.

RETORNO - Imagem desta edição: Brad Pitt em "Bastardos Inglórios", fazendo uma paródia do Orson Welles de Cidadão Kane (Brad presta). Não vou citar os outros atores nem dar ficha do filme. Está tudo no Google.

11 de fevereiro de 2010

IDIOTIA EM AMPLO ESPECTRO: ALGUNS EXEMPLOS


O pior da imbecilidade que tomou o poder na política, na economia, no comportamento e na mídia, é que ela deixa descendentes e se perpetua, mantendo marginalizada a luz do entendimento básico. Tenho notado alguns exemplos dessa realidade sinistra:

ÚLTIMA HORA - O jornalista Benício Medeiros lança livro sobre o fim da Ultima Hora, de Samuel Wainer (A rotativa parou), e a Folha, ao dar a notícia, coloca o chapéu (aquela palavrinha em cima do título) Literatura e não Jornalismo. No texto, o idiota que aborda o assunto insiste na tese de que as redações antigas eram românticas e se diferenciavam das de hoje que são um espetáculo de técnicas de comunicação.

Colocar link não é técnica de comunicação. Nem ficar repetindo lead ao longo da matéria, que é um vício do noticiário on line. O helicóptero caiu matando o piloto, diz o primeiro parágrafo. O helicóptero, que caiu matando o piloto, diz o segundo. O helicóptero caiu matando o piloto diz o terceiro. Dá vontade de amassar e colocar no lixo, mas o troço é feito de luzinhas, não dá. Um texto desses nem chegaria a ser confeccionado numa redação antiga, pois os idiotas eram barrados no primeiro vagido. Hoje chegam à chefia.

Nas redações antigas, diz Benício, que é um veterano respeitado, os jornalistas eram escritores. Claro, para ser jornalista era preciso saber escrever e não ser adepto da literatice minimalista de hoje (“dia desses”, por exemplo). Se o idiota que fez a matéria soubesse que literatura é o uso intensificado de todos os recursos da linguagem, poderia usar o seu chapéu. Mas como tem preconceito contra redação antiga, acha que pode confinar o jornalismo clássico à ficção e à incompetência técnica.

Na época, como a internet hoje, existia o rádio, que estava no auge e dava noticia quente a toda hora, mas as pessoas faziam fila para comprar o Globo, a Ultima Hora, o Jornal do Brasil, pois lá tinha o essencial: grandes reportagens, excelência da linguagem. Mas quem pode contra a hegemonia da imbecilidade pontificando sobre o que não sabe e nem viveu?

GETÚLIO E O FUTEBOL - A calúnia histórica contra Getúlio Vargas jamais baixa a guarda, está sempre em atividade. Não basta destruir o Brasil soberano, é preciso mentir todos os dias para convencer sucessivas gerações que a merda de hoje é que é a boa e que os anos governados pelo grande estadista foi uma época sinistra . Agora foi a vez da historiadora Melina Pardini, da USP, com o mestrado A Narrativa da Ordem e a Voz da Multidão: Futebol na Imprensa durante o Estado Novo.

Sabe o estádio do Pacaembu, a jóia dos estádios brasileiros, até hoje um exemplo de modernidade e design? Foi um “artifício de controle ” da ditadura estadonovista, segunda a acadêmica. Sabe a seleção brasileira, que pela primeira vez foi representativa de todo o país (copa de 1938, quando ficamos pela primeira vez entre os quatro maiores) quando Getulio estava no poder? Foi outro “artifício”. devido à "preocupação com a unidade nacional. O governo propiciou a criação de uma seleção com os melhores jogadores para promover o futebol brasileiro no exterior." Isso lá é artifício? Isso não seria política pública responsável? Na Era Vargas, até o suspiro de Getúlio vira suspeito.

Vejam como Getúlio era malvado. Também havia preocupação em disciplinar as torcidas. Por isso vemos as multidões bem comportadas na época. Hoje são um bando de gangsters que tomam conta dos estádios. Hoje é que é bom.

O GENERAL DEMITIDO – Os covardes adoram debochar das Forças Armadas e a demissão do general Maynard Marques de Santa Rosa serviu para inúmeras manifestações de idiotia na internet. Mas o problema é que o general denunciou o projeto da Usaid americana no Correio Braziliense há dois meses , um projeto que queria engolfar grandes áreas do Brasil e colocá-las sob a hegemonia das Ongs dita ambientalistas. O veto do general Santa Rosa impediu que o troço fosse adiante. Mas a idiotia impera e o bom é querer retaliar a “ditadura militar”.

