31 de dezembro de 2022

RENÚNCIA

 Poema de 2013


RENÚNCIA


Já houve precedente, a divindade

perdeu-se na agonia, abandono

do Pai no derradeiro sangue


Se no deserto a tentação morria

e ao sol outra luz se impunha

na cruz foi demais o peso morto


Deixou-se levar, enfim era humano

o poder que o trouxera se esfuma

os algozes venceram em segundos


Mas no minuto final, feita a sutura

entre a fé e a eternidade em fuga

a passagem inaugura nova vida


Assim há batismo ao sair do trono

água sagrada de radical renúncia

exemplo de inspiração bíblica


Recolher-se na missão cumprida

velar o rebanho solto na mistura

entre a terra bruta e o paraíso


Nei Duclós


(Imagem: Bento XVI se retira)

23 de dezembro de 2022

PRENDA

 Nei Duclós 


Não posso definir o sentimento

Parece bobagem - já disse e sustento


Abri mão do complicado evento

De entender as paredes deste ofício

Para me dedicar ao visgo sem retorno

Do amor e o que ele inventa 


Na margem de reconhecimento 

Facilito o verbo em função do tempo

Que perco pesquisando o embrulho


Nem mesmo a esmola do teu gesto escasso

Vem a mim, rude cachorro 

Sou um sem teto em praça do subúrbio 

Passas ao largo, com ruidosas rendas


Sigo teu andar como torto anjo

Entras no quarto e fechas a porta

Fico no corredor, mastim silencioso

Ermo de ti, inacessível prenda


Nei Duclós

22 de dezembro de 2022

DECISÃO

 Nei Duclós 


A blusa não esconde, antes desenha

A perfeição do busto, arte suprema

Que por falta de certeza sobre a autoria

Atribuímos apenas à natureza


Negamos haver um plano em tão laico ambiente 

Que anteceda a escultura em museu de cera

Maquete da criatura em mãos de mestre


Como se um artista deixasse escapar

Num descuido semelhante deusa

Sem dar chance à fila do gargarejo

Quando ela ocupa o espaço dos desejos


Guardaria para si, com pleno poder

Pois o conjunto é um atentado fundo

Que põe fogo nos olhos, maneja os sonhos

E nos deixa na mão, musa inconteste


Se achas um exagero, fique na sua

Não curta com minha cara de veterano

Nasci 30 anos antes mas valeu a pena

Vou me oferecer como segurança


Quem se aproximar jogarei pesado

Ela é quem decide, quando tiver vontade

Eu distribuo as senhas, mas fique atento

Pode demorar, já que eu vi primeiro


Nei Duclós

19 de dezembro de 2022

VOCAÇÃO

 Nei Duclós 


Precisa ter cuidado no exercício de uma arte

Responsabilidade, pois é de vida longa essa barra

A criação atinge o que o olhar ignora

E se instala na percepção alheia

Como se fosse de nascença 


Não basta o capricho e a qualidade

O esmero do ourives ou do solista 

O autor de palavras perfeitas

O poeta Impregnado de rosas 


É bem maior o poder da atividade

A noção de que a viagem se desdobra

Em infinitas estações e povoados

Cultiva corações, é adotada

E acompanha o amor, seu rebento mais extremo


Não significa rigidez ou falsidade

Assim como não se entrega à pobreza do consumo 

É bem maior o alcance do perfume

Que a flor espalha em toda gente


Precisa dedicar-se por inteiro

Sem trair o sonho ou o desejo


É trabalho no que tem de rude

É missão que a vocação obriga

É tesão, falando sem rodeio


Nei Duclós

ALTAR

 Nei Duclós 


Tiro você de letra

Dez anos depois do adeus

Finjo que a desconheço 

No acaso brutal do evento  


Vens vestida de preto

Noiva de outro alguém 

Sou a dos velhos tempos

Dizes tonta e violenta 


Não me ajoelho porque tenho

Auto estima e o  desprezo

Por todo esse sofrimento


Mostras o anel

Parabéns, digo contente

Pergunto a data e prometo

Roubá-la diante do altar


Montarás em meu cavalo

Nua em pelo


Nei Duclós

17 de dezembro de 2022

PACIÊNCIA

 Nei Duclós 


Sabes que não tenho o cacife dos gigantes

Capaz de levantar pirâmides

E destruir o planeta

Não tenho altura suficiente 

Nem habilidades ou força 

Que existem normalmente quando somos moços 


Não sei onde cavar um poço, rasgar a lavoura

Nem a hora de levantar acampamento


Não pesco, não caço, não monto a cavalo

Não consigo manobrar a diligência 


Por isso me ensinaste o básico 

Orientaste meu arco para o lugar certo

E me presenteaste com o melhor benefício

Pois na hora agá eu conhecia a região 

Situada acima do joelho

Só ignorava a sede do município 


Sou dos encaixes, não da britadeira 

Tens a paciência de esperar teu homem

Para que haja êxtase e não remorso


Nei Duclós

INTENSO

 Nei Duclós 


É bom que não me atendas  

Eu te deixaria na mão logo em seguida

Porque é  de areia minhas demandas

Não se sustentam, eu me conheço 


Não significa falsidade

Apenas mistura de personalidades

Imploro de olho no relógio 

Choro mas chorar tem hora


Assim ficas livre do meu intento

Meu desequilíbrio na performance

Intenso mas sem consequências


É amor, no entanto

Por isso cedes por eu ser um monstro

O pouco que tenho serve como exemplo

Do humano fervor, lava da montanha


Nei Duclós

13 de dezembro de 2022

PERGUNTA

 Nei Duclós 


De onde vem a ventania?

Pesquisei sem encontrar resposta

Ilha submersa, pássaro Roca

Ninguém atina sua origem


Pilha de mistérios

Barriga de velas

Que em naus gerou o Novo Mundo

Ventos alisios, trilha de Colombo

Verga o quintal que o varal escandaliza


É minha pergunta favorita

Quando sopra do norte sul ou leste 

Não tenho o que fazer com a poesia

Dou-lhe o encargo, descubra com um verso 


Nei Duclós

PERDIDO

 Nei Duclós 


Durmo com a fantasia, na falta que me faz tua presença 

Foi-se o dia e a noite alta me condena

Amor perdido é prisão em

domicílio 


Cansei de ter jardim ou ver fotografias

Perdi a memória e o gosto de estar vivo


É a idade, dizem em diagnóstico preciso

Mas eu dispenso semelhante medicina

Você é a cura se acaso existisses


Nei Duclós

A VOZ

 Nei Duclós 


Por mais que se esforcem

Na cama-de-gato e outras armadilhas

Na rasteira, traições, mentiras

No roubo puro e simples, nas calúnias 

No ataque combinado das quadrilhas

Na destruição da tua biografia

Na clonagem dos livros, da autoria

no rombo dos recursos

na pilhagem noturna ou à luz do dia


Por mais que tentem

Apagar o que fazes por inspiração divina

Pleno de si, feliz e  criativo

Por saber trazer do magma o que nos ilumina


Por mais que joguem lixo no que tens de puro

Jamais serão você, mestre asceta que na voz

Profetiza

Com a palavra que mesmo no deserto

Frutifica


Nei Duclós

12 de dezembro de 2022

DETALHE

 Nei Duclós 


Não tenho acesso aos teus cuidados

Que guardas numa foto a sete chaves

O beijo que jamais posso alcançar

O abraço no vazio da tarde 


Não faço parte da humana sorte

Que te cerca de atenção e graça 

Sou o que vê de longe tanto charme


Mas há um detalhe que talvez te escape

É esse olhar sombrio que não disfarças

À procura de algo muito embaixo

O meu amor, talvez, quem sabe

Perdido de paixão louca e covarde


Nei Duclós

SOFÁ

 Nei Duclós 


Proibida

Por ser próxima e distante

Amarra o corpo no olhar mendigo

Por onde passa, cheiro do levante


Mais não digo

Sob pena de cometer um crime

Acre pele de feminino lance

Requebras sem querer e nenhuma chance


Na curva providencio o bote manso

De fera amanhecida no desejo

Ligo os suspiros com sutil arame

Forço a conduta, bruto na vergonha

Finges surpresa, delícia atrás do morro


Ainda caio na tentação do sonho

Enquanto levantas o rosto indiferente 

A me atribuir as piores intenções que escondes

Ao trocar as pernas no sofá de vime


Nei Duclós

10 de dezembro de 2022

EXPOSTA

 Nei Duclós 


Você teve um grande amor e foi intenso

Descubro isso ao ver-te exposta e fria

Como a vingar-se do intimo refúgio 

Que tirou teu teto e conspurcou o ninho


Poderias ter perdoado mas não houve chance

E ficaste à toa sem margem de retorno

Exibes hoje esse amargo esforço


Amor perdido é  como areia no deserto

Ele cega na tempestade e estraga a boca

De tanto gritar por meio do desejo

Depois some mas domina o ambiente


Amor é  fogo, sede e sofrimento

Memória doce que te arranca a roupa


Nei Duclós

29 de novembro de 2022

SALTO

 Nei Duclós 


É um mistério 

Ser atraído pelo que desconheço 

Arriscar tudo, como no trapézio 

Saber do abismo e dispensar o resto


O conforto tem um sabor vencido

A rotina enlouquece, prefiro a ventura

Aposto na inevitável queda

Mas há chance de acertar o pulso

No ar onde voa teu espírito 

E cairias não fosse meu salto triplo


Nei Duclós

JOGO DE ARMAR

 Nei Duclós 


Amor é transgressão consentida

Armadilha que pega na curva 

Anzol de espera com isca de açúcar 

Rede invisível no cardume


Amor é caça fingindo ser vítima 

É cair em cima assim por acaso

É jogar no fogo ignorando o incêndio 


Amor não é louco, evita o diagnóstico 

Acróstico de letras do teu nome

Palavras cruzadas fora do cânone 


É vogal tônica, corpo atônito 

Diante de um dicionário 

Charada que enrola o imaginário 


Amor é pobre, anda de ônibus

Com a chave do luxo inútil entre o povo

É usar carro do ano vestindo trapos

É paradoxo, conflito ambulante

É tua virada de rosto quando chego ao topo

E me emocionas nesse gesto anônimo


É quando me apaixono

E descubro que há muito tempo

Tinhas no bolso

Esse jogo de armar

Que ninguém vence

E que guarda em si teu único prêmio 


Nei Duclós

28 de novembro de 2022

NOIVADO EM CAMPO

 Nei Duclós 


A bela juíza apitou falta e o atacante foi tirar satisfações.

Ficaram se encarando até o jogador cair de joelhos diante dela, estendendo a mão que exibia um anel.

Toda de preto e de cara fechada ela levou alguns segundos para se recompor, mas acabou cedendo.

Diante do sim o craque se levantou e selou um beijo na rigorosa noiva.

O estádio veio abaixo.

Logo em seguida a juíza mostrou cartão vermelho para o goleador.

