31 de janeiro de 2006

O CHAPELEIRO LOUCO


Abrir o noticiário on-line é tomar chá com o Chapeleiro Louco, como faz Alice de Lewis Carrol numa das cenas mais conhecidas da literatura. O absurdo toma conta da conversa. Empresa neozelandeza envia comida de cachorro para crianças subnutridas do Quênia e dona fica ofendida com a recusa. "Eu mesmo como esses biscoitos de cães todos os dias," disse ela. "São um bom complemento alimentar". Mulher demitida dos Correios na Califórnia entra no seu ex-emprego e fuzila seis ex-colegas e depois se mata. Dois filhos de Francisco tem o desplante de concorrer ao Oscar e, claro, é eliminado na primeira chamada. São selecionados filmes de países como o Fimdomundistão, Rebimboca do Noroeste e Deupratitolândia. Brasil, o que é Brasil? perguntou um dia Charles Bronson, com aquela cara de matador. É um país que envia a gritaria inventada pelo marketing como representante máximo da nossa cultura. Governista cruel obrigava prostitutas de alto coturno a pegar notas de cem com os dentes. Imagino os jornalistas desovando essas barbaridades todos os segundos.

XADREZ - Depois tem as notícias sérias. Morre mulher de Martin Luther King. Irã reage à pressão dos EUA sobre a questão nuclear. Governo americano faz o que quer com informações sigilosas e a população está em pânico. O centésimo súdito da rainha da Inglaterra morre no Iraque. Virson Holderbaum me envia as fotos de 2005, selecionadas. Há várias sobre crianças nos funerais do pai, morto na guerra iraquiana. Brasileiro de 21 anos que era mariner morre numa explosão no interior do país invadido. Saddam Hussein sai furioso do tribunal que tenta condená-lo. Mais um chá? Hoje é dia do teu desaniversário. Há ainda as notícias da intimidade célebre. A cama de Angelina Jolie não será oficializada ainda com Brad Pitt. O que é Brad Pitt? Fez o papel do Coisa Ruim numa madrugada dessas da Globo. Fez também vampiro, gigolô e também clonou Robert Redford num filme do mesmo, em que loirinhos pescavam trutas com isca artificial diante de uma corredeira. Naqueles filmes de época amarelinhos, em que todo mundo usa colete e boné xadrez (é para caracterizar os anos 20).

CULPA - E Jolie? Roubou um filme (Interruped Girl) de Winona Ryder, que dá sopa para o Mal, quando seu negócio é outro. Winona é a melhor, por isso pirou. Ninguém suporta quem é melhor. Mandam para o país do Espelho, a beber chá com Alice. Little Women, lembram-se? Winona em plena Graça. Magnífica também em Garota Interrompida, mas Jolie resolveu aprontar. Levou o prêmio, de tanto exagero. Vi foto de Bradd Pitt na recente viagem politicamente correta de Jolie. Parecia uma sombra. O espírito atormentado não existe isolado. Ele precisa influir nos outros, no ambiente, quando torna-se o Mal. A paz de espírito é auto-suficiente e funda-se na certeza da vida eterna. Mas o Bem está fora de moda. Todos são do Mal, pois o Bem foi seqüestrado pelo mundo transformado em mercadoria. Vampirismo, neonazismo, crueldade pura e simples. Eu me sinto muitíssimo bem, diz o superior de Gian Maria Volonté em Investigação sobre cidadão acima de qualquer suspeita, filme de Elio Petri. Volonté confessa que matou e deixou pistas porque sentia culpa de ser tão mau. O chefe não sentia a mesma coisa? Não, diz o grandalhão, mi sento beníssimo.

CLEPTO - Fazer o Mal é o tormento o tempo todo. Winona entra na loja e leva o que pode mas não deve. Precisa exercer o Mal para sentir-se incluída. Para vingar-se de amores traídos e colegas facínoras. Faz força para não parecer mulherzinha. Mas seu talento está acima de qualquer etiqueta. É que não existem mais filmes para trazê-la de volta, apenas a catequese da danação. Por isso a convidaram para Dracula, com o mancebo Brad Pritt e o metrossexual Tom Cruise. Ela tentou fazer um filme sobre loucura. Convidou Jolie, que entregou-se ao happening da piração.

HOME - Let´s go home, Debbie, diz, no fordiano The Searchers, John Wayne para o anjo Natalie Wood, pré-reencarnação de Winona. Transfigurado pela obsessão da vingança, John Wayne se civiliza com o reencontro da sobrinha perdida. Cansei de ser mau. Vamos para casa.

30 de janeiro de 2006

CINDERELA AMERICANA





Dois filmes quase idênticos, Pretty Woman e Maid in Manhattan, abordam o tema Cinderela na sociedade de classes dos Estados Unidos. As mulheres, Julia Roberts no primeiro (branca, solteira e prostituta) e Jennifer Lopez (morena, separada e camareira) no segundo, são a parte excluída da história, que agarram a única chance da vida diante de um príncipe encantado. Richard Gere, o sucateador de empresas da globalização predatória, e Ralph Finnes, o republicano honesto com um pé na insinceridade da campanha eleitoral e da relação com as mulheres, se justificam pelo dinheiro e o poder, mas são vulneráveis num ponto (exatamente onde Cinderela vai atacar): traem seus ideais, e serão redimidos pelo sentimento por mulheres excluídas. Mas esse encontro não acontecerá se as mulheres assumirem sua condição de classe. Como Cinderela, elas precisam parecer da elite e para isso só há um jeito: um banho de loja. A fada madrinha (em ambos os filmes, o camareiro-chefe) é aquela que avisa: vista-se para a ocasião, mas lembre-se que você é maldita por pertencer a outra classe social. Não abuse da sorte. Apareça e quando chegar a hora, suma. É o que acontece. Mas a segunda chance já estava plantada para o desfecho feliz.