Pois, meninos, eu vi e ninguém me contou. Antes do golpe de 64, tínhamos, como hoje, os falsos corajososo falando pelos cotovelos e gritando contra os gorilas e tubarões. Foi só os raposões políticos da direita e a porção entreguista (anti-nacionalista) da Forças Armadas (a nacionalista foi perseguida) darem um peido para todo mundo se jogar literalmente nas embaixadas. Onde estavam os machões? De rabo entre as pernas. E foi assim que perdemos o direito de ter governos trabalhistas legítimos, pois o golpe foi contra a herança de Getúlio.

Quem proporcionou a ocupação brasileira da Amazônia? Getúlio Vargas e seu ministro João Alberto, com a Operação Xingu. Hoje toda aquela porção brasileira está na mão da cobiça internacional, que sob a desculpa de defender os índios e a biodiversidade querem tomar conta de tudo, pois a riqueza está lá. E quem se insurge, emite sua opinião contra as sacanagens (Santa Rosa falou mal da denominada Comissão da Verdade do decreto dos Direitos Humanos), basta se manifestar, para os democratas de careirinha caírem em cima.

É a idiotia a serviço da tunga do butim. O dinheiro público e o patrimônio sagrado da nação estão nas garras dessa canalha. Fora, basta. Chega, porra!

RETORNO - 1. Imagem desta edição: briga de torcidas. Hoje sim que é bom e não aquele bom comportamento da Era Vargas. O negócio é deixar as bestas fazerem o que bem entenderem para provar que o povo é isso mesmo. 2. Momento de Uruguaiana: jornal da minha terra estreia site novo e mostra como fazer bem feito na rede e no impresso.

9 de fevereiro de 2010

BEST- SELLER É TÍTULO


Visito às vezes algumas estantes de livrarias e vejo o que está pegando. Fico com vontade de escrever também um best-seller, mas tenho preguiça. Mais fácil é levar literatura a sério, queima menos neurônios. Mas para quem quiser se arriscar na aventura, já que dá uma grana preta quando acerta no veio, lá vão algumas dicas

Você não crava um campeão de vendas com títulos como O Velho e o Mar, Lord Jim ou Terra dos Homens. É preciso imaginação, criatividade:

ROSICLEY E EU, por exemplo, que pode versar sobre a relashonship entre a autora e uma cadelinha poodle num lugar remoto da África cercada de savanas prenhes de leoas famintas. Faça Rosicley ser adorável quando é entregue pelo serviço de postagens australiano (ela veio de Sidney) para a dona, uma bio-pesquisadora ambientalmente correta e que estuda os carrapatos em macacos canibais gays. Ameace a sobrevivência de Rosicley e arranque lágrimas dos leitores que torcem pelos macacos.

QUALQUER COISA EM KABUL - Seja como for, como dizem os textos de revista, tem que ser em Kabul, seja onde isso for. Livreiro gastou, mas pode uma sorveteiro, um jogador de dardos, um motorista de camelos caolhos (ou pentelhos). Recheie a história com a migração do protagonista para Los Angeles, e faça-o relembrar a infância, já velhão, cercado de caixas vazias de cereais. Como pedra de toque, reserve o final para um reencontro entre Kirjad (o narrador) e seu grande amor, Musbah, o camelo pentelho, que trabalha num circo para o atirador de facas.

MALVADO GETULIO - Esse é um titulo que atrai grande quantidade de verba pública, pois se justifica só pelo tema escolhido. Pinte o ex-presidente Vargas como o baixinho sinistro que obrigou os jogadores brasileiros a jogarem como se Hitler fosse o técnico, no lugar de dizer que graças a ele foi criada a seleção brasileira. E diga que todos os gênios da música popular da sua época brotaram espontaneamente porque raios solares foram enviados por ETs gringos. Assine com um pseudônimo, desses tão a gosto do mundo diplomático e dos jornalões paulistas, com sobrenomes clássicos e uma pitada de alemão, como Plínio Eduardo dos Mangolões Candido Rech.