Folgado.

Mas casaram no final do campeonato .


Nei Duclós

24 de novembro de 2022

LONGEVO

Nei Duclós 


Decisões erradas levam a caminhos inéditos

Fora da trilha que seria a correta

Mas essa foi abandonada no desvio

E vira remorso


A realidade é o que você fez

E não o que imaginou que faria

Na ruptura perdeu

Mas a costura rendeu mais do que merecia


Se for longevo vira Frankenstein 

O monstro da cicatriz

Figura adorável no parque das diversões

Que não assusta ninguém 

Pois não precisa mais se decidir


Nei Duclós

OPOSTO

 Nei Duclós 


Quando tudo estava certo

Eu era errado 

E vice versa


Quando o clima era perfeito

Eu fui inverno

Não havendo mais conserto

Fiquei inteiro


E se me viro do avesso

Faço direito

Quando acerto  com meu jeito

Troco o esquema 


Para que tanto poema? diz  o vento

Que sopra quando estou calmo

Ou inconsciente


Continue

Ordena a lua cheia

Que é a mesma lua nova

Depois de um tempo


Nei Duclós

23 de novembro de 2022

NOÇÃO

 Nei Duclós 


Se enfim tiver a ventura

De te ver de perto

Não saberei o que fazer 

Onde colocar as mãos 

Destravar os sons da garganta

Fatalmente tropeçar 


Você vai rir

Assombro de beleza e de prazer

Sem atinar

Sem ter a mínima noção 

Do que me atinge de fato


Não é teu destaque no espetáculo 

Esse devorador de estrelas

Mas a conexão 

Que a natureza cria

Nas pobres criaturas

Para que o mundo sobreviva

No mortal caldeirão de estrelas


Só por isso

Dona do meu calvário 


Nei Duclós

MÚLTIPLO

 Nei Duclós 


Você, peixe, deixou acontecer

Agora se debate, mas é tarde para vencer

Pagou para ver e não vai mais receber


Volte para o mar, sem vento a favor

Será muito pior, nos recifes e corais 

Armadilhas mortais, de redes e anzóis


Multiplique-se, mas não como refeição 

E sim como o pulsar de um só  coração

Cardume do amanhã 

Amor de uma nação 


Nei Duclós

22 de novembro de 2022

LUGAR COMUM

 Nei Duclós 


Poesia é o pão de cada dia

Não é para esconder na biografia 

Mas para ser servida, insumo, entre convivas

Não como produto mas tradição do corpo místico 


Por isso não a encerre no luxo ou na mentira

Para enfeitar estantes, falso arrimo

De uma cultura de rasa fantasia

Mas como oração, canção, calor e cura


Ao alcance da mão, aliança, profecia 

Lugar comum de rara literatura


Nei Duclós

21 de novembro de 2022

SANGUE

 Nei Duclós 


Meu sangue jorra no poema

Fico tão vazio que o vento leva

E joga fora o pulso da palavra 


Achei que um anjo me soprava 

A obra que deixei ao ir embora

Mas descobri que sou o anjo 

Espírito de um sonho sonoro

Desprovido de asas, meio torto

Amante da mulher que fica solta

Enquanto me

dobro em seu regaço


Assim abraço o que perco

No rasgado uso da memória 


Nei Duclós

19 de novembro de 2022

VESÚVIO

 Nei Duclós 


Tudo o que eu vivi foi só um treinamento

Agora permaneço, estátua de granito

Os pés no cais do porto, o rosto na montanha

Vocação do futuro, servo do infinito


Tudo consegui no torno do poema

Mendigo me tornei, rolei como um cachorro

Não busquei o ouro nem farejei a glória 

Ditei a carta na praia descoberta

Filho de Caminha e da palavra exata


É complicado viver sem nenhum sustento

Vendo a tirania flanar à toa

E a mediocridade ganhar todos os prêmios 


É duro ser humano no repasto das feras

Até atingir o momento mais puro e sublime

Farol na tormenta, nau movida a vento

Anônimo amor que desperta Vesúvio


Sou lava de sonho que salva Pompeia

Quando todos perdiam a extrema viagem

Que leva no convés o sal da eternidade


Nei Duclós

11 de novembro de 2022

ÂNGULOS

 Nei Duclós 


Gosto de beijar nos ângulos.

Ombros, joelhos, queixo, dorso

E no triângulo que mal escondes

Antes o formatas na praia, lânguida 


Beijo nas curvas, de trás para frente

No arco do pé, no pescoço 

Onde pões um colar de falsos diamantes 


Beijo tuas torções, teus tombos

Te amparo em meu corpo, sedento, amante

Cubro teu rosto com miçangas

Faço um Carnaval em teu campo


Depois te abandono, exangue

Sob chuva doce, de ontem

Hoje me acenas com as dobras do desejo

Ardente


Nei Duclós

DEUSA

 Nei Duclós 


O mundo dá voltas porque a terra é fixa

É como alfinete na blusa do infinito

Gruda metades estranhas e  díspares 

Esconde esferas de louça mais lisa

E dança ao som das tontas estrelas


O mundo sabe que é sempre o mesmo

Seja egípcio ou qualquer outro reino

Ou mesmo o encontro casual no metrô 

Quando te vejo com saia plissê 

E salto alto que te dei de presente


É quando meu plano se mostra perfeito

Teus seios ocultos em soutien transparente

Desejo que ainda se mantém coeso

Foi aqui neste trem a primeira vez

Quando te vi e me apaixonei


Soube então que o dia se repete

Desde que o amor se manifeste

Ordenando o caos num pobre sistema

Onde me perco, sol que nasce torto

E tu, magnífica, meu quarto crescente


Poema que começa com a ciência 

E se debate diante da deusa 


Nei Duclós

7 de novembro de 2022

MISTURA

 Nei Duclós 


Qual de vocês é você?

De quem é o sorriso que me vê?

Como confirmar, entre as belezas

A que me cabe por merecer?


Enxergo pouco e não te conheço 

Só sei de tua alma sobre a rede

Peixe que se debate ao me querer


Quem na foto coletiva posso escolher 

Se o amor é cego como eu?

Espero um sinal nessa mistura

Sei que é você, diga a que veio

Extrema beldade numa pintura


Nei Duclós

EXPULSO

 Nei Duclós 


Não devia lembrar

Mas depois que saí das asas dos pais 

fui expulso várias vezes

Dos lugares onde morei por um tempo


Da casa da namorada

Da República dos estudantes

Da comunidade hippie

Do apartamento de um colega

Dos quartos nos parentes


Te manda, me diziam 

Você não é daqui

Não pertence a essa cama 


Eu então juntava os trapos e me mandava

Obedecendo ao despejo


Até que formei família

E levei décadas pagando imóveis

Para ser expulso novamente

Pela idade, o tempo, a canseira


Acho que foi tudo um treinamento para quando for expulso do planeta


Ao chegar na porta do céu dirão talvez

Está lotado

Volte para Uruguaiana


Nei Duclós

6 de novembro de 2022

TRATANTE

 Nei Duclós 


Disfarças bem, escorregadia

Usas o biombo da rotina

Mas ele é transparente

Quando apareces tão moça 

Que até parece mentira


Jeans por acaso sapatinho de lona

Blusa magenta evitas o arco íris

Driblas as cores explícitas

Adotas o tom da guria quando foge 


Estou de olho, mimosa delicia

Não pense que não noto

Tua beleza escondida

Olhando para baixo, virgem do subúrbio 

Fêmea que se diz oculta

Todos os poros de úmida lingua

Mulher tratante, que de tesão derruba


Nei Duclós

TODAS AS FLORES

 Nei Duclós 


Todas as flores em seu conjunto 

Te identificam

Cada uma gruda em teu coração infinito

As que caem no colo como pluma

As que perfumam

As que servem de colar ou cetro feminino

E tem as frageizinhas como teus braços de argila

Jarros onde meu beijo cultiva


Flores que quebram ao cair da altura de um centimetro

As que voam como asas de suspiros

E as que ofereces, sedutoras, e que são as mais puras

E despertam prazer ao entregar-se, cativas


Todas as flores, você , são minhas

Colho amor no canteiro da loucura

És a flor que toda mulher fabrica

No íntimo profundo da vida


Nei Duclós

5 de novembro de 2022

ARMADILHA

 Nei Duclós 


Estavas quieta sozinha

Me aproximei de mansinho

Te enquadrei na poesia

Te abusei na fantasia

Choraste tão feminina

Morri na última linha


Depois na delegacia

Disse que não era crime

Só o paraíso na terra 

Do meu gesto consentido


Falei da falsa armadilha

De te pegar de surpresa

Fingiste mas já sabias

Que tu, princesa, eras minha


Nei Duclós

3 de novembro de 2022

ESCONDO

 Nei Duclós 


O que tenho para te dizer não digo

Escondo o melhor carinho

Do rosto até o umbigo

Melhor calar diante do sonho

O teu olhar me deixa tonto 

Corro para te alcançar 

Em teu voo de andorinha


Nei Duclós

VENTO

 Nei Duclós 


O que é o vento?

Ar que se movimenta?

Cavalo que monta a onda ?

Mistério? mas tão prosaico!


Pertence a antigo reino

Que submergiu com Atlântida ?

Nasce em templos, conventos

Corredores de cerâmica ?

Faz parte de megalitos

Não passa, como um rebanho

Em redemoinho silente?


O que é o vento

Que ninguém identifica

Apesar de tão presente?


Lenda em livros sem título 

Aparição aos dementes

Furacão, tornado, brisa

Tempestade na bonança?


Espécime de inseto raro

Trigo na vida mansa

Restos de uma bagunça

Pulmão de fôlego curto? 