BANDEIRA - Maid in Manhattan é um filme sobre a segunda chance...de Richard Nixon. Parece brincadeira, mas é a pura verdade. O filho da protagonista, um garoto de dez anos, está invocado com Nixon, um presidente que mentiu, mas ao mesmo tempo abriu o mundo ocidental para o Leste. Ralph Finnes é um candidato republicano a senador e tem todo o carisma de alguém confiável. A bandeira nacional, presença obrigatória em todos os filmes americanos, é uma espécie de anjo que desce sobre os cidadãos novaiorquinos. O filme é de 2002 e certamente tem algum link com as eleições, já que apresenta os republicanos como confiáveis, capazes de se envolver amorosamente com o povo desprotegido, representado por Jennifer, que vive sem marido com o filho. O candidato republicano é o marido que aparece de repente: rico, famoso, protetor e apaixonado. Apesar de o filme ser essa grande bobagem, fruto da certeza que os produtores de cinema têm que todo mundo não passa de um bando de babacas, JLopez está emocionante. Totalmente vestida, ela se expressa pelas roupas e jamais pela exposição do corpo. Já a serial smiler Roberts exibe o charme da mulher disponível, que ao se apaixonar encarna o resgate de uma conduta honesta.

DESVIO - Nos dois filmes, a exclusão social e o desvio de conduta são irmãs gêmeas. Por ser pobre, JLopez não resiste e prova o vestido da milionária, e o que é pior, não entrega que não é o que parece. Por ser puta, JRoberts vende seu charme por dinheiro. Ambas caem numa arapuca: no momento em que se apaixonam (por terem colocado a máscara da inclusão social, as roupas), cai a máscara do desvio de conduta. Ela merece uma segunda chance, diz o garoto para o candidato. O homem "de bem", republicano, dá uma colher de chá à mentirosa e casa com ela. Mas ao assumir o romance, ele faz um pacto com a credibilidade. Conto com seu voto? ele pergunta. Vamos ver, ela responde. O investidor de coração seco não consegue desvencilhar-se da mulher com a qual conviveu por mais de uma semana, paga por ele, e acaba nos braços dela, numa apoteose ridícula de braços abertos e limousine prateada. Ao reconhecer a Outra, Gere redime-se da sua condição de homem mau dos negócios. Uma coisa admirável nos americanos é a sua intensa e profissional cara de pau. Eles não têm vergonha nenhuma de mentir e apostam que enganam todo o povo o tempo todo, contrariando assim a máxima do fundador da nação, Abraham Lincoln.

CARISMA - É preciso acrescentar a releitura americana de um detalhe fundamental do mito Cinderela: o de que a protagonista é uma nobre caída, que o destino impôs uma situação de empregada doméstica, e que, com o baile, tem a chance de recuperar sua condição natural perdida. Nos Estados Unidos, onde a nobreza são os valores e princípos fundadores da nação, basta a determinação e a sorte para a excluída ascender ao paraíso da terra de oportunidades. É mais uma mentira, pois uma camareira como JLopez ou uma prostituta de rua como Julia Roberts já possuem o carisma natural e o filme apenas finge que elas são o que parecem. A nobreza está no nome das superstars. A história é apenas a água-com-açúcar para o chá amargo da brutalidade da divisão de classes no Império, coisa que se estende por todo o seu quintal.

RETORNO - O discurso de Al Gore, proncunciado no dia 16 de janeiro, traduzido na revista Cronopios, e comentado por Carlos Eduardo Magalhães, é leitura esclarecedora sobre a melhor parte da América que se insurge contra a tirania que a domina atualmente. Sobre Bush disse Al Gore: " Um executivo que arroga o poder de ignorar as diretivas legítimas do Congresso ou de atuar liberto do controle do judiciário torna-se a ameaça central que os Pais Fundadores tentavam anular na Constituição - um executivo todo-poderoso que recordava demasiado o rei de quem se haviam liberto".

29 de janeiro de 2006

SENTINELAS DO REINO




Demonstramos essa falta de presença, essa identidade perdida, esse misturar-se à areia e às plantas (Crônica publicada neste domingo, 29/01, no caderno Donna DC, do Diário Catarinense).

Nei Duclós

O Verão cumpriu todas as promessas. Torrou de azul o dia interminável. Lavou o corpo seco jogado fora pelo longo Inverno. Bordou de rendas a água clara das manhãs e a tintura anil do entardecer tranqüilo. A lua cheia compareceu para iluminar o noturno pio dos nossos sonhos. Quem poderá queixar-se desta temporada que chegou ao esplendor? A esperança exangue temia tempestades. O fungo da pele grudava para sempre. O tom cinzento do olhar suspirava o desamor com a paisagem. Mas o Verão assumiu o perfil de um deus poderoso que inunda de vibração os planos adiados.

Há ressaca de tanto mar. Pedimos rede, quando devíamos estar na praia. Bebemos água que jamais mata qualquer sede. Passamos ungüentos milagrosos nos braços e pernas que exigem massagem. O cabelo perdeu o prumo, o andar deixa-se levar pela escassa brisa e aparecemos para amigos distantes que chegam de repente. Demonstramos para eles essa falta de presença, essa identidade perdida, esse misturar-se à areia e às plantas. Perguntam sobre nossos laços antigos, mas não estamos mais naquele lugar. Somos agora habitantes de uma ilha, invadida pela ansiedade, perplexa diante do futuro, saudosa de sua paz perdida. Somos habitantes da falta que tudo isso faz em qualquer cidade, somos os que largaram tudo para viver na imaginação cevada em janelas tomadas pelo ruído.

Não sabemos mais quem somos. Alguns de nós voltam para suas origens e lá aparecem fora dos certames da civilização encerrada em redomas de poluição e vidro. Aos poucos voltam ao normal, mas nós somos diferentes. Nós apostamos alto no que nos escapava e hoje vemos que o custo desse passo era a alma que tínhamos gerado em décadas de cruzadas e carreiras. Por isso não atendemos aos chamados, estamos ocultos como a flecha do vôo do gavião que busca a presa. Deixamos que vejam as gaivotas, as corujas, as pombas. Porque o importante é ser a rapina de algo ainda por vir, e que pertence sim ao Verão, mas a ele não se circunscreve. Viramos o enigma que ainda não deciframos.

