Nei Duclós
Uma palavra só puxa o poema: sonhadora, a que me vê sem que
me conheça
Havia luz depois do breu sugerido pela cortina. Eram teus projetos,
arsenal de forças vestindo lantejoulas.
São minúsculos tendões tensionando fibras, essas palavras
que deixas escapar sem que eu consiga captar o que de fato dizem.
Te fiz a corte, operária do sonho. Quebraste o trono com um
virar de cabeça.
Fazes parte de mim como um coração que não tenho. E que fica
ao lado do amor que escondo.
É pouco, eu sei. A noite alta
economiza o verso. Burila cada sílaba como se fosse a última. Esconde o coração
embaixo da cama.
Teu vestido curto e voz de quem está
chegando no sarau repleto de olhares mendigos. Eu nem estava lá para
compartilhar tua poesia de batismo
Estou perdido, por isso digo. Se
ainda pertencesse ao mundo, exerceria meu direito de ficar mudo.
Digo venha porque espero o retorno.
Meu espaço de ilha brinca de fabricar um barco para atingir tuas águas
profundas.
Voltei porque estavas na vigilia.
Cuidavas os voos a serem feitos na madrugada ainda crua.
Prudência, a simples poesia sem
firula. A que te faz cativa dos sons que as palavras suam.
Tentamos subornar a dor com nossas
virtudes. Caia, flor mais alta da paineira.
Não te estoco por excesso de dúvida.
Não sei o que vai acontecer no minuto seguinte. Se a indiferença ou, de novo, a
loucura.
Mergulha, flor flutuante. Arrisque a
pétala onde a raiz se aninha.
Precisei ocupar o espaço que tua ausência
abriu na estação enquanto fingias estar presente. Passei do verão ao inverno
num piscar dos teus olhos.
RETORNO – Imagem desta edição: Pier
Angeli.