Nei Duclós

2 de novembro de 2022

SOBREVIVER

 Nei Duclós 


A palavra foi para o lixo

Na disputa do butim

O país que compartilha 

Divide esse tempo ruim


Não vou passar a vassoura

Não participo do crime

Não vou deixar tudo limpo

Para a sujeira política


Jogaram também no lixo

O que vai dentro de mim

Minha épica profecia

Meu evangelho de amor


Fiquei lambendo as feridas

Já que fui tão atingido

Não finjo nada com isso

Inocência fica acima

Dos meus pecados de adulto


Não mudo o foco da trama

Falar de flor só de manha

Enquanto há sangue nas ruas

Palavra que denuncia


Qual a saída? O poema

Livre de filosofia

Apenas ofício, exercício 

Revelação do perigo

Abrigo em dia de chuva

Esperança, mesmo tardia


Nei Duclós

1 de novembro de 2022

ABANDONADO

 Nei Duclós 


Não sou mais aquele personagem

Porque o tempo contou toda verdade

Restou o indivíduo sem disfarces

Pifaro de banda, tambor de couro de gato

Sujeito dos mandados

Pescador de piava

No rasinho do arroio


Abro num lance toda a tarrafa

Moro agora no rio do meu pai

Não fui herói, semideus lendário

Guerreiro de quatro costados

Navegador cheio de bossa


Aprendi a ler na Caminho Suave

Uso o guarda -pó e cabelo engomado

Sou o que não partiu para a capital


Na avenida lotada

Vi os capacetes se aproximarem

Deixei aí de ser soldado

Mas salvei a poesia debaixo do braço 


Minha mãe varre a calçada

Não por obrigação mas por hábito  

Tem olhos exaustos de chorar por mim

Filho pródigo, fugitivo escolar 

Eu tinha no olhar o destino

sórdido 

Dos abandonados


Nei Duclós

31 de outubro de 2022

ESFINGE

 Nei Duclós 


Noturna 

Vens sem ser chamada

No escuro te misturas

E mexes nos armários 

Deslizas sobre o teto

No sótão em meus guardados 

Figura

Nas fotos sem moldura 


És esfinge 

Decifras meu passado

No tempo

Que fica e nunca passa

Moramos

No amor não cultivado

Sonhamos

Cada um para um lado

Acordo

Quando não tem mais remédio 


Nei Duclós

30 de outubro de 2022

MISTÉRIO

 Nei Duclós 


Por mais que o tempo passe 

O amor permanece

Luz que acende dentro

Sem motivo aparente


Quando te vejo é evidente

Que um mistério se apresente

Emoção antes do beijo

Salão de baile na cama


Por mais que nossa aparência

Contrarie o alto cânone

O amor mantém a escrita

Todo poema é um romance.


Nei Duclós

29 de outubro de 2022

CONFINS

 Nei Duclós 


Adiamos o amor

Assim como o poema

Largaste para sempre

O escritor e sua pena

Palavra que perdi

Nas trilhas da vergonha

Sonho que esqueci

E agora me arrependo


Hoje aprendi

Que errei, mas me pergunto

Quando me viste assim

Exausto e sem assunto

Por que o teu socorro 

Não veio até o escriba?


Acostumada ao tesouro

Não te conformas com a vida

Que tudo dá, depois tira

Desconforto da existencia 

Nesta passagem de provas


E assim ficamos sós 

Duas pobres criaturas

Eu sem resistir

À soma de problemas

Tu musa sumida

Nos confins do abismo 


Nei Duclós

22 de outubro de 2022

TORNADO

 TORNADO


Você dá voltas

mas ainda pousarás exausta

Talvez fora de mim 

não acho que retornas


É que conheço o diapasão da partitura 

Decorei o sol em tardia  chuva

Não espero nada além da má conduta

É como um poema ruim, olho de vidro


Cravo um roseiral cheio de espinhos 

Assim é o amor, corpo abatido

Sou um tornado  no  vento contrário 

És a planície que me aguarda 


Nei Duclós

17 de outubro de 2022

GLÓRIA

 Nei Duclós 


A glória pode ser triste

Quando imerecida

Ou mesmo quando é justa 

Mas não vale nada

Porque jaz no sótão ou no quintal

Enquanto a vida segue por fora


A glória vale na hora em que se ganha

Ou depois, pela memória

Pode acalmar a fome de reconhecimento

Ou ser fermento de uma redundância

Quando fica patética, vira abóbora 


A glória pertence à divindade

Já que somos escória

Ou seja, passageiros do desejo sem sossego

Orgasmo provisório 


Nei Duclós

11 de outubro de 2022

VONTADE

 Nei Duclós 


Beijo teus joelhos

Para fazer justiça 

Joelhos não costumam ser beijados


Beijo teus ombros

Ombros são a taça que serve o champagne do desejo


Aproxime teus seios

Para que fiques surpresa

Pois estamos distantes

Tirando a sorte de um realejo


Dizes que me aproveito

Escondido no breu da madrugada


Não se faça de tonta 

Para ver até onde eu chego


Assim desconfiada

Não há perigo de um acordo


Acordas molhada

Finges que é um sonho

Essa vontade na garupa da palavra


Nei Duclós

9 de outubro de 2022

RESSACA

 Nei Duclós 


Releio o que fui, saudoso

Agora olho o que sou, remorso

Colho o que não plantei, esporro

O tempo em que me perdi, sem fôlego 


Solidão de quem não aceita, se prende

Falo porque viciei no verso

Esqueça o que disfarcei, solerte 

Evite a manipulação, massacre


Deixe que me entenderei, só passe

Encontre mais alguém à frente, ressaca

Note que lá estarei, exausto

Sou o que não sei, esparso


Apago para que possas ver-me, couraça 

Defendo a vocação da queda, palhaço 

Aprendo quando perco a guarda, apronto

Receba-me porque não mereço, e basta


Nei Duclós

30 de setembro de 2022

PROMESSA

 Nei Duclós 


Toda poesia é de amor

Não só na carta apaixonada

Ou na celebração familiar

Também no front quando não queremos guerra

Na consagração de alguém ou de um país 


Toda poesia é um coração

Mesmo no amargo bilhete de adeus

Ou na ordem de demissão

Seu trabalho é muito bom

Mas não podemos mais ficar no mesmo espaço

Vá embora, meu irmão 


Toda poesia é um abraço

Quando ainda não te conheço e quero amasso

Quando volto do exílio quase morto

Quando não tenho motivos só vontade

Vinda não sei de onde, da tua graça 

Do jeito que caminhas, do cansaço

Ao dobrar a perna no banco da praça 


Toda poesia é uma glória 

Talismã da sorte, seta de Cupido

Promessa que cumpro mas não faço 

Palavra que se ajoelha sem pedir perdão 


Nei Duclós

HERÓI

 Nei Duclós 


Petizes de

guarda -pó branco

Estávamos perfilados no pátio do grupo escolar

Os adultos nos serviam um copo de leite com grossa nata

Gosto enjoativo na manhã de inverno


Eu não acreditava quando naquele momento

Nos diziam

Que seriamos o futuro da nação imensa


Como poderia?

Éramos tão pirralhos 

Não tínhamos nem um metro de altura

E pediam para sermos gigantes um dia    


Passado todo esse tempo

Continuo não acreditando

Quando foi, meu Deus, que deixamos passar a chance?


Sou hoje maior e mais velho dos que nos serviam

Diga meu pai por que não te mereci?

Antigo pescador, dono de lojinha

Criador de nove filhos

Depois dizem que heróis não existem


Nei Duclós

28 de setembro de 2022

RESTOS

Nei Duclós 


Não é preciso que me digam

Eu vi no espelho

Rosto velho com estrias

Cercando os lábios e os olhos

Sulcando a testa feita de terra 

Cabelos raros na tristeza tardia


Mas não ache que eu quero de volta

A idade jovem das derrotas

As decisões erradas

A demora em aprender automóvel

As falsas amizades

A falta de leitura

Ou mesmo o tempo das coisas certas

Casa, família e suor na metrópole 


Remorso nem agora nem outra hora

Apenas o resto de mim

Que vejo sem histórias 

Sai dos cortejos, fechei  a memória 

Não pergunte por que os sinos choram

Eles antecipam o tempo sonoro

Da guerra, e sua velha cara

A falta de sorte


Haverá alegria

O beijo em Paris no dia da Vitória 

Mas não serei eu a disparar a arma

Apontando para um céu sem misericórdia 


Nei Duclós

20 de setembro de 2022

O ESTRANGEIRO

 Nei Duclós 


O poema é  como o Brasil: não consegue ser visto em sua real identidade

O que é  o Brasil? disse uma vez Charles Bronson


Vivemos em árvores

Habitamos savanas

Temos várias línguas oficiais

Mas no Brasil existe uma linguagem? perguntou a britânica do interior para um jovem brasileiro em visita ao pai inglês


O poema é  a mesma coisa

É  visto como comentário, crônica

Ou pior: como "texto"


Poema não é  prosa

Embora exista prosa poética

Nem é  coadjuvante no drama da literatura

Não precisa de rima ou verso alexandrino para ser o que é 


E se insistem em perguntar o que é  um poema

Respondo: é  assim como um pentacampeão do mundo 

Tem cidade campo praia floresta

Mas é  sempre ele só, único 

Como diz o poeta:

"Gigante, pela própria natureza"

Ou a letra da canção:

"Um pequenino grão de areia

Que era um pobre sonhador"


Nei Duclós

16 de setembro de 2022

SÓTÃO

 Nei Duclós 


Não falo a verdade

Falo o que me dá na telha

E a telha cobre o sótão 

Onde estão os macaquinhos


Acho graça da pose de quem se faz de doido

Ou do falso outsider arroz de festa


Poesia é quando o palhaço se mostra

No circo dominado pela vaidade


Diz que vive no campo mas mora na cidade

Que é  esquecido mas acumula prêmios 

Sente orgulho de fazer tudo errado

Compõe uma biografia cult projetada


Faço acrobacias no picadeiro

E me arrasto até o trapézio 

Sou o urso fugido da jaula

Monto a cavalo


Nei Duclós

15 de setembro de 2022

SOBERANA

 Nei Duclós 


Enquanto houver o canto haverá mundo

O que nos formou no primeiro sopro

Ombro do Criador que segura o Tempo

nas frágeis mãos do verso, flor de uma promessa


Enquanto houver a chance que imaginamos

Haverá o momento de viver sem medo

Herdeiros do amor insurgente

Pedra angular que ainda persiste

No assombro da voz soberana ao silêncio 


Enquanto houver leitura terei teus olhos

Janelas da mente aberta de um refúgio

Teimoso coração do poema


Haverá teu corpo com água de cheiro

E o rosto doloroso de açucena


Nei Duclós

VOLTAR

 Nei Duclós 


Na pandemia fomos empurrados para fazer outra coisa 

que não fosse viver


E agora que o perigo parece ter passado

(mas nem tanto)

não achamos a embocadura para retomar o que deixamos para trás 


Fomos traídos pela Era de Aquário 

Para deixar de ser besta

Milhões morreram no sufoco das máscaras

nos rostos em pânico 


Impossível voltar à infância

Seguir em frente é atingir o limite da terra plana


Nesse momento

decidimos nos afogar no conhaque,

a poesia 


Nei Duclós

DESTINO

 Nei Duclós 


O que cabia ao inimigo hoje cabe em ti

És o pesadelo que denunciaste na pele do Outro


Mas a memória te trai

Vives na lógica de um mundo morto

Que se transformou

E vira-se contra ti


Não adianta provar nada

Não é  a ideologia que cega 

É a mente imobilizada no disfarce


Não te peço para acordar, é inútil 

Só lamento perder mais um amigo

E servir de repasto para a calúnia

Que disseminas com o olhar oblíquo 


Estar sozinho hoje é  abandonar o passado

É arrostar o Tempo sem misericórdia

Conviver com o destino apunhalado


Nei Duclós

6 de setembro de 2022

 CONTOS DE JOSÉ EDUARDO DEGRAZIA: 

A ELIPSE NA SOBREVIVÊNCIA DA GUERRA .