O ECLIPSE DO LADRÃO DE RAIOS AO AMANHECER DO SÍMBOLO PERDIDO - Com esse título, você pega todos os leitores dos primeiros lugares das listas oficiais de best-sellers. Invente que a Kabala já era, o quente agora é o livro Vodu da civilização Ameríndia Marajoara, encontrada em seborréias vegetais da biodiversidade da Baixa Amazônia, lá onde o Mangabeira Unger perdeu os papers. Mostre que o símbolo perdido é super parecido com o retrato do sorveteiro de Kabul, assim poderá aumentar seu espectro de leitura.

POR QUE AS MULHERES FANHAS SÃO SUPER-PODEROSAS - Eis uma boa tese para vender milhões. Explique que o feminismo é fanho e sempre termina as frases com “tá?!” para demonstrar superioridade racial. Não esqueça de fazer a protagonista falar como a Sandra Annenberg, da Globo, assim por divisões silábicas e lábios túmidos para reforçar a sapiência de quem tem Nojodieu. O jargão da protagonista deve ser: “Eu sou a vendedora de sonhos e você não”.

A CABANA DO PAI OBAMA - Ficção sobre o que vai acontecer com a gestão do atual presidente da República. Faça com que ele venda, no final do mandato, o troféu do Nobel da Paz por uma micharia para poder pagar o Chuck Norris pelo pau que dará no Berlusconi. Como Chuck vai achar insuficiente, encherá o sujeito de porrada até ele admitir que olhou mesmo para o traseiro da menor brasileira da Unicef e por isso foi punido com o assédio do Beslusconi à primeira dama Michele. Mas é tudo especulação. Quando tudo isso acontecer de verdade, você estará longe.

RETORNO - Imagem de hoje: magnífico trabalho de Ricky Bols, "Child into the moon", que bota qualquer capa de best-seller no chinelo.

CLIMA COMPLICADO


Nei Duclós (*)

Calorão, inundação, terremoto, tsunami: a sucessão de exageros do clima chega junto com teorias para explicar porque o planeta resolveu ser mais hostil do que de costume. Antes, os excessos estavam confinados a regiões bem específicas. Havia o deserto, mas não o sol venenoso em praias outrora aprazíveis; havia a floresta chuvosa e tropical, mas não a inundação persistente nas cidades; havia o ciclone, mas não a combinação de tornados súbitos no interior que desconhecia esse tipo de evento.

A explicação mais aceita, a do aquecimento global, foi consenso por alguns anos, mas não é mais. Os adeptos das manchas solares como fonte das complicações ganharam força, mas não hegemonia. Lembro que até os anos 1990 a previsão mais constante era a de uma nova era glacial. Como isso mudou para seu oposto ainda é um mistério, mas o fracasso reiterado das explicações deixa as vítimas escaldadas. Não se sabe mais a quem recorrer, se aos cientistas ou aos místicos.

Houve um tempo em que as mudanças do clima emitiam sinais para cicatrizes ou ossos partidos. Veteranos sabiam prever chuva a partir de alguns sinais imperceptíveis para o resto dos mortais. A leitura de nuvens também era uma especialidade. Hoje, quando um tapete violeta e chumbado cobre um lugar, não sabemos se teremos apenas mormaço ou o furacão Katrina. A verdade é que o clima resolveu radicalizar, o que faz emergir algumas teorias, chamadas até bem pouco tempo de conspiração.

Resgata-se a história do cientista que teria inventado o raio da morte, que usa a ionosfera como espelho e reflete ondas enviadas de uma estação privilegiada de alta energia. Essa concepção sinistra seria a fonte de vários males, pois o uso do clima como arma daria poder absoluto a quem o domina. Também existe o hábito, a cargo de aviões misteriosos, de poluir o ar com vários tipos de elementos pesados, por motivos desconhecidos. Dizem que é para combater os efeitos do aquecimento global, mas os eternos desconfiados levantam outras hipóteses.

Resta pouco a fazer para a cidadania que tenta sobreviver com suas concepções antigas diante de tanta novidade. A não ser se informar melhor sobre os fatos e não fechar completamente a percepção para teorias que causem desconforto num primeiro instante.

RETORNO - (*) 1. Crônica publicada nesta terça-feira, dia 9 de fevereiro de 2010 no caderno Variedades, do Diário Catarinense. Hoje já estamos com chuva, mas esta crônica foi escrita no sábado passado, no milésimo e assustador dia de calorão insuportável.