Sabemos o quanto se enganam, os futuros habitantes que escolhem a ilha porque hoje devoram ostras e camarões com licores árticos. Sabemos o quanto é impossível cruzar os meses de chuva e frio, a maresia que sobe no ar e se congela dentro de nós. Sabemos o quanto doem as ruas de barro, o dinheiro escasso, o trânsito cada vez mais apertado. Sabemos que o verão é só um detalhe da ilha que a todos prende como o olhar da águia. Venham, dizemos, experimentem. E calamos, para rezar em silêncio pelo que virá depois desta época de bênçãos. Pedimos proteção para seguirmos em frente. Queremos chegar ao novo Verão menos marcados, com luzes próprias, e não com esse brilho intenso que nos confunde, esse prêmio que cobra a conta, essa flor que na próxima estação começa a se tornar inalcançável. É quando tudo vira deserto. É quando o vento bate seus mutirões punitivos, desentocando os recalcitrantes. Esperavam o quê? O paraíso é precário e ilusório como uma casa alugada pelos banhistas.

Em meio à multidão, vejo aqueles que vieram dos pescadores. Estão vestidos em meio à humanidade pelada. Rugas enormes nos rostos de pouca idade. Eles se cumprimentam com alguns gritos, dialeto sem porto, museu de linguagens. Aguardam a Primavera, que virá com seu sopro gelado. Sonham com cardumes, mesmo sabendo que eles passam ao largo. Visitam os lugares onde moravam, hoje transformados em condomínios lotados, e depois absolutamente vazios.

Nos bairros que viram mais tarde fantasmas, vejo a espera de quem acumula recursos longe daqui. As calçadas ficarão entregues aos cães de praia. Há um aperto no coração se você trafegar por elas imaginando algo vivo. É apenas o descompasso entre o verão que se foi e a realidade.

Habitamos uma ilha, e são poucos os seus mistérios. Venham nos fazer companhia, mas preparem-se. O Verão é a visita do filho amado, que parte quando chega a hora. Ficamos sós, a varrer saudades. Os falcões aguardam empoleirados. De repente, um deles cruza o ar. É quando gritamos diante de Deus, que decide abrir um claro na charada. Ele traz um ramo de luz na mão grandiosa. Somos guardiões da felicidade possível, neste tempo sombrio, que mantém o Verão como sentinela de um reino que inventaremos não apenas com palavras.

RETORNO - Na imagem, quadro Pescadores, de Fulvio Pennacchi.Na edição impressa do DC, a ilustração, belíssima, é de Samuel Casal.

28 de janeiro de 2006

AQUELE ABRAÇO





Então foi para isso que cruzamos décadas imaginando gerar uma outra cultura, que enfrentasse a desconstrução da vida e da política? Foi para Gilberto Gil divertir a alta burguesia em Davos, sacudindo a pança de grandes empresários, e estimulando o estalar de dedinhos de Pablo Conejo, cada vez mais presente nos ágapes internacionais regados a dinheiro público? Foi para isso, Gil, que aquele abraço e tantas outras músicas se transformaram em hinos cantados e sonhados por nós? Para você divertir a corte sob o pretexto de estar promovendo o Brasil? Foi para isso. Queriam apenas a grana e o poder. Soy loco por ti, bufunfa, soy loco por ti de amor.

RENDA - Então foi para isso que fizeram um escarcéu sobre os escândalos? Para eliminar a única testemunha que se pronunciou, para transformar o ex-chefe da Casa Civil num Lênin de punhos de renda e para todo mundo ir alegremente festejar o aniversário do neto do coronelão que jamais entrega o osso e representa a tragédia brasileira dos manda-chuva de um país condenado à seca? Foi para isso. Para preparar as eleições presidenciais. Para eleger o futuro mandão do sertão. Para servir picolé de chuchu. Para perder tempo com Garotinho (o Rio de Janeiro desaba com chuva, o Brasil não foi feito para tempestade, nossas cidades não passam de um acampamento).

INTERIOR - Então foi para isso que se falou tão mal das Forças Armadas todos esses anos, para enviar tropas para o Haiti, para ver um general morto assim no más e tudo ficar por isso mesmo? Foi para destruir a imagem do Exército do Brasil soberano que se fez tantas denúncias, deixando de lado os massacres do coronelato civil, que no interiorzão mata gente que nunca teve carteira de identidade, que escraviza, corrompe e estupra e entrega tudo - subsolo, solo, ar e água - para qualquer um que seja chamado de gringo? Foi para isso, para não termos soberania.

ASNAR - Então foi para isso que ficamos a vida toda dentro das redações, para ver a nova geração se entregar à perversidade, as velhas gerações se retirarem para o anonimato, os velhos donos da comunicação se tornarem ainda mais poderosos? Foi para acabar com o jornalismo, o texto, a crônica? Foi para isso. Para asnar (o contrário do lobatiano desasnar) a população e assim tudo ficar impune, já que o Brasil é algo obsoleto que não pode existir. Existiu um dia e paga caro por isso.

CULPA - Então foi para isso que leram tanto, que se aprimoraram tanto, para cair nos braços de um analfabeto asqueroso, alpinista social e prepotente, que se acha a coisa fofa de toda a história do país, e que não pára de mentir e ainda nos ameaçar com sua reeleição? Foi para aplacar o complexo de culpa da mente sombria do país ágrafo, que se sente culpado de ter intelectuais, que assim se deixam abater pelo fisiologismo de uma mitologia de galinheiro? Foi para isso, para que nossa universidade seja desmoralizada depois de tantos serviços prestados ao Brasil.