Alertados por Luiz Antônio de Assis Brasil no posfácio de "Tia Gorda e Tia Magrinha na Guerra do Parsguai - e outros contos de guerra, sonhos, amores, de José Eduardo Degrazia (Bestiário, 110 pgs.) os leitores ganham ao eleger a elipse como a chave para costurar esta literatura de fino acabamento.


Escritor premiado no Brasil e no Exterior, o poeta e prosador Degrazia mostra que a sofisticação pode envolver-se profundamente em qualquer cenário, especialmente o chão bruto da fronteira gaúcha banhada pelo rio Uruguai (Itaqui, São Borja, Uruguaiana), onde os hábitos, os crimes, as emoções, as memórias vertem diretamente do sangue derramado em inúmeras guerras, pessoais e coletivas. Não que o narrador, essa personagem migrante de qualquer idade, caia no distanciamento e na omissão. Quem conta um conto faz parte do tiroteio e recolhe cestos de flagrantes diretos, indiretos, reais ou inventados, num roteiro movediço de histórias pela metade.


Que importância tem a tia que se escondeu das tropas paraguaias? Por que a vítima foi alvo da tocaia? Qual é a vingança do degolado? Preencha os claros desses flashes com a imaginação ou contente-se com as próprias perguntas. O escritor cumpriu o seu papel.


Os contos são rasgos de faca no corpo vivo da História, que sempre foi mal contada. Pois guerra é sobrevivência e não heroísmo. É um velho guerreiro que se afasta para morrer só, pilchado com a indumentária de combate na fase terminal da terceira idade. É o militar usado pela beldade para encobrir o contrabando , é o contrabandista que acolhe no frio a tropa que o cerca, é o que resta de tantos conflitos: a humana percepção da vivência que se alimenta da proximidade e não da distância.


De quebra, o livro oferece o relato da nossa geração (o autor nasceu três anos depois de mim) na mítica viagem às paisagens andinas, onde a mocidade perdida e confusa procurava a paz impossível num tempo de dor.


Além disso, há um erudito resumo da trajetória do conto na literatura universal escrito pelo professor José Edil de Lima Alves. É a tríplice fronteira nas mãos talentosas de escritores e ensaistas que nos repõem a importância da literatura bem na época em que tentam nos empurrar para a falta de assunto e perda de tempo, multiplicadas pelas facilidades midiáticas. A inovação tecnológica precisa nos devolver às nossas origens pois somos pó e não apenas pontinhos de luz.


Nei Duclós

 TAILOR DINIZ: O INTERIOR MIGRA PARA A CAPITAL


A diferença entre realidade e ficção é  que a realidade esqueceu que também foi inventada. Mas o escritor Tailor Diniz  lembra disso a cada conto do seu recente  Porto-alegreanos (Bestiário, 100 pgs.), baseado no clássico Montevideanos, do uruguaio Mario Benedetti .


O que o livro promete - uma passagem bem humorada pelos personagens da capital gaúcha - cumpre de maneira indireta e original. Pois no baú de memórias do autor neste livro  cabe mais a sua vivência antes de migrar para Porto Alegre do que a crônica da experiência adquirida na grande cidade . É  sua terra natal, Júlio de Castilhos - que emerge  com trechos dramáticos da infância e adolescência, mostrando que  as emoções mais fundas se impõem com mais força . Há um espaço entre a aparência da obra ( que pode ser atribuída à percepção do resenhista) e a exímia fábulação do autor.


Ourives de uma preciosa literatura que já tem boa estrada nos roteiros de cinema, Tailor   cobre este lançamento com os cuidados já conhecidos de sua arte. Esse véu é transparente. Nos contos, a capital é mais um desconforto da memória do que sua celebração. O casal de vida vazia que tenta comprar uma casa na praia para fugir do verão porto-alegrense revela essa transgressão literária de um autor fiel à  verdade - que é  a única versão suportável da realidade.


E a verdade de um escritor de verdade é  apontar seus recursos, revelar os segredos do oficio, entregar o ouro - a escrita - para os bandidos, os nada inocentes leitores. O casal na praia se entrega para um corretor, se decepciona e busca refúgio onde quer abandonar. Dupla traição, a conjugal e a fuga da casa onde moram. Onde fica a ética do habitante da capital homenageada que é traida por uma porção de areia em frente ao mar?


E não se trata apenas de denúncia ou metalinguagem, como nas histórias de um personagem para o seu criador. Mas de sutil sugestão inserida no encontro do casal que saiu do amor para a amizade. Os diálogos banais nos dizem que tudo ali é  memória sem poesia - que só é  encontrada numa foto deixada como recordação e que lembra a felicidade presa no passado. Esse recurso justifica o meu verso que a generosidade de Tailor colocou no início do conto. Pois, dito em outras palavras, nada vale a lembrança sem a costura da poesia.


O interior dos jogos de futebol, das visitas ao cabaré, do primeiro amor compartilhado com o amigo fiel e traidor migra para a capital com sua carga de lágrimas e risos. Viajamos junto,  nós, que não podemos viver sem a literatura.


Nei Duclós

UM LUGAR

Nei Duclós 


O verdadeiro frio é a solidão 

Neve na falta de atenção 

Vento sul soprando o coração 


Nenhum truque trinca o desamor 

Gelado mar que nos separou 

Trilha em montanha sem nenhum valor

Pele exposta na superfície polar


A verdadeira dor é quando disse adeus

Teu lenço acena para meu olhar

Molhada flor no rigor do cais


Esperança que busca o único lugar

Um horizonte onde possamos morar

Estação de um trem que está por chegar


Acendo o fogo porque o jogo não acabou

Volta que não tenho mais nada a perder


Nei Duclós

4 de setembro de 2022

DESPEDIDA

 Nei Duclós 


Digo adeus quando te entregas

Adeus à falta de sorte

Adeus à solidão 


Digo adeus à fantasia

À poesia, à espera 

Digo adeus quando te despes

E te abraço cedo ou tarde


Digo adeus quando me pegas

Com teu visgo de mel 

em meu pobre  coração exausto


Mas resistes a este sóbrio convite sem retorno

Adias o namoro

Em vão te faço a corte

Enquanto me pedes tesouros impossíveis


Não sou herói nem sou tratante

Dê-me esta chance

E verás como sou bom na despedida


Nei Duclós

27 de agosto de 2022

DESPERTAR

 Nei Duclós 


De manhã à noite, a palavra

E seu sucedâneo , o poema

Impregnado de sol e madrugada

Solto como arco-íris na espátula 

Quadro composto de letras e nuvem

A civilizar nações com sua pena bárbara 


Paro de repente, há som de pássaros 

Preciso dormir, adormecida amada

Despertarás em mim por força do hábito

Criatura maior, sonhas calada

Enquanto canto para as estrelas

Na linguagem futura da primavera


Nei Duclós



26 de agosto de 2022

ATLANTE

 Nei Duclós 


Não descanso deste ofício que me fez gigante

Deixei de ser pequeno com a força do meu verso 

E hoje cruzo o mar dos contemporâneos 

Torno raso o traço que riscam no oceano


Dizem que sou louco de tanta soberba 

E que me convenço sendo um velho moço

cheio de fumaças na cachola insana

Um Quixote sem escudeiro nem Cervantes

E não um semideus da raça dos atlantes


Mas sou o que vim a ser, monstro

Ou como diz o poeta, impávido colosso

Pegue minha mão, beba desse cálice 

Nasci para jogar a terra além de Andrômeda


Nei Duclós

13 de agosto de 2022

PROMESSAS

 Nei Duclós 


Ameaça amanhecer

E o céu ganha aos poucos

Uma cor de rosa desmaiada

Como se você, pálida 

Exausta de partir

Se reanimasse no meu colo 


Na natureza tudo se cumpre

Mesmo sendo inverno 

O sol, embora tímido

Irá brilhar no meu quintal


Assim como teu corpo

Emerge da sombra

Para confirmar as promessas da manhã 


Nei Duclós

LONGA VIDA

 Nei Duclós 


Longa vida dediquei a outros mares

Achando que era meu o santo sudário 

Mas eu nada seria se não fossem os mapas

Os sinais repassados por mãos solidárias 


Hoje estou imóvel sem o poder diverso

Que tive em tantos anos de sacerdócio 

Sinto o vazio de viver só para si

Como árvore isolada e madeira de calvário


Mas aproximam-se quem foi beneficiado

Perguntam como estou em meu exilio sagrado

Vou bem, digo para não espanta-los

Só dói um pouco quando tento levantar-me

Como fiz com as velas nas tempestades


Nei Duclós

12 de agosto de 2022

NOTURNO

 Nei Duclós 


Café preto com torradas

Na alta madrugada

Quando até a Lua esconde as horas

E as estrelas varridas no último ciclone

Piscam em pânico 

Em direção a Andromeda


O sono vem a cavalo

Contrariando histórias lendárias 

Adormeço com as mãos presas num sonho

Que é  acordar-se por dentro

Lá me sirvo do que está em falta 

na mesa ainda posta

E noto o sol tentando romper a aurora

Com o fígado exposto depois de acender a fogueira


Nei Duclós

6 de agosto de 2022

MUDANÇA

Nei Duclós 


Não reconheço mais estas ruas

Como a cidade pode mudar sendo sempre a mesma?


A memória não cabe no presente

O passado ficou dentro de mim

Pássaro preso


A alma da paisagem abandonou o ninho

E as casas, calçadas, asfalto e pedregulho

Parecem precipitar- se sobre o rio

Como piava assobiando em caniço 


É de barro o sentimento

Que amarra os pés no acampamento

O pampa mora longe

Barco de pesca como chapéu no candango


Sou desta terra, raiz e cartucheira

Fui para o mato  e na volta estranhei tudo

Já existia a mudança 

Na infância devorada pelo tempo


Nei Duclós

MINHA CIDADE

 Nei Duclós 


A  cidade das águas e do pampa

Das ruas largas

Dos bustos de bronze dos poetas na praça

Da caça às  perdizes

Com linhadas no barranco e no barco


Não foi a cavalo que te  conheci

Montado em rebanhos que pontuam soberanos no pasto

Foi a pé, como se eu fosse do

Exército 

Foi a remo, para além do Touro Passo

Nos invernos do Jarau e dos assombrados horizontes da Argentina

Compartilhados conosco

Os do Outro Lado


Cidade do rio Uruguai e das despedidas do sol

Que some engolido pelos silêncios 

Que cultivo em meu intimo acampamento


Minha mãe varrendo a calçada onde meu pai dormia no verão 

O rádio Mullard em sintonia  com Londres e Pequim

E Liberace a toda na eletrola hi fi


Tudo visto da janela do trem

Que numa curva sumiu e reapareceu

No lombo da palavra do tempo 

Que resiste no adulto ainda menino

morando onde jamais partiu


Nei Duclós



3 de agosto de 2022

CICLO

 Nei Duclós 


A vida volta ao princípio 

Quem aprende a andar na primeira infância 

Caminha com o mesmo passo trôpego dos avós


Passada a juventude e a meia idade

Os velhos contam apenas com a formação herdada

Hábitos e crenças que resistem ao tempo

Porque fazem parte da carne 

E o coração precisa desse impulso antigo mas vivo

Para continuar até a despedida


Por isso sigo ainda os horários das refeições 

Impostos na casa paterna

E estudo depois do café com pão 

E vejo filmes à  noite ou aos domingos

E creio em Deus e a Mãe Santíssima

E  confesso meus pecados no sacerdócio da poesia 


Só não jogo futebol no campinho

Nem vejo a saída das gurias

Ao meio dia no  colégio Bom  Conselho


Tenho  compromisso com a idade

E uma saia xadrez acima do joelho 

Pode dar enfarte


Nei Duclós

BLEFE

 

Bate o vento de surpresa

Na funda rua do bairro 

São os anjos com certeza

Que à noite jogam baralho


Voam papéis na sarjeta

E folhas secas se espalham

Será chuva de tocaia

Que as asas botam na roda?