2. MANIPULAÇÃO DO CLIMA, A GUERRA SECRETA

Amostra do que os aviões misteriosos fazem com o clima está neste endereço. Há uma extensa pesquisa, com links importantes na imprensa internacional, no endereço do Twitter, @BrazilTour, de Ida Duclós. No foto, vemos o resultado dos chemtrails, fumaça de metais pesados expelidos para mudar o clima (para pior, naturalmente). Eles dizem que se trata de geoengenharia, para enfrentar os malefícios do "aquecimento global". Dizem que é uma técnica que não está sendo usada, enquanto as evidências dizem o contrário. Estão manipulando o clima e quem dominar nessa área é dono do mundo.

Estamos em guerra, diz um autor americano, só que ninguém percebe. Trata-se de Michel Chossudovsky, professor de Economia da Universidade de Ottawa Matam centenas de milhares de pessoas, no Haiti e na Indonésia, e tudo parece "natural". Outro nome importante, a Dra. Rosalie Bertell, confirma que "os cientistas militares americanos estão trabalhando em sistemas meteorológicos como uma arma em potencial. Os métodos incluem o aumento das tempestades e do desvio de vapor na atmosfera da Terra para produzir secas ou inundações."

Toda essa bandidagem já tinha sido anunciada pelo Orientador Nacional de Segurança, Zbigniew Brzezinski, no seu livro "Entre Duas Eras": "A tecnologia irá disponibilizar, para o líderes das principais nações, técnicas para a realização da guerra secreta, dos quais apenas um mínimo das forças de segurança precisa ser considerado... As técnicas de modificação do tempo poderiam ser empregadas para produzir períodos prolongados de seca ou tempestade. "

6 de fevereiro de 2010

ALMOÇO DE NEGÓCIOS


Gostaria de saber exatamente o que significa almoço de negócios. Cortam o bife enquanto assinam um contrato? Borrifam a salada com mais valia? Fecham parcerias ao forno? Combinam lucros para a sobremesa? Tomam sopa de dividendos? Como nunca participo de negócios, sempre imaginei um ambiente apropriado para isso, escritórios, salas confortáveis onde servem cafezinhos, mas jamais um almoço, que exige dedicação exclusiva. Você não pode descontar uma promissória no rodízio, bem no intervalo entre o coração assado de frango e a lingüicinha.

Imagino que num almoço de negócios alguém acaba sendo devorado. Talvez o laranja que topou investir sua poupança na corporação dos rottweilers. É o banana que chega depois do aperitivo, em que todos estão prontos para recebê-lo às gargalhadas, mas silenciosos. É fácil enganar um mazanza, basta dizer que a loura do lado está dado mole para ele. O cara é do tempo em que as mulheres davam mole.

Mas o verdadeiro almoço de negócios deve ser entre os craques do ramo. O advogado mil folhas, capaz de qualquer coisa; o empresarião tonel de banha, já no milésimo empreendimento fracassado, mas com casa na Alta Baviera; o executivo farofino, esguio como uma garrafa importada de azeite de oliva, que costuma humilhar os presentes com seus conhecimento culinários/culturais (é autor de um rocambole de rúcula com pimenta de arrepiar).

Esse tipo de participante já deixou tudo amarrado antes do almoço, que é apenas um joguinho perverso para ver quem pagará a conta. Eles escolhem os restaurantes mais absurdamente caros, pedem os pratos que só podem ser pagos com sacolas roubadas do Banco Central, e na hora da conta inventam os expedientes mais marotos, O problema é a falta de imaginação: o empresarião sempre levanta para ir ao banheiro, o farofino fica lixando as unhas, o advogado milfolhas mergulha numa montanha de papéis dizendo que vai mudar os termos do acordo, deixando todo mundo ressabiado – é assim, na chantagem, que ele escapa.

Como então eles conseguem enganar o dono do restaurante? Passam um cheque sem fundos? Oferecem ações de firma chinesa na Malásia? Inventa que vão financiar uma filiar em Timor Leste? Não sei, já disse que não entendo de negócios, muito menos de almoço desse ramo. Acho que jamais, nessa ocasião tão complicada, haverá uma florista oferecendo rosas. A catinga exalada pela sacanagem certamente expulsa qualquer resquício de romantismo.

Gostaria que alguém me explicasse. Há cobertura de almoço de negócios? O setorista fica tomando notas enquanto os convivas mastigam? Há entrevista coletiva na hora do licor? Os jornalistas se servem das sobras depois que todos se vão? Distribui-se remédios para a digestão após o ágape? São muitas as perguntas. Acho que só serão respondidas quando me convidarem para um evento desses. Não sei se vou me comportar à altura.