CERVA - Se foi para tudo isso, então aquele abraço. Vamos deixar que dominem o noticiário com falsidades, que destruam as cidades com terror e miséria, que se encham de grana de tanto mentir, e que ainda nos chamem de chorões, reclamões e perdedores. Pois é para isso que existimos. Viemos ao mundo não a passeio e nos defrontamos com algo muito pior do que o pior pesadelo. Mas tudo isso é um exagero de nossa parte. Devemos entrar no cordão, fazer boquinha cool oferecendo a cerva, pular, pular, pular. Está muito calor lá fora, tome uma ducha. Se for político, passe no caixa que as férias foram generosas.

BIALICES - Se for como cada um de nós, prepare-se. Eles não cansam de nos surpreender com suas bialices bigbrodianas, com seus lucianoshucks de idiotia adunca, com seus gilbertosbarros com cara de eunuco à frente a lingeries cor de vinho. Eles são perversos, mas eles vão ter.

RETORNO - Imagem deste post: enquanto isso, o rio Uruguai continua firme, graças ao olhar de Anderson Petroceli.

27 de janeiro de 2006

O TELEJORNAL INFORMA




Jornalistas competentes, rodeados por um esquema vil, sobrevivem com um mínimo de dignidade exercendo o seu ofício. Há limites para a ética dentro de uma empresa de comunicação. Não há virgindade, mas isso não significa que deva haver só sacanagem. Quando o esquema é muito amplo e profundo, caso das redes maiores, fica difícil para o telespectador descobrir o que realmente pega no noticiário. Já sabemos do que são capazes: influem diretamente nas eleições, especialmente as presidenciais, omitem ou destacam fatos conforme os interesses em jogo e, como não conseguem fazer um programa cem por cento, acabam resvalando para as materinhas bem intencionadas, as homenagens apresentadas com muito piscar de olhos, e carinhas fofas dos apresentadores. Mas o grosso do acervo é dedicado aos temas que interessam aos poderes: política e economia. A primeira, colocando close nos rostos que forçosamente precisam aparecer, independente do critério da informação. A segunda, lançando mão da mentira bem fundamentada, ou seja, as pesquisas e as estatísticas.

ESTRELAS - Na sua coluna no Comunique-se, Eduardo Ribeiro informa sobre o novo telejornal da Record, que substitui o de Boris Casoy, demitido: "Há também o aspecto político, que obviamente não se revela e que, suspeita-se, estaria por de trás da decisão de flexibilizar o mais importante telejornal da Record e um dos mais importantes do País. Fonte deste J&Cia diz que não se deve menosprezar a capacidade dos bispos da Igreja Universal do Reino de Deus e muito menos esquecer que estamos em ano eleitoral e que a Igreja tem vários candidatos em todo o País. Boris sempre afirmou que não aceitava interferências e que estava protegido, nesse sentido, por cláusula contratual. Teria saído por esta razão". Esse é o escândalo. Tecnicamente, há a tendência hegemônica de clonar a Globo, o que é ótimo para a líder. Telejornal clonado jamais vai fazer sombra para o pacote de noticiários global. Ao invés de partir para outra escola, como a francesa (em que o noticiário é uma revista diária, com aparição mínima da cara dos repórteres), continuam insistindo no modelo americano, que fabrica estrelas pela superexposição dos jornalistas, em detrimento dos fatos. Não concebo a Record querer pagar dois milhões de reais pela quebra contratual de um repórter tornado famoso pela Globo. Dois milhões? Isso sustenta uma bela redação por um bom tempo.

EUFORIA - Como cansei dos telejornais, tenho visto pouco. Mas ontem fiquei assistindo ao Jornal da Globo, que começou com portentosa matéria em várias capitais falando como o desemprego diminuiu (coisa de meio percentual em média). A euforia da matéria contrastava com os cenhos carregados e rostos preocupados dos jornalistas, que lamentavam, pela cara, a notícia de que o grupo radical Hamas venceu as eleições palestinas. Bush deveria contratar essa turma: eles se preocupam mais com o Império do que os assessores do presidente americano. Havia também o caso da Petrobras, apresentada como empresa brasileira, que estaria alarmada com a decisão do governo Evo Morales de dar uma anexada estatal na subsidiária da petrolífera na Bolívia. Li que a Petrobrás tem apenas 32 por cento de participação brasileira, o resto é dos americanos. Sempre achei, por inércia, que a Petrobrás é totalmente brasileira. Mas, como a maioria das ações é dos estrangeiros, então a encampação não limita suas conseqüências às nossas fronteiras. É uma meia verdade. Quem fala mentira sabe onde colocou a verdade, mas quem diz meia verdade não sabe onde a escondeu, diz Omar Sharif para Peter O´Toole em Lawrence da Arábia.

BOLÍVIA - A grande sensação é o Evo Morales, que tem um nome carismático. Seu prenome remete ao ser adâmico original, que somava os dois gêneros, segundo os rosacruzes. Seu sobrenome é plural de moral, assim como Vinícius, como notou Tom Jobim. A roupa que o novo presidente veste é motivo de rios de tinta e bits na imprensa. Sua posse é vista como hegemonia da esquerda na América Latina, que estaria assim bem servida, já que tem Hugo Chaves, Lula e o presidente uruguaio nesse nicho político. Se esquerda é Lula, se Chaves é modelo, se o presidente uruguaio, que ameaça o Mercosul com acordos bilaterais com os Estados Unidos, é socialista mesmo, então estamos mal servidos de esquerda. Temos uma situação híbrida, como num telejornal. Onde fica a informação?

RETORNO - 1. Acima, quadro de Salvador Dali, que pode ser acessado no visitadíssimo Banco de Imagens do portal Consciencia.org. 2. O governo americano, que fala tanto em democracia, diz para o mundo (que é dele) boicotar o governo eleito democraticamente na Palestina (lá não deve ter telejornal com influência nas urnas). Pelo menos, até o Hamas "depor as armas". Em nome da coerência, onde os americanos vão enfiar o arsenal nuclear e sua indústria armamentista? Se o adversário vence, não vale? Democracia, para os EUA, é o nome da ditadura.