De repente, tudo para

E a calma volta às estrelas

A mesa verde da aurora

Recolhe as fichas marcadas 


Só eu fico invocado

Com a sorte ao trocar de lado

O que era farra hoje é birra

Volta, que serei perdoado


Venta, amor sem pecado

Ponha as cartas do estrago

Blefe com a cara mais limpa

Perdi, mas continuo no baile


Nei Duclós

JACK SE RETIRA

 


Amei o mar

Mas fiquei devendo

Ao me retirar

Não pago a conta

50 anos de sal

E acho pouco 

Na hora da homenagem


Todo porto é igual

Na abordagem

Uma só tripulação 


Todo lugar é conquista

Um monte Paschoal

Em cada  continente

O sonho grita

Terra à vista

A coragem nunca se aposenta


Eu, Jack o Marujo 

Sou comandante 

Capitão de sete mares

Mas simples navegador 

Sob as ordens de Netuno 


Lanço minha âncora 

Não por cansaço 

Mas por amor

Ainda mais alto 

Uma Sereia me escolhe

E faz a cama


Nei Duclós

1 de agosto de 2022

MISTÉRIO


Viciei nos hábitos 

cevados na escassez

Assistir em vez de provocar

Dormir porque agir me faz mal

Ficar em claro na solidão noturna 

Fantasiar no abandono social

Para economizar conversa

E sentir-se miserável no meio da festa


Só a poesia livrou-me da pena máxima 

A palavra soprada pelo anjo da guarda

Emissário do mistério maior

A vida eterna


Nei Duclós

30 de julho de 2022

MIRANDA, UM POETA CLASSICO

MIRANDA, UM POETA CLÁSSICO

Nei Duclós 

Foi-se no dia 29 de julho, para sempre, o poeta Luiz de Miranda, talvez o último exemplar em nosso meio de um poeta  clássico , dedicado integralmente ao seu ofício, com toda a carga de danação e sobrevivência. Mestre na vocação a qual se entregou, ele inseriu em sua obra diversas paixões - a poesia, o amor, a esperança, a amizade - transformando duas cidades, Uruguaiana onde nasceu e se criou, e Porto Alegre, que adotou como segunda natureza, em referências da arte poética. E fez dos  contemporâneos matéria prima de inumeráveis poemas. Dedicou ao próximo um lugar ao sol de sua palavra, sem limitar-se a nada. Nele, o poema é o exagero, que cumpriu com o sacrifício da própria vida.

Morreu só como os heróis antigos, no front de um mundo hostil, com seus tesouros públicos como os prêmios, os livros publicados e a aspiração ao reconhecimento maior, o Nobel da Literatura, que se achava merecedor depois de longa jornada coração  adentro.

Devo a Miranda a lição fundamental da poesia. Ele me mostrou o foco principal da nossa arte: a palavra. Eu tateava no escuro e ele me falou numa mesa de bar: poema é antes de tudo palavra.

Parece óbvio mas é tudo. Como diz Drummond, deixa de lado tua infância e "penetra surdamente no reino das palavras".

Conterrâneos longevos , fomos próximos em  muitas fases da vida e neste século pouco nos falamos. Foi-se o poeta clássico, aquele que merece ser estudado em classe. É vasta a sua herança,  é pobre o que temos a dizer diante das iluminações da sua lavra, agora tornada sagrada.

Nei Duclós

27 de julho de 2022

OS ESPÍRITOS



Os espíritos não tem medo do escuro

Curtem quando descobrem que assombram

Procuram os lugares onde vivem

De memória como os velhos indígenas


Ao escapar do purgatório decidem

Ficar em rodizio no limbo

Aguardam vagas se um dia No paraíso lotado abrirem

Janelas de impunes virtudes


Chutam latas, puxam tranças e emitem

Sons guturais e rascantes

que os velhos cachorros

Inventam

para afastá-los do osso


Pois sentem fome as almas espúrias

Que não desistem de serem humanas

E se acaso te encontram, pastora

Na curva de rio tomam banho

E como eu, ai de mim, se apaixonam


Nei Duclós

25 de julho de 2022

PLANOS

 


Tenho planos (cidades vistas ao longe)

Mas me canso (prefiro ficar na estrada)

Siga adiante ( não tente ser veterano)

Chegará tua vez (todos tem essa chance)


Acaba sempre em poesia

O que jamais escrevi 

Abandono minha pretensão de estadista


Talvez sobrevivas

Ao que estava escrito

Eu permaneço na minha

Vocação de vitória

Ao perder o que tinha


Meu gênio irascível

Sabe o que ignora


Nei Duclós

23 de julho de 2022

CATIVO


Convives comigo sem presença física

Isso te libera de inúmeros conflitos

Que meu corpo antigo provoca nas amigas


Longe, para ti sou um querido

Perto, ardo como urtiga 

Quem me  conhece sabe, mais não digo

Melhor manter a imagem sem retoques

O boa praça dedicado aa poesia

E não o bruto, escorpiano pobre

Mendigo do amor, calcanhar de vidro


Ando pela lua a tropeçar cativo

Na palavra perdida, a única companhia


Nei Duclós

18 de julho de 2022

INICIO DE VIAGEM

 


Ser muito pouco no turbilhão do mundo

Fagulha sem repercussão externa

Cultivo pobre em reduto e esquema

Vida impessoal que exaure o sonho


Quantos são assim, isolamento em massa

Sem sintonia da presença ou fala

Passar lotado no funil da época

Conformar-se, de rosto crispado


Isso decepciona o anjo da guarda

O que aposta tudo em seu protegido

Queria dar-lhe asas mas é proibido

Não que ele precise da transgressão das almas

Fica distraído sem lhe faltar o básico


Por isso há tanto anjo jogado às traças

Que precisa do apoio de quem o abandona

Por achar que é terminal o início de viagem 


Fica difícil convencer a humanidade 

que apesar do medo, o sofrimento e a morte

Temos uma porção da divindade

Viemos para ficar com a marca da passagem


Nei Duclós

PROFECIA

 


Escrevo para que eu possa ver

Como ave noturna que acorda para amanhecer


Mesmo que não haja luz

Ou testemunha para o seu cantar

Ela vive do sonho, tão  certo quanto uma profecia

Dita em voz baixa numa praça vazia


Escrevo para não te perder


Nei Duclós

15 de julho de 2022

PRESENTE

 


Achei que tinha tempo

Mas me foi tirado

Ao recebe-lo


O presente está  embrulhado

Em papel de seda

Dentro há um vazio

Com o recado :

Chegou a sua hora

O que é dado

Cobra a conta


Vou partir

Traído pela entrega do futuro

Que não veio 

Fica tudo jogado fora 

O rosto passado

Diante do espelho


Hoje, palavra de sempre


Nei Duclós

14 de julho de 2022

FUGI

 

Antes eu me importava

Agora não me importo mais

Deixo para você

O cultivo que evitei

Negócios que não fechei


Fugi

Não tente buscar-me aqui

Me escondi

Onde jamais estarei 


Nei Duclós

AGUA DA FONTE


E agora que me viste por inteiro

Com todo meu acervo de conflitos

E perdeste a esperança de ser minha

Por eu me aproximar sem ter direito

E afastar um lance verdadeiro

Já que me vesti de oportunista


Saiba que apesar das evidencias  

Sou eu que sofrerei primeiro

Por não ter poder sobre mim mesmo

E ter virado mendigo em teu caminho

Achando que o perdão da minha pena 

Teria sido o amor, água da fonte

A lavar a alma em sua miséria


Nei Duclós

VISITA

 


Quando me visitaste

Em meu sóbrio e solitário apartamento 

Deixaste cair, sem querer, a bolsa

Que foi ao chão com teu cartão e lenço


Nesse momento descobriste tudo

Que estavas ali por um só motivo 

Querias ficar, doce e decidida

Porque nada pode contra o sentimento

Que agarra todo ser e leva ao piso

Nosso corpo comum num improviso

Na improvável comunhão do paraíso


Nei Duclós

13 de julho de 2022

FEITO AGORA

 


Meu poema não gera espanto

Primeiro porque não tenho cacife para tanto

Vivo da mão para a boca

Como um pedreiro do subúrbio 

E não compareço na festa da cultura

Moro longe das experiências que fazem a cabeça dos contemporâneos

Estou sempre convalescendo

Na terceira idade lenta


Segundo porque ninguém se impressiona com mais nada

E prova generosas porções bizarras impactantes

Já estão servidos


Por isso fico na minha

Pesquiso a palavra perdida nos edifícios 

Nos livros desprezados mas onivoros 

Sempre há tesouros sob a pedra


Assim, componho a poesia sem truques

Como pão feito agora para o café preto


Nei Duclós

12 de julho de 2022

ANJO TORTO

 Nei Duclós 


Levo um tempo para chegar a um  acordo

Com o poema que me desafia

Dá trabalho,  como nas redações do bom jornalismo

Eh feito da mesma matéria

A palavra penteada ao extremo 

Submetida ao olhar alheio, atento

Enquanto toca o telefone preto

Desta vez com imagens que se movimentam 


Tecer desse jeito não expõe o esforço

Parece fácil, mas é carne de pescoço

Por isso os poetas andam meio torto

E  colocam a culpa no anjo que lhes sopra o verso


Por serem gauche

Escondem o verdadeiro rosto

E mostram a cara varrida pelo espanto


Nei Duclós

A LEI

 Nei Duclós 


Não faz sentido o poema que repito

Em infindáveis manhãs do Apocalipse

Se é para cumprir as profecias

Basta obedecer o que está escrito 


Mas não é esse do poeta o seu oficio

Calar-se, devoto de silêncios

Eh dizer sempre, mantra convicto

Como os profetas bíblicos em sua meta

Assombrar a praça e denunciar o reino

Com a voz que fica, gravada em pedra viva 


Assim, de cidade em cidade (os teus ouvidos)