Qual a roupa adequada? Casaco de três botões, ainda se usa isso? Havaianas de grife, ou é muita bandeira? Cabelo lambido para trás? Sapato branco e marrom? Revólver no bolso do casaco? Acho que só uma personal trainer iria me ajudar. “Não use caneta”, ela me dirá, "para não assinar nada. Fique mudo o tempo todo fazendo cara de paisagem. E concorde sempre com o mais rico e poderoso. Se algum subalterno se manifestar na mesa, peça para alcançar o caviar. E ria quando ele alcançar a pimenta malagueta". São conselhos simples, que devem ser acatados. O problema é pagar a personal trainer no caso de nenhum negócio ser fechado. Continuar sem fonte de renda depois de comer ostras com camarão ao rocheford (ou algo assim) é simplesmente um lixo.

RETORNO - Imagem desta edição: Dogdinner, de Cassius Marcellus Coolidge, o maior artista do século 20, segundo Renzo Mora.

4 de fevereiro de 2010

GUERRAS OPOSTAS NO CINEMA


Há dois tipos de guerra no cinema. Uma, dos filmes sobre batalhas entre nações nos grandes conflitos mundiais, que podem ser, eventualmente (normalmente são) financiados por governos. E a outra, dos lançamentos cacifados pela CIA, FBI ou Forças Armadas americanas, em que agentes com licença para matar acabam com a vida de imigrante mafiosos, árabes mal intencionados e toda espécie de povo do terceiro mundo. São duas guerras opostas. A primeira procura ter um pé na História, mas não abre mão do espetáculo (e portanto, das manipulações). Mas é muito melhor do que o outro tipo, puro blockbuster, que serve para anestesiar e fazer a cabeça da opinião pública, inoculando o ódio a tudo o que não for americano.

À primeira espécie pertencem os considerados clássicos, como O Mais longo dos dias, e os contemporâneos, como O resgate do soldado Ryan, ambos a favor (ou seja, viva a guerra e seus resultados positivos, apesar dos sofrimentos). Também fazem parte os filmes de denúncia como os antigos Gloria feita de sangue, ou o nem tanto Nascido para matar, ambos de Stanley Kubrick, que desmascaram a guerra como jogo comercial entre potências, devorando a inocência útil de quem é convocado pelo patriotismo. Há também filmes contemporâneos admiráveis como Círculo de fogo, sobre a batalha de Stalingrado, ou a Batalha de Passchendaele, sobre o envolvimento canadense na primeira guerra mundial.

Filmes sobre agentes da Cia transformados em heróis são feitos por pilantras como Ridley Scott, diretor de Body of Lies, em Leonardo de Capri detona no Oriente Médio mas, obviamente, come uma nativa; e Luc Besson, roteirista de Taken, Busca Implacável, em que Liam Neeson, matador profissional que trabalhava para o governo americano resgata a filha sequestrada por horrorosos albaneses, franceses corruptos e decadentes sheiks milionários pedófilos. Quero comentar aqui o filme canadense e este último citado, dirigido por um francês, Pierre Morel.

Vi parte do making of de Busca Implacável e fiquei, como sempre impressionado com a cara de pau nas entrevistas. Como se não houvesse link com a guerra anti-terror sem escrúpulos, em que vale torturar, matar, tudo em nome da segurança das famílias americanas. Os franceses nesse filme, na direção e no roteiro, são coniventes com a campanha de calúnias contra a França desde a Era Bush, quando houve a recusa de invadir o Iraque. O filme é competente na ação, prende a atenção, mas repassa todo tipo de recado perverso. A garota chegando incólume (virgem!) em Los Angeles (home) é mortal.

O truque é apresentar o assassino como um homem correto a serviço do Império e que foi abandonado pela família. Assim, toda a atenção se concentra nele, só e abandonado, querendo se aproximar da filha, que está nas garras de um padrasto escroque. Um canalha que vive de grandes negociatas internacionais, exatamente o contrário do asceta guerreiro, treinado para quebrar o pescoço de quem se aproximar. É de vomitar.