25 de janeiro de 2006

POETAS DO MUNDO MUDO





Torturaram a mataram o poeta peruano James Oscco Anamaría. Há um movimento internacional contra a impunidade de um crime com requintes de perversidade. A atitude perversa está disseminada por todo o tecido social e chega a furo com toda sua força em episódios tristes como este. Como não conhecia o poeta, nem sua obra, nada disse. Mas como faço parte, informalmente, devido a uma pequena participação(enviei dois poemas chilenos, um sobre Allende e outro sobre Pablo Neruda, ambos incluídos no meu livro No Mar, Veremos) do movimento Poetas del Mundo, decidi me manifestar. O resultado está aqui, neste poema inédito.

SILÊNCIO

(Para James Oscco Anamaría)

Nei Duclós

O que pode a palavra contra o bruto?
para que serve o poeta no jazigo?
onde seu corpo encontrará abrigo
na vala comum deste mundo mudo?

O que podemos nós, triste testemunho
diante do carrasco que se multiplica?
Nosso grito é um silêncio em ruinas
nosso horror é um bairro destruído

Foi-se o poeta e dele eu não sabia
assim como jamais soube de sua luta
Morre o poema sem nunca ter nascido

Fico cercado pela solidez impune
a que conta com nossa indiferença
Caio junto, nesta resposta escura

RETORNO - A foto do poeta e, acima, uma natureza morta de Fulvio Pennacchi. Existe uma "Convocatoria a poetas del mundo a participar en Antología Solidaria: James Oscco Anamaría".O contato é Ariasmanzo (Luis Arias Manzo), Secrétaire Général, www.poetasdelmundo.com, Tel: (56-2) 638 6245. Santiago de Chile.

24 de janeiro de 2006

ÍCONES DO AQÜÍFERO ZERO





O título acima não faz sentido, é apenas uma costura de retalhos composta pelas palavras da moda. A mídia adora falar em ícones para assim sentir-se iconoclasta. Então tudo vira ícone. O abuso do conceito é apenas o vício do Mesmo, tantas vezes apontado aqui. Não cometa a heresia de não usar ícone na sua matéria. Ficaria assim, meio deslocada. A descoberta do aqüífero é outro deslumbramento. Existem centilhões de metros cúbicos de água intocados muito abaixo do solo, mas não é hora de mexer no aqüífero, isso vai contaminar o aqüífero, o aqüífero existe para não humilhar ninguém. E zero, desde o tolerância zero da polícia de Nova York, empresta contundência ao jornalismo orientado pelas consultorias. Uma autoridade aqui em Floripa chegou a falar que a reconstrução do Mercado Público incendiado (que já aconteceu) era muito urgente, por isso ele se referiu a prioridade zero. Ou seja, nenhuma prioridade. Não importa o significado, o importante é usar zero. Fome zero, violência zero, tua-mãe-sem-calça zero. Faz sentido. Está tudo zerado mesmo.

CONSENSO - Houve um tempo (o do Geisel) que a palavra da moda era consenso. Com a imprensa censurada, o país na maior encruzilhada, o som contundente de consenso tomou conta do noticiário. Deu certo, o consenso gerou a ditadura civil. O uso recorrente de palavras é a muleta dos escribas de aluguel, aquele tipo que te convida à reflexão, como se reflexão precisasse de convite. É moda também bater em religião, como se a fé fosse, em todos os seres humanos, contaminada pela histeria e o fundamentalismo. Dia desses é outra expressão execrável usada a torto e a direito. Dá um tom coloquial cool ao texto. Lembra aquela empresa que existe na avenida Rebouças, em Sampa, Toldos Dias. Nome de empresa é um escracho. Não entendo a síndrome de Dupond e Dupond, os gêmeos impagáveis do Tintim, que repetem o que o outro diz. Patas & Patas, por exemplo, nome de uma petshop no meu bairro em Sampa.

FISCAIS - A maior praga é o confira, como se o leitor fosse fiscal. Todos tem que conferir o tempo todo. Isso não muda nunca. Não saia daí, o apelo dos apresentadores de TV para nós, que ficamos no sofá. O país ágrafo deita e rola no lugar comum e no pesadelo da linguagem. Quer que eu liga? perguntam, num funeral eterno do subjuntivo. Pelo menos por aqui, na praia, o horrendo brigadão (que tem como resposta brigado eu) não é tão usado como em Sampa. Num ambiente onde não se lê, muito se escreve, por contingência. Jornalistas que jamais leram um livro (conheci inúmeros), empresários incapazes de escrever uma carta, polemistas que confundem aculturar com implantar cultura. Num sermão fúnebre, ouvi um padre falar sobre a tremenda perca que foi a morte do homenageado. Menas já é um ícone. Menas árvores.

DESEMPREGO - Neste domingo, no Canal Livre, da Band, ouvi o ministro Patrus Ananias (nome de desenho animado ou de velho gibi da Disney), falou que o governo Lula gerou quatro milhões de empregos de carteira assinada. A economia anda, porque as pessoas precisam sobreviver, surgem alguns empregos por força das circunstâncias e quem é o responsável? O presidente, claro. Imediatamente, o mesmo ministro falou que o desemprego é um fenômeno mundial. Ou seja, há desemprego, mas são criados empregos. Haja. Nem o aqüífero nos salva. Ícone zero.

RETORNO - 1. A imagem é mais uma foto de Marcelo Min, que enxergou com seu Olhar Absoluto uma dança na periferia. 2. Outro vício terrível é fazer uma pergunta para o incauto leitor terminada com: certo? e responder: Errado.

ESPECIAL - Urariano Mota me envia matéria sobre Yuri Firmeza, o artista cearense de 23 anos que ludibriou a deslumbrada imprensa de Fortaleza ao inventar um artista japonês de vanguarda. Deram o maior destaque. O artista de vanguarda está no quintal deles, mas não é visto.