Vou mantendo a tradição dos muito antigos 

Que traduzem o sagrado em eterno grito


Revisite tudo o que estah dito

Quando apareço a pé

Trazendo o trigo

Com as tábuas  da lei, o amor cativo

Que é sempre o mesmo, como um recém nascido


Nei Duclós

9 de julho de 2022

CASAMENTO


Casamento de cuidados

Contingência e  compromisso

Eh beijo para todo lado

Ninguém tem nada com isso


Moral de aliança no dedo

Catedral de abençoados

Casal de uma só palavra

Em paz com a diferença  


Homem e mulher tão   ligados 

Que nem se sabe o motivo

Talvez seja a natureza 

Ou o amor, laço de fita


Nei Duclós

29 de junho de 2022

O BRUTO E A BELA

  Nei Duclós 


A mulher é um presente da natureza, disse o bruto que a desposou naquele ermo

Ela nos civiliza

Com seu corpo de açúcar e sereno

E a mente

Mais resplandecente

Que o sol surfando a primavera


O bruto era poeta

Nos disse o narrador desta história

Ela uma especialista em criação e lavoura

Treinada pelo avo 

Dono de todas aa terras 


O bruto e a bela

Povoaram este lado da montanha

Fundadores da nação

Mais destemida

Que ganhou o mundo

Com navios prontos para a guerra

Vestiam couro

Extraido nos campos de fora


Nei Duclós

19 de junho de 2022

VENCIMENTO

 


Abri o pacote de lembranças

Eram só palavras

Nenhum território de pertença

Coisas provisórias, fatos diversos

Casas, desfiles monumentos feitos de gesso

Diários inúteis, esquecimentos


Onde fica o postal que recebemos

De alguém distante

Falava de amor em alguns garrachos

Grudou certamente no aço vencido

Dos espelhos


Nei Duclós

16 de junho de 2022

MIGRAÇÃO

 


Não tive coragem

E  você escapou

Depois de esperar 

Na gaiola aberta do nosso amor


Hoje olho para o céu

Na esperança de rever

A mulher que voou


Ave migratória

Não se deixa mais enganar 

Pelo olhar de quem não obedece o coração  

E deixa o tempo passar 

Como o vento frio da solidão 


Nei Duclós

PASTORA

 


Fui expulso da fila do gargarejo

Te achaste o máximo e não me deste a mínima

Podias aproveitar

Meu pobre beijo

Mas decidiste apostar 

Em outros lances  


Sou amante indefeso

Amo contente

Nao tenho a tristeza profissional dos brutos

Não faço pose, status de don Juan

Sorrio quando não devo, em tua direção 


Vendo-me assim, solícito e ardente

Esnobas como se fosses uma estrela

és  apenas bela, minha pastora

E por ti sou capaz de uma besteira


Nei Duclós

14 de junho de 2022

VERBO

 


Não importa a vida pregressa do poeta 

Sua infância sofrida

A mocidade rebelde

Importa onde ele  coloca as palavras

A estrutura do verso


Queremos poesia

Não  a fantasia da memoria

Histórias ao pé do fogo

Fotos de perfil heroico  


Queremos o que o poeta põe na roda

No princípio era o verbo


Nei Duclós

13 de junho de 2022

LIDERANÇA

 


A mulher tem liberdade

Sabe o que quer, faz o que manda

Anda como bem entende

Prende quando ama, solta mas não perde  


O homem segue seu passo

Achando que tem força   

Coadjuvante iludido em liderança 

Sou gigante, pensa

Mas teme a solidão 


A mulher gera companhia no ventre

E no coração 


Nei Duclós

12 de junho de 2022

AVESSO

 


Tomo café para pegar no sono

E assim sonhar que continuamos juntos 

Faço  do avesso os hábitos noturnos

Vives em mim, mas não me reconheces 


Durmo com a cabeça aos pés da cama

Ponho o despertador só para fazer onda  

Sei que é inútil  cumprir horário

Connfundi ponteiros no relógio de ponto 

Fui despedido por trabalhar sonâmbulo


Ando sem rumo antes que anoiteça

E tudo recomeça, amor que mora longe

Tomo café para dormir na praça

Onde namoramos até que foste embora 


Nei Duclós

11 de junho de 2022

REMORSO



Perco tempo, faço poesia 

Ganho a porta para sair, como se dizia

Quando perdíamos o jogo

Em tempos idos


Por que insisti no  pobre oficio?

Eu poderia ser maIor, um estadista

E não a vida que parece  chuva

Na suja sarjeta em rua torta

Onde o poema, lixo, vai sendo posto a ferros  


Não fosse o anjo, sóbrio testemunha

Que tudo aponta quando faço versos 

E acha divertido ver-me  com remorso

Aí sim eu acreditaria

Nesta falsa confissão  em firma de autocrítica 


Nei Duclós

10 de junho de 2022

ANDORINHAS



Agora que passou e estás distante

Como pedra preciosas em remota mina

E jogasre fora o amor que cultivamos 

Afugentando as flores e as andorinhas

Medito no que parece um erro humano

E descubro  em ti inspiração divina


Foste como sempre a sabedoria 

Não havia futuro em mim, só eu não via

E partiste em busca de algo mais seguro


O que faço agora do coração, memoria  triste

Se ele guarda a sensação de felicidade?

Como bagagem perdida numa estação

Na espera de um trem, doce milagre 


Nei Duclós

6 de junho de 2022

VOZ DO VENTO

 


Lembrei do sentimento 

Descubro que era você

O amor que estava dentro


Você se foi

Virei uma concha vazia

Onde se refugia

A voz do vento


Nei Duclós

ESSA FLOR

 


Essa flor pode matar

Se for recusada

Ou se do altar cair em  mãos erradas

Daquele amor que ficou para trás

E na  plateia da cerimônia 

Se despede de ti de coração partido


Essa flor em bouquet

De aço

Esse pedaço de sonho morto

Sangue no piso do quarto


Nei Duclós

5 de junho de 2022

MUSEU DE CERA

 


Meu amor eh um museu de cera

Escolho  com quem vou ficar

Desmancho a pobre  criatura

Com meu jeito bruto de agarrar


Depois abraço remota figura 

Cópia de alguém que brilha no além mar

A estrela do momento em obras de doçura

Que  cede ao meu gesto, que a despe ao sonhar


Não me satisfaço em tantas fantasias

E vago na procura do corpo que amanheça

Vivo, sem quebrar o rosto


E encontro, eh a poesia 

Rebento que se importa  com o pobre autor

E acorda o sentimento em sua alma vazia 


Nei Duclós

SOPRO

 


O que fica da vida?

Uns versos repetidos

Que o tempo joga fora


Mas os anjos recolhem esse lixo

Foram eles que sopraram em meu ouvido

E recitam para o mar

No Apocalipse 


Nei Duclós

31 de maio de 2022

SEI

 Nei Duclós 


Sei o que sentes

Pelos sinais que deixas

Um beijo prudente

Um olhar desatento

Um cheiro que prende

Um balanço na rede


Sei o que aprendo

Contigo ao relento


Nei Duclós

26 de maio de 2022

ANZOL⁷

 


Lembrei de tu quand9 havia tempo

E pescavamos no rio que hoje eh uma  avenida


Fechei o  cerco da vida sobre ti

Sobrevivi

Fisgado para sempre pelo rompimento que se abateu em mim


 Nei Duclós

VALOR



A biografia perde substância

E vira uma resma de papel

Diante da vassoura


Encontras enfim a verdade

E ela também não tem valor

O que vale eh ter nascido implume

Entte espinhos

E aprendido a voar

A toa


Nei Duclós

25 de maio de 2022

MEIA LU⁷Z

 


Já tomei o meu remédio 

Já fiz minha oração 

Deitei agora na cama 

Do quarto a meia luz


Ainda tenho esperança

Estrela que me carrega

O coração não  sossega

Teu rosto na escuridão

  

O sentimento me  cega

Sabe que não  tem razão 

Debaixo de mil cobertas

V8ajo em tua direção 


Nei Duclós

TROCA

 


Claro que podes me trocar por outro amor

Não vou interferir

Com gritos ou silencio 


Serei tua oculta dor

Flor sem serventia 

Cacto no jardim 


Lembrarás de mim

Quando a chuva torrencial

Inundar teu leito nupcial


Nei Duclós

Barca

 

Não tenho mais poesia para te oferecer

Ultrapassei a cota

E da tua fuga restou este amargo amor sem futuro

Que se mistura aos restos de peixe nas dunas


Es a barca que vislumbro da praia

Rumo ao esquecimento

Mas tenho a memória do teu corpo

Em meus braços vazios


Nei Duclós

24 de maio de 2022

RESISTENCIA

RESISTÊNCIA 

Não cair na tentação do crime
Nem agredir para fazer justiça
Ou defender-se sem lei
Não confiar em estatística para manter-se bruto

Apagar o rancor, temperar a vida
Vítima desses álibis do vício
Celebrar no íntimo o amor
Único motivo de termos vindo
A esta prova de resistência
No universo frio

Nei Duclós

23 de maio de 2022

NERV⁶OS

 s 


A dor que sinto não eh fingimento

Eh um fato, e não consenso

Depende da posição 

de quem esta fora ou dentro


Não repetir palavras em tantos poemas 

Ser sincero 

Dizer para valer na contracorrente

Ter desvantagem em alto preço 


Mesmo que doa

Nos nervos do verso 


Nei Duclós

22 de maio de 2022

OUTRAS VIDAS

 


Trago de outras vidas

Os mistérios e as dúvidas 

Os dons e as dividas 

A vocação lírica

A flor da poesia


Nascemos prontos na fabrica divina

Como fruto vindo da flor

Óbvia disciplina


Nei Duclós

MATINAL

 


Tomei café na hora certa

Antes da aurora

Quando o sol oculto espia pela porta

E o corpo precisa de uma sacudida

Enquanto dormes

No coração dos pássaros


Nei Duclós

21 de maio de 2022

ESTA9 TODOS PRESOS

 Nei Duclós 


Estão todos presos 

Por não  confirmarem meu pessimismo

Pela surpresa solidária no abismo

Quando eu menos esperava 

No mundo em carne viva


Estão  todos presos

Na cadeia de amor que eu não via

Por achar que tudo estava perdido

O sol o mar a saude a vida

Enquanto vocês pacientemente construíam 

Um novo lugar  chamado convite

Venha, me disseram

Somos teus amigos, tuas amigas


Por isso prendo cada um(a) de vocês

Abuso de esperança 

No meu  coração e no meu espirito 


Nei Duclós

20 de maio de 2022

Aviso

 


Não toca em você meu desejo

Estás acima em cenário de deusa 

Não por ser inacessível, remota estrela 

Mas porque pões no chinelo

O que posso ser como teu amante


Estou sem a fonte do poema que por sorte

Poderá te trazer, divina mestra

Do amor que desperdiço

Meu anônimo lixo 

Recolhido pela Lua

Que avisou: eu não te disse?