O filme de guerra canadense é emocionante. Acho um desplante que até o Canadá faça filme de guerra enquanto nós desconhecemos nossa participação nos conflitos mundiais, achando que não passamos de uns bananas que jamais lutaram. Lutamos como cães raivosos por séculos, conquistando cada palmo do território, por gerações. Lutamos na Europa contra o nazi-fascismo e lá deixamos enterrada parte da juventude brasileira dos anos 40. O povo inteiro lutou para ter um lugar onde sobreviver. Nem é preciso fazer filme a favor da guerra, não é isso. Mas entender a grandeza da participação na luta, que apesar de todos os equívocos permanece com episódios exemplares.

A Batalha de Passchendaele é um filme pacifista. Denuncia a sacanagem dos britânicos e celebra o heroísmo do major que voltou para o front de uma guerra inútil em nome do amor. Forçado, claro, mas bonito demais. Filme bom de ver. Longe das armadilhas ideológicas dos americanos sacanas que tentam nos seduzir com suas mega-produções, onde nós, dos países periféricos, fazemos o papel de macacos.

RETORNO - Imagem desta edição: Liam Neeson, matador, em Taken.

2 de fevereiro de 2010

REINVENTAR A RODA


Nei Duclós (*)

Convívio implica alternância de papéis: num momento somos protagonistas, em outro, coadjuvantes. Mas como em terra de escravos todo mundo é senhor, para escapar do estigma, a moda é impor o papel principal, jogando fora os demais interlocutores. As mídias sociais são o paraíso desse estado de coisas: todos falam ao mesmo tempo e pouco se presta atenção ao que se diz fora de cada círculo, a não ser para negar ou bater.

Não existem mais calçadas, conhecidas como passeio público, em que se formavam as rodas da conversa. Nelas, mesmo que houvesse entusiasmo nas falas e urgência dos recados, com a algaravia natural produzida por grupos humanos, costumava existir um narrador rodeado de ouvintes. O carisma se exercia nesses espaços privilegiados onde se definiam idéias sobre tudo. Gerava um equilíbrio natural, pois o dito era submetido ao crivo dos que estavam na platéia. Estes, se revezavam na necessidade de declarar alguma coisa, nem sempre como contraponto ou reforço, mas como inauguração de novos vetores do assunto.

A presença física foi eliminada, já que tudo obedece à privatização predatória. Hoje existem bairros e até mesmo cidades inteiras em que as calçadas foram substituídas por um fiapo de laje ou grama entre a rua e as casas. É que nenhum centímetro de área urbana deve escapar da voragem da especulação. Das críticas ao gigantismo do Estado, herdamos apenas a demolição pura e simples do que era comum a toda cidadania. Sabemos o que significa praça atualmente: o não-lugar tomado pela exclusão e a miséria.

Assim, amontoados nos andares de alimentação dos shoppings, ou de pé em pisos de mármore (pois é preciso circular compulsivamente para comprar sem parar) fomos empurrados para a tela do micro, que aceita tudo. Ali, você se dedica diariamente a eliminar as mensagens não solicitadas, os convites insistentes, as manifestações bizarras ou os ataques sem sentido. É como defender uma pequena propriedade no meio do nada. A invasão vem por toda a parte, pois no império da força bruta, quem pode mais acha graça do resto.

Para reinventar a roda, não precisa caluniar o mundo digital ou o comércio selecionado das grifes. Basta aplicar a lei: o espaço privado não é público e vice-versa.

RETORNO – 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 2 de fevereiro de 2010, na caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: Meninas brincando de roda, de Orlando Teruz (1902-1964).

1 de fevereiro de 2010

TRENS: ENQUANTO ISSO, NO PAQUISTÃO


Flavio Lago me envia esta foto por e-mail. Também mandou outras, de trens magníficos do mundo inteiro. Ok, vou postar abaixo os do Japão. Os do Brasil, nem precisa mostrar.


Estou generoso hoje. Agora, os da Espanha. Os espanhóis nos enviaram trens velhos para rodarem na beira do Pinheiros e do Tietê em São Paulo. Andei uma vez neles. É lixo só. Mas lá, na terras deles, o tratamento é outro:


Disse aqui numa crônica que o pessoal do futuro vai rir das nossas ilusões de hipermodernidade, pois continuarão andando de trem. No filme Substitutos (2009), com Bruce Willis, que se passa num futuro distante, ele pega trem. Só nós aqui para achar que trem é Maria Fumaça. Recuperam-se alguns quilômetros de trilhos para passar a velha locomotiva. "Ah, que saudade", dizem. Cacete, chega de saudade.