22 de janeiro de 2006

CONSULTORIAS, A MISSÃO





Fazer jornal ou revista é fácil, basta passar o comando a quem é do ramo, ou seja, jornalistas. Você não faz jornalismo chamando uma consultoria cheia de fumaças de pessoas que se dizem masters em comunicação e que no fundo apenas servem para tirar dos veículos o que eles têm de essencial, a informação, a independência e o talento. Se você for realmente bom, não vai ficar engravatadinho dando conferências com frasesinhas de auto-ajuda do tipo "a redação não é mais um reduto de loucos apaixonados, mas de gente que trabalha em sintonia com produção e marketing", como li ontem ao pesquisar sobre este tema. O problema é que as consultorias continuam fazendo estrago e não perdem as chances de continuar faturando alto enquanto os jornais e revistas viram essa pasta uniformizada, que apenas reproduz o Mesmo, jamais ousa de verdade, abandona o que há de mais importante (pessoas do ramo e leitores) e usam como massa de manobra a quantidade de recém formados que, desesperados, batem em todas as portas. Depois de destruírem os grandes jornais e revistas, agora as consultorias pegaram os jornais médios regionais. É um assunto complicado, que precisa ser abordado com todas as garras. Basta de picaretagem.

INOVEICHON - Qual a verdadeira missão das consultorias, especialmente as multinacionais (com sede para a America Latina em Puerto Rico, olé!), que adoram palavras como inovation, que nada mais é do que o verniz que eles passam por cima do sepulcro caiado em que transformam a comunicação? Servem para consolidar o sucatamento do jornalismo brasileiro, proibido de existir depois que o país perdeu a soberania para a pirataria internacional. Você não destrói um país mantendo vivo o jornalismo. É preciso acabar com a profissão, como já fizeram. Para isso, é preciso desmoralizar o jornalismo. Como se faz isso? Simples. Primeiro, usa-se os lucros gerados pelo bom jornalismo para acabar com os lucros da empresa. Isso vem da incúria do gerenciamento. Nos veículos mais importantes, graças ao envolvimento dos grandes grupos de comunicação com a privataria, quando se meteram em ramos como telefonia e derram com os burros nágua. Nos menores, graças à destruição da credibilidade do jornal médio ou pequeno, que vende sua tradição em troca de dinheiro em época de eleição. Feito esse serviço, coloca-se a culpa nos jornalistas. Eles seriam uns loucos apaixonados que ficam jogando tudo fora. Então chama-se a consultoria, que ganha por pessoa demitida. Eles enxugam as redações, ou seja, derrubam os veteranos, impõem a censura e colocam um monte de jornalistas recém saídos do forno para usá-los de maneira torpe, ou seja, explorando sua energia e boa vontade para fazer um monte de bobagem.

MANIPULEICHON - Depois, é só manipular os resultados. Quando o projeto fracassa redondamente, depois de dois anos, o veículo, pela tradição, tende a continuar, mesmo capengando. Pois coloca-se esse projeto fajuto no currículo da consultoria e parte-se para outra vítima. O jornal que adotou os consultores acaba perdendo a forma e continua se arrastando, como puta maquiada que ainda sonha em faturar. Como não há oposição, esses safados tomaram conta da mídia desempregando milhares de pessoas preparadas e talentosas. E continuam dando as cartas. Depois de fazerem a cagada monumental de destruir a revista da Editora Globo, Pequenas Empresas, Grandes Negócios, que tem um titulo magnífico, mudaram o nome para PEGN, impronunciável. Demitiram Manuela Rios, a maravilhosa jornalista que, sorte minha, depois de 12 anos como diretora de redação , veio fazer reportagens para revista que eu editava na Fiesp, a Noticias Fiesp/Ciesp. No lugar dela, colocaram um monte de pessoas sem preparo. Você vê o quê hoje nas banca? O velho título da revista, que é um achado e influencia um monte de outras marcas. A revista voltou com seu título tradicional. Perdeu tempo e dinheiro com os falsos entendidos.

PADRONIZEICHON - Na Gazeta Mercantil (que afundou graças à má gestão do sr. Luis Fernando Levy, segundo fontes fidedignas) e no Estadão (que perdeu seu carisma em favor de uma padronização), as consultorias deitaram e rolaram. Quando estava na Fiesp, grandes jornalistas me telefonavam contando tudo. É assim que as consultorias fazem. Implantam o terror, demitem sem dó, acabam com a alma dos jornais e revistas e depois saem lampeiras em busca de outros pescoços. E fale mal deles para ver. São intocáveis, com seus textinhos de auto-ajuda.

RECEITA - Como salvar um jornal? Restaurando sua credibilidade. Basta chamar um diretor de redação (cargo que está sendo extinto) e dar-lhe autonomia. Agüentar o repuxo das denúncias, viver de leitores, separar jornalismo de publicidade, reinvestir os lucros na própria empresa de comunicação, pensar a médio e longo prazo, demitir os colunistas que vendem notinhas, não servir de veiculo para a bandidagem, especialmente a do dinheiro público, montar equipes talentosas, permitir que desenvolvam seu trabalho sem interferências sacanas. Fácil, não? Claro que tudo isso causa horror à maldade que tomou conta dos jornais e revistas. Eles preferem esses profissionais de oclinhos redondos, boquinha túmida, cabelinho espigado, terninho da moda, dedinho em riste, masterizado, bestializado e cheio de dizidas. Pois esses você joga no lixo. E traga de volta o velho lobo do mar. É disso que o leitor gosta.

RETORNO - A imagem deste post é mais um quadro da mostra "Un orizzonte poetico", do pintor belga Jean-Michel Folon (1934-2005), divulgado na revista Sagarana (link ao lado).

20 de janeiro de 2006

A DITADURA DO DINHEIRO FALSO


A ditadura financeira instalou-se no Brasil com o golpe de 1964. Os militares levaram a culpa, mas quem assumiu o poder foi a pirataria internacional, que continua no poder usando dinheiro sem lastro, pura especulação financeira, que serve para tungar o patrimônio de países emergentes. O Brasil foi sucatado em função de objetivos estratégicos. Henry Kissinger disse que não permitiria que surgisse uma potência ao sul do Equador . Tudo isso está na entrevista que o candidato de Gilberto Vasconcellos para a presidência da República (pelo PDT), o físico e engenheiro Bautista Vidal, deu para a Caros Amigos. Como falo essas coisas há anos aqui no DF, decidi transpor alguns trechos, que são de deixar qualquer um de cabelo em pé.