Nei Duclós

PISO

 Nei Duclos 


Declarei ⁷meu amor, mas não devia

Melhor ficar só na minha

Estalagmite

Que na gruta pende em riste do teto para o piso coberto

de ametistas que são minhas lágrimas de esmeraldas

Pelo tempo transcorrido 


Felicidade e medo sem sossego

Vento frio no corpo tímido 



SUSTENTO

Nei  Duclos 


Poucas pessoas me sustentam

Não ando no andor, não ocupo templo 

Vivo do que sou, E do que faço me alimento

Chamam de poema, mas é ao certo

Oração da alma em comunhão com o Tempo 


Tenho essa missão, que trago de berço 

Mãe católica  e pai da pesca

Numa  cidade que gerou o pampa

E tem busto de bronze de poetas na praça 


Dos conterrâneos sou exemplar avulso

Cedo migrei  para muito longe

Aqui mesmo, onde o coração é ponte


Volto menino em corpo veterano

Às calçadas que desaguam no rio

A natureza é  minha fonte

A palavra,  o que me alça voo



15 de maio de 2022

PEDRAS

 Nei Duclós 


Tudo mudou. 

Menos nós,

pedras  lisas na beira do rio do tempo 


Nas enchentes, peixes e sereias  nos visitam

Passando suas linguas furta-cor

Em nossa pele de alabastro


Depois brilhamos ao sol

Aguardando os pés das moças do subúrbio 

 


5 de maio de 2022

Morir

 Nei Duclós


Se puede morir quantas veces  se quiera

Cuando se esta vivo,  por motivo qualquiera

En las canciones o la literatura

En la mesa de bar o en amores perdidos


Pero siempre habra la  vantaja

de tales emociones salir vivo


Eso no sirve si la muerte misma

Dale su mortal golpe en la vida

No se puede llorar como se llora

Antes de un café 


No se puede morir sin vivir el peligro

De la pura muerte    

De la muerte misma


APOCALIPSE

  Nei Duclós 


Naquele tempo a terra era plana

Forma  necessária para sustentar os gigantes

Que eram a imagem e semelhança de Deus


Os gigantes viviam mil anos

Como revela a  Bíblia sobre a idade de Adão 

Tinham tempo para formatar montanhas e deslizar cachoeiras eternas em pedras lisas para os banhistas

Fizeram templos e monumentos

Pirâmides e esfinges


Tinham tanto poder que desafiaram o Criador

Construindo a torre de Babel, o Hmalaia 


Por isso foram destruídos

E substituídos por nós 

Que moramos numa esfera

Para não nos sentir tão seguros


REATAR

 Nei Duclós 


É prudente o passo que reatamos

Ainda não é laço, mas lasseou a ruptura

Azeitar o contorno de ser mais próximo

Contornar a herança deste exilio


Não repetir os erros, baixar a guarda

Lembrar o leve toque entre os dedos

Único vínculo que não é um fardo


Servir de ponte quando a dor inunda

Passear no campo, com os personagens

deste oficio insano, a literatura


Farejar a flor que morre no crepúsculo

Dar-se as mãos, sonhando com o futuro


4 de maio de 2022

GÊNESIS

 Nei Duclós 


Depois de uma cerveja Deus criou o mundo

Começou com o bar e fez a rua

O bairro suspeito, o casario decente

O centro com igreja e tudo


Quando o mundo ficou pronto  ele descanso num banco de praça

Que tinha esquecido de criar

Mas os anjos cuidaram de colocar canteiros

E  estátuas bebedouro balanço gangorra e um espaço de areia para crianças 


Jamais ocorrera a Deus, boêmio 

Que o mundo teria praça

Para  saudar o sol 

E curar a ressaca da cerveja



1 de maio de 2022

PROPOSTA

 Nei Duclós 


Propor  charadas para capturar a essência do poema

Não passa de medo de expor-se

Diante da nudez da palavra

E sentir vergonha alheia como se ela fosse tua amante feia


Não chute a palavra 

Que ela é  feita de pedra

E a  única coisa capaz de decifarr os segredos da tua vanguarda

Que é celebrada como se não precisassem da letra e de todo o impulso silábico



30 de abril de 2022

LUZ

 Nei Duclós 


Confinado  no tempo e  no espaço 

Por idade,  complicações, cansaço

Não abro mão da  claridade 

Minha poção de   cura, a cultura

Que cultivo por tradição e liberdade 


Por amor, eu diria, por força de hábito 

O coração é  fogo, iluminação 

Contra a escuridão  covarde


28 de abril de 2022

PASSAGEM

 Nei Duclós 


Por aqui passou o poema

Como vassoura de palha

Deixou estrias no piso

Forçou a porta de entrada


Veio de longe o poema

Do tempo da esferográfica 

Da praia em verões da lata

Das mãos mendigas da praça 

Cadernos espiralados

E de sonhos 

Que já não restam


Passou por aqui, poucas marcas

Revelam sua passagem 

A não ser alguns garranchos 

Nas paredes da tapera 


L

27 de abril de 2022

ERROS

 Nei Duclós 


Só a mim diz respeito

Os erros que cometi

E não foram poucos


Talvez só eu lembre

O Mal com que atingi

Pessoas próximas e distantes

Essa  coleção de desacertos

Que desenham meus remendos


Mas quando me encontro

Com algum contemporaneo

Passamos a borracha

Amores feridos humanos

Memórias flexíveis

Que cabem em nosso vasto coração de abandonos



CEDO

 Nei Duclós 


Faço tudo cedo

Café banho poema 

Não tenho pressa nem medo

Apenas cumpro a agenda 

Escrita pela experiência 


Quem for mais moço  ompreendo

Deixar tudo por fazer

Já fui assim, mas confesso

Que prefiro ganhar tempo


Para estar pronto, liberto 

E aguardar que a fortuna 

Para entrar peça  licença 

E note no meu asseio

O dia acertando o passo 



MAÇÃ

 Nei Duclós 


Provo a maçã de natural promessa

Devo confiar até  na casca

Não há veneno apenas fruta


Imagino  a safra

Até  chegar à  minha mesa

Águas de intensa  clareza

Molham as  macieiras

Mãos de aprendizes

Colhem no ar a doce e vermelha porção da natureza


Mordo a polpa mais perfeita

Sou o alvo dessa prece

Que a terra entre estações inventa


Nei Duclós

AS CARTAS

  Nei Duclós 


Hora de levantar acampamento

Neste .momento de guerra 

Quem dera fosse uma pescaria 

Em que juntar as tralhas era  volar para casa

Com as lições de desconforto do pai

Ferindo os pés

Enquanto  nos dirigiamos para as mãos da mãe


Agora é   batalha

Os pais se foram junto com o País. 

Eu faço a mochila juntando as cartas do meu camarada para a família 

Não há  correio no front

E um tiro selou seu destino

Carreguei-o até a beira deste rio

E sepultei-o entre as pedras 


Se eu sobreviver

Serei carteiro de um herói 

Recebido com lágrimas

Pelos que perderam um filho

Nos  confins da pátria e da memória 


Nei Duclós

19 de abril de 2022

DESPERTAR

Nei Duclós 


Se o ódio por acaso for dormir não o desperte de manhã. Deixe-o ficar lá até ele esquecer de levantar 