"Na hora em que Roberto Campos assumiu o Ministério do Planejamento e o Castello Branco entregou o poder a eles, nunca mais largaram. O Andrada Serpa, então membro do alto comando militar, general quatro estrelas, não tinha um décimo do poder que o setor financeiro tinha. Isto é, a ditadura financeira, sim, realmente surgiu no período militar.

1979 foi um ano de ruptura. Porque países como o Brasil, especialmente o Brasil, com uma imensa potencialidade, principalmente em termos energéticos, estavam tomando decisões e medidas que irremediavelmente provocariam uma mudança no poder mundial. Isso assustou o poder real, e houve dois ou três pronunciamentos decisivos em 1979, ano de muitas reuniões do grande capital financeiro internacional, de onde saiu a famosa frase de Henry Kissinger: "Não admitiremos um outro Japão ao sul do equador". Outro Japão, conversa! O Japão não tem energia, não tem minério, é uma ilha nua. Temos a base dos materiais estratégicos do planeta.

A rigor, a moeda é uma coisa extremamente importante, é uma invenção extraordinária da humanidade, posto que é o símbolo de todas as riquezas. Além do valor simbólico, existia o valor intrínseco, era de ouro, de prata... Costumo usar o exemplo do Kublai Khan, potentado que controlava o dinheiro, tinha um grupo de ministros da Fazenda que assinavam aqueles papéis e eles valiam como se fossem ouro. O ouro acabou, eles passaram para o bronze... e aí o seu grande império ruiu, porque o dinheiro não valia nada. Passou a ser uma grande empulhação. Isso está ocorrendo até hoje de maneira escandalosa, e à beira de um colapso, porque se avalia que o papel-moeda circulante seria no mínimo cinqüenta vezes a riqueza que deveria representar, ou seja, cinqüenta vezes falso.

Então é um sistema completamente desacreditado, falido, os bancos estão caindo aos pedaços em todos os países, nos Estados Unidos, no Japão, prevê-se um colapso a qualquer momento. Agora, o que sustenta isso é uma coisa absolutamente crucial - é que, devido à ocupação militar do Oriente Médio, esse papel compra petróleo. Pronto, ele passa a ser um papel legítimo porque compra o bem essencial que movimenta o mundo, a energia. É uma garantia exclusivamente militar, e exclusivamente dos Estados Unidos. Então, hoje, a moeda se ancora no poder militar, e daí compra petróleo. Só que é um poder transitório, porque o petróleo está acabando.

As coisas resultam de uma dinâmica cujas peças essenciais estão, por exemplo, na fraudulência do dinheiro. Pronto, basta isso. Temos de ir nos pontos de origem e causa, todo o resto é decorrência. Monta-se um sistema financeiro em que produzir alguma coisa é inviável. Nem cocaína dá as respostas que a usura financeira impõe sobre nós. Somos um país condenado à ruína pela inviabilidade do instrumento que é o símbolo de todas as riquezas, que compra tudo, até mesmo as consciências, empurra a mídia, é emitido de forma absolutamente arbitrária, sem nenhuma fundamentação e com critério de poder sem limite, de uma ditadura mundial que é uma máfia centralizada no Fed, o banco central americano, que emite sem dar satisfações a ninguém. Então, como pensar num processo de competição, se o símbolo de todas as riquezas é algo arbitrariamente controlado e emitido ao bel-prazer de uma máfia secreta? O processo de competição é absolutamente inviável. E exatamente nessas condições os dirigentes brasileiros falam em "competição", "abrir o mercado", quer dizer, são uns loucos, na melhor das hipóteses.

As operações com moedas ultrapassavam 250 trilhões de dólares, o que não significa circulação, porque há muitas operações repetidas com a mesma moeda. Há instituições que analisam o quadro e dizem isso. Agora, o que realmente circula está entre 40 e 60 trilhões, que já é um absurdo. Para uma relação de trocas de bens e serviços da ordem de 4 trilhões, circulam 40 trilhões... no mínimo é dez vezes falso. Você só pode emitir moeda baseado na riqueza que realmente circula. Esse dinheiro circula no campo internacional, não tem a ver com o dinheiro interno dos países. Na prática, o que circula internacionalmente são as trocas de bens e serviços internacionais, que são da ordem de 4 trilhões e não podiam ser de 40, depois de expurgar as duplicações.

Isso significa que estão emitindo sem lastro. Como a emissão é uma coisa monopólica, de um grupo que é uma máfia secreta situada nos Estados Unidos, eles estão emitindo além da riqueza real. E, assim, sem controle de ninguém, eles podem se apoderar dos patrimônios do mundo, a troco de nada."

RETORNO - 1. A imagem é do pintor belga Jean-Michel Folon, da série Un orizzonte poetico, que está na mais recente edição da melhor revista cultural da Internet, Sagarana. 2.Leonardo Boff, no La Insignia, diz a mesma coisa: "Com a autonomização da economia e o enfraquecimento dos estados-nação é ilusório pensar que os presidentes eleitos sejam os que têm o comando sobre o pais. Quem decide os destinos reais do povo não é o Presidente. Ele é refém do Ministro da Fazenda e do Presidente do Banco Central que por sua vez são reféns do sistema econômico-financeiro mundial a cuja lógica se submetem. Quando o Presidente Bush fala à nação muitos seguramente o escutam. Mas quando fala o presidente do Federal Reserve (Fed) a nação inteira pára. O que ele tem a dizer significa a vida ou a morte de muitos empregos e do destino de empresas. Os donos do mundo estão sentados atrás dos bancos, são os que controlam os mercados financeiros, as taxas de juros, as infovias de comunicação, as tecnologias biogenéticas e as indústrias de informação."