Mas desperte  o amor e leve-o para ver o mar


SARJETA

Nei Duclós 


Ficamos sós, eu e o poema

Ofício sem poder no esquema

Ainda riem do que acham inútil 

O varso e o versejador caduco

Ambos sentados na sarjeta suja


Ficamos sós, por nossa culpa

E a lua, sem misericórdia

Vem fazer parte da comédia 

Para ela tanto faz, ilusão ou crime

Poesia é vício da solidão 

Musa distante que o diga


ÍNTIMO JARDIM

 Nei Duclós 


O amor é um jardim sem dono

Que alguém plantou e foi embora

Ele continua produzindo flores

Íntimo da chuva e da terra inóspita


A primavera vem em seu socorro 

Quando o inverno vence a estação dos brotos 

E o clima morto acha que está feito 

O corpo do jardim já decomposto


Ressurge então o amor, supremo rosto

De pétalas azuis por entre o barro

Sentimos de longe, remota montanha

Mas ele está dentro, e diz teu nome

Batismo de seda contra o abandono



17 de abril de 2022

ENCALHE

 Nei Duclós 


Não diga que sou tirano

Porque travo a língua com palavras  pobres

O lixo que recolho serve para o sonho 

Não deixo nada fora no ofício medonho 


É  missão de sacerdote o poeta que sofre

VendO o verbo atirado sem nada que o apanhe

Por isso reza enquanto anima o espólio 

O encalhe das falas e dos relatórios 


Tenho o hábito dos santos apesar de humano

Vivo no pecado das estrofes sem uso

Mas os anjos gostam e devolvem num sopro 

Maravilhosa e inéditos cantos gregorianos


EIXO

 Nei Duclós 


Que coisa boa quando consentes

Que eu toque teu corpo e encontre um  pouso

No eixo que vai do rosto até o ventre 

Teus seios de fogo tua língua  violenta



VONTADE

  Nei Duclós 


Acordo com a poesia

Que dorme comigo

E traz consigo teu perfume físico

Essa rede infinita de vontade e gozo

Essa graça de fêmea,  essa arte  cativa



7 de abril de 2022

A DOR

 Nei Duclós 


Por que sentir dor

Se a dor já cumpriu sua missão de aviso

E em vez de retirar-se no tratamento

Estabeleceu--se no comércio do improviso

E se diverte enquanto morro vivo


É armadilha  contar  com instrumentos

Como a dor, mísero gatilho 

O que parece prático é  oportunismo

Do Mal, esse pacto bandido


Sinto a xor, que   já me tem  como destino

Ao invenlá-la

Alguém disse cace o bicho

Que fez da poesia  seu casulo

Explorem seu amor às letras

E extraiam pelo menos uma estrofe 

Que célebre a dor, sua consorte

No desconforto da pior idade


DANÇA

 Nei Duclós 


Fico extático diante do teu corpo em movimento

Apostas numa dança na varanda escassa do apartamento

Que se despeja sobre meu olhar

O som é qualquer

Importa que teu vestido escorrega prometendo o que não ouso dizer

É de manhã 

Chove o desejo nessa nuvem que nos condena

Ao anônimo abraço irreal 

Sem futuro

Mas só nosso

Ninfa suburbana

JACÓ E RACHEL

Nei Duclós 


Temeroso de perder a noiva prometida

Por um erro de cálculo Ou artimanha

De um sogro idoso que  continha

Como bem mais valioso, a bela filha

Jacó submeteu se ao novo ciclo

Achando seu prêmio garantido


Mas Labão vendeu Rachel às escondidas

E empurrava Lia, a moça bruta


Destruido ao descobrir o fato  novo

Jacó não desistiu, fez se de bobo

E decidiu  arquitetar o astuto plano


Fingiu aceitar a  caçula  mas  de olho

Na primogênita já  casada com outro

E quando todos dormiam despertou o fogo

Para que o  crime fosse o amor e não o ciúme



3 de abril de 2022

SOLDADA

 Nei Duclós 


Esquecida nos relatórios de caserna

Fez a guerra sem vestir o uniforme

Balas  na saia

Ombros de fuzis

Bolsa  com bisturi e mertiolate


Atiradora anônima ,  enfermeira do caos, carreteira em panelas de ferro


Eram tempos heroicos, mulheres que não batiam continencia

Voltavam exaustas, sem soldo, viúvas 

E nas casas preparavam a paz


Escondiam cicatrizes por baixo do pano

Sem jamais amaldicoar a Pátria 

Chão que acoolhe o sangue da família



31 de março de 2022

VESTIGIOS

 Nei Duclós 


As realidades que  vivi em momentos  concretos

Parecem hoje fantasia

Custo a acreditar no que passou 

Neste presente  bizarro

Em que a prosa afasta a poesia


Não transporto a  carga de amor

Daqueles dias

Sou um Quixote que  voltou para  casa

E deixou pistas

Os livros que mal ou bem

Mantem viva

A memoria ao redor do fogo 

Doce ferida



27 de março de 2022

MOSTRAR

 Nei Duclós 


Exponho cicatrizes, não por gosto

Para atrair atenção, me fazer  de  bobo

Ser o que não sou, um saltimbanco

Cromediante da dor, sujeito estranho


Exponho cicatrizes, Deus está vendo

Para repor a verdade onde me encontro

Assim saberás de mim, doce viajante

Que me queres ao vivo e não sabes onde

Está teu amigo De corpo presente


Conhecendo as fdridas seremos humanos

E não iludidos em máscaras de pano

Lúcidos como as manhãs de outono

Que mostram os moços e os veteranos

A viver  com graça as agruras do tempo


25 de março de 2022

PERIGOS

 Nei Duclós 


Em qualquer situação eu poderia ter partido

Quando cortei o braço na janela de  vdro

Ou quebrei o pulso e bati o queixo

Ou mesmo na madrugada correndo perigo

Na inundação de tantos dilúvios

No elevador que perdeu o ritmo

Em acampamentos entre desconhecidos

Nos assaltos em casa ou na rua

Ou nas inúmeras cirurgias


Mas em toda ocasião contei com Deus menino

Com a proteção da Mãe Santíssima

E com o arrimo da família

Que me deixaram tranquilo 

Enquanto a guerra corria solta pelas esquinas

E os insultos dominavam os espiritos



OUTONO

 Nei Duclós 


Outono  chega, mesmo que o verão,  irmão  mais moço 

Espiche a estação do sufoco 

E torne tardio o clima doce

O frio  que nos liberta do calorão em pele e osso


Outono é  o  coração do ano

Sua pulsação, seu abandono

Encontro que vira adeus

Janela de trem em cais do porto 


É  quando vens, no colo do sonho

Braço de mim, saída de banho

A dormir  comigo, depois do tombo

Da fruta que  cai ao desistir da planta que a sustenta

E se aninha em fogo brando 



21 de março de 2022

APRENDER

   Nei Duclós 


Tudo destruí com minha pata de ganso

Fiz desistir quem tentou se aproximar

Não  usufrui da sorte do destino

Sem noção cruzei o tempo distraído 


Hoje peço perdão, mísero sobrevivente

Dou o braço a  torcer, fruto do remorso

Cercado pelo amor de quem chegou para sempre

E com  a poesia me ensinou a ver

O que não atinei e estava  demasiado perto


 

7 de março de 2022

VIAJEI POR MAR

 Nei Duclós 


Viajei por mar

Para aportar no meu destino 

Lotou  o cais

Quando  cheguei no terra a vista


Trouxe presentes 

Para costurar  . no teu vestido

Pingentes de artesão  cherokee  

Estampas em tecidos andinos


Viajei porque quis

Amedrontar teu delírio

Achei  que podia

Cruzar meus limites

Mas eu nada tinha 

Fora do teu sonho,

Bússola feminina


O amor

Me esperava no fim da linha


Nei Duclós

5 de março de 2022

ENXAME

 Nei Duclós 


Como inseto que vem beber água nos teus olhos

E escolhe o momento certo

Para atrapalhar teus gestos

E te acorda no melhor do sono


Assim me tens assidua e inconveniente

A sugar meu tempo com impaciência


Não fosse o amor com seu expediente

De insistente presença ao redor

Tudo seria um enxame sem sentido


O sentimento depura  com a  doçura 

O voo  suicida dos amantes



4 de março de 2022

Cria⁶9tura

Nei Duclós 


Homem tem  a ver com a Terra

Pedras espinhos deserto montanha 

Foi criado bruto

Para viver entre feras 


Já a mulher é  fruto das estrelas

Quando as vemos de longe

E desenhamos esferas em fogo

Mulher é  húmus lava borrasca

Emissaria de sangue seiva nuvem


Homem é  a guerra

Mulher Helena de Troia

Erupção do Vesúvio 

Pomo das Hesperides 


Podemos chama-la criatura

Amor entre armas


 

10 de fevereiro de 2022

RESGATE

 Nei Duclos

Finalmente  encontrei-a depois de dois anos de busca, em estado terminal na maca imunda de um hospital de campanha, nos limites da África setentriomal. Comprei-a de uns guardas vagabundos que a tinham herdado em pagamento de uma divida de jogo contraida com piratas javaneses .


Carreguei-a como um fardo de guerra ate um descanpado onde peguei carona com um aviador detonado, fugitivo de cadeia chinesa.


Levei duas semanas por ar e mar ate chegar ao meu destino. Devolvi-a para a fanilia num encontro pautado pelos berros. Fora vitima de um naufrágio quando atendia populacoes miseraveis e migrantes .


Ela não me reconheceu. Melhor assim. Não é justo, neste mundo aos pedaços, ser chanado de meu único amor.



9 de fevereiro de 2022

EL JUEGO

 Neo Duclos


Me gusta ver  como luchan

Los dos hijos de Serena

Sin cuchillos ni violencia

En juego de campo abierto

Son dos paJaros de oro

A saltar sobre la arena

A tirar sangre en la boca

Quando uno se equivoca

Y se rebienta en risa

Porque tudo es una broma

De muchachos estupendos


Despues vuelven felices

Sucias las dos melenas

A cantar una parodia

Contra los terratenientes


Su lucha es un trenamiento

Para un futuro guerrero

Quando estaran listos

A romper con las cadenas


Como son guapos los hijos

De mi comadre Serena


MARGEM

 Nei Duclos


Inveja eh alma mesquinha

Saco de sal ou farinha 

Peixe que eh pura espinha

Margem seca ribeirinha


Inveja, cruzei a nado

O leito feito de pedra

E ao chegar no outro lado

Vi que o rio tinha sumido


Nao gera nenhum abrigo

Esta falta de compasso

Vivo cercado de cruzes

Que carrego no meu braço


Nei Duclos

28 de janeiro de 2022

JOGO

 Nei Duclos 


Se estiveres voando 

Não se impressione

Eh só cinema


Se estiveres chorando

Não eh contigo

Eh só um romance


Se estiveres pensando

Não se esqueça

Vem de outra fonte 


Se estiveres criando

Não amoleça

Deus esta vendo

22 de janeiro de 2022

FIM DO MUNDO

 Nei Duclós 


O mundo então calou-se

Por não ter o que dizer

Fechou-se em copas

Como as plantas carnivoras

Depois de devorar os últimos insetos. 


O poema mudou-se

Para planetas mais doces

Onde possa sobreviver


O colecionador de sementes

Navega sem porto no mar ignoto

Que bate nos contrafortes

Das serras do amanhecer


Nei Duclós

17 de janeiro de 2022

PERFUME

 Nei Duclós 


Se agora estou vivo

Ainda há esperança 

Mesmo que a dança do extermínio

Se encha de confiança

E imponha o ritmo do funeral na consciência

E o coração esteja tão vazio

Como o rio Uruguai na seca


Agora estou vivo

E todas as memórias  se completam

Povoamos o paraíso de  conflitos

Mas colhemos a flor do fruto ainda por vir

O jeito de resistir 

Imaginando um futuro  com o perfume de conquista



15 de janeiro de 2022

QUATRO ESTAÇÕES

 Nei Duclós 


O que fiz está feito

Não mudarei o entorno da torta árvore 

O corpo é  o que ofereço à eternidade


Os versos são datados

Folhas secas de um outono raro

Véspera do inverno do esquecimento 

Grudado ao verão que o 

anunciou amargo


Fiz por gosto e contingência 

Não fosse o amor

Não teria feito

O melhor de mim

Primavera tardia mas a tempo




14 de janeiro de 2022

COMEÇO

 Nei Duclós 


Aqui, Uruguaiana, onde o Brasil começa

Onde o rio rumo ao Prata abraça o pampa

Somos o sinal de alerta de um país soberano 

A paz da sesta, a pressa do Minuano


Lutamos pelo chão,  

encharados de sangue

Terra de pescadores, de plantas e rebanho


Em tuas ruas largas mora a memória 

Em teu coração montei minha casa de barro 

Meus cavalos de sonho, querencia a céu aberto


Aqui, Uruguaiana

Onde sopra a grandeza

De sermos conterrâneos 



8 de janeiro de 2022

NAVALHA

 Nei Duclós 


Arrisco na oficina

Já gasta de tanto ofício

Duvido que reaviva

A chispa que alimente a trilha


Noto o fio cego da mavalha

Na longa noite de metais sujos

A mão que iluminou maravilhas

Apenas se pergunta 


Serei ainda o ogro do verbo claro

Ou viciei na lavoura do deserto?


Crie o que pinta, disse assim o anjo 

Exausto dessa minha rotina

De morar no céu a inventar o mundo

E não saber ainda qual o meu destino


Acredite, disse ele

Eu só existo porque és exímio

Em produzir o sonho no universo cinza

A revelar o verbo oculto em bruta mina

Mesmo que negues ser o escolhido 


Nei Duclós

2 de janeiro de 2022

A RAINHA DO MAR

 A RAINHA DO MAR


Os versos nascem livres

E cedo aprendem a voar

Pousam em jardins inacessíveis

Onde jamais serão recolhidos para formar uma obra


A poesia sobra 

Ave soberana do oceano


Nei Duclós

NÁUFRAGOS

 NÁUFRAGOS 

Treinei contigo o amor impossível 
Caímos de boca na liberdade virtual
Cada palavra com sabor de verdade
O desejo embrulhado no sonho
O corpo jogado num temporal

Depois acordamos
Como náufragos na praia do real

Nei Duclós