18 de janeiro de 2006

RETORNOS DE VERÃO




Uma frente fria insiste em ficar na ilha já que o mormaço de Sampa impede que aqui se dissipe o frio e o vento. Mas tivemos um esplendoroso verão nas duas primeiras semanas de janeiro. Banhos de manhã e à tardinha, com direito a duchas generosas no meio da tarde, quando o sol venenoso impede que fiquemos na areia.

O mar atrai visitas ilustres, e a primeira delas foi a de Delmar Marques e Denise, que aqui estiveram por uma semana, depois de passarem pela Guarda do Embaú e Campeche. Abastecido de alguns exemplares do livro do Delmar sobre os índios minuanos, recebo de presente o documentário em dvd que ele produziu numa pequena e eficiente câmara Sony. Me avisa que está já no segundo livro da saga, em adiantado estado de criação.

Rumo ao sul da ilha, passo por todos os terminais de ônibus para visitar Tabajara Ruas, recém saído de intensa atividade como cineasta. Seu General e o Negrinho promete ser o grande acontecimento cinematográfico de 2006, com performances poderosas de Tarcisio Meira Filho, Miguel Ramos e Werner Schunneman.

Aqui ao lado de Ingleses, na praia de Cachoeira, encontro pessoalmente pela primeira vez, depois de muitos anos de amizade telefônica, profissional e virtual, meu amigo Paulo Paiva, jornalista da pesada, um dos caras mais bem informados da República (qualificação que ele, na sua modéstia sincera, não concorda), que aqui esteve com mulher e filhos para uma temporada no litoral. Paulo me fala do que a imprensa faz ao selecionar notícias de escândalos e me coloca por dentro de fatos impressionantes. Conversar com Paulo, gentil, sério e receptivo, é estar no centro dos acontecimentos. Ele me repassa livro de poemas de um estreante, que ainda vou comentar aqui no DF.

Pelo telefone, ao entardecer, no início da semana e reinício do meu trabalho na editora Empreendedor, converso animadamente com Miguel Ramos, que elogia o poema publicado aqui no blog, Ponte de Pedra, escrito sobre foto de Anderson Petroceli. Miguel Ramos é emoção o tempo todo, generoso nos seus comentários.

Na editora, folheia duas edições que fiz com a brava equipe da empresa: a mensal, com bela capa de Gustavo Cabral e Carol Herling sobre a longevidade dos produtos antigos, reportagem de Fabio Mayer, e a semestral, sobre negócios rurais, que estampa uma das paixões do diretor da Empreendedor, Acari Amorim produtor de vinho. No final do ano, Acari nos apresentou uma jóia da sua produção (feito em parceria com outros sócios), um legítimo Quinta da Neve, de São Joaquim, já elogiado por especialistas.

Parece crônica social? Nem um pouco. O verão é quando as pessoas estão em trânsito, banhadas de sal, felizes por estarem fora de suas rotinas, elogiando a ilha e seus encantos, apesar do trânsito e da lotação. Dizem até que este ano está meio murcho em termos de movimento, com pessoas com pouco dinheiro andando por aqui. Gerente do supermercado onde faço compras aqui perto chama essa população de duristas. São os tempos de arrocho, que parecem não ter fim.

Mas a chuva fina expulsou todo mundo da praia, que foi lotar os shoppings. Hoje, para trabalhar, passei algumas horas dentro de ônibus lotados. É o custo de quem vive neste recanto, onde existe o Planeta Terra.

Luis de Miranda me envia excerto de seu novo livro de poemas, onde em um trecho sou homenageado.

Há uma pausa na acidez das palavras. São os retornos do verão. Nada melhor do que ilustrar do que a foto de Gustavo Cabral, editor de arte da Empreendedor, e participante do blog coletivo ilhéu Maisdeum.

ESPECIAL - De manhã, Paulo Paiva comentava que num avião cheio de estrangeiros, todos liam um livro. À noite, chegam as palavras avassaladoras do lúcido Gilberto Vasconcellos: "O capital videofinanceiro é a junção do banco com a mídia. Há um entrosamento entre os dois, sendo que no Brasil o vídeo estrutura o capitalismo bancário, no seguinte sentido: a televisão é um órgão, é uma ponta-de-lança do capital financeiro, dos interesses internacionais. Então, nós estamos vivendo num país específico, pois em todo lugar você tem a televisão e o banco. Mas, no Brasil, o peso do vídeo é absolutamente determinante. Por quê? Porque somos uma sociedade ágrafa, ou seja, a população não conhece as Letras, e todo mundo vê televisão. De modo que a televisão é um agente que está na infraestrutura econômica. Não é mais aquela superestrutura ideológica que se pensava antigamente. Não. A televisão é um componente fundamental do processo político. A televisão faz o Estado; a televisão determina o rumo da consciência. A televisão determina a atitude da nossa vida. Isso tudo está estruturado nessa fusão com o banco, com o capital financeiro, sobretudo o internacional, que é quem banca a mídia".

17 de janeiro de 2006

AS PALAVRAS DA NOVA DIREITA





Processo, transição, democracia, em desenvolvimento: a descoberta de que o mundo muda fez com que o pensamento conservador se apropriasse do discurso da transformação para torná-lo um aliado. Então as coisas nunca são como são, elas estão evoluindo, para pegar um conceito fundamentalista da moda. Isso faz parte do jogo democrático, dizem os conservadores diante das críticas. Estamos numa época de transição, para justificar que nada mudará nunca, já que se consolida essa idéia de uma coisa estar virando outra, ou seja, jamais é ela mesma, portanto jamais chegaremos ao final. E se chegarmos, será sempre algo a ser conquistado mais na frente. É como a brincadeira do dinheiro amarrado num fio de linha de costura. O fio é invisível, a nota está ali, no meio da calçada, dando sopa. O senhor muito distinto olha para todos os lados naquela tarde de verão, vestido que está com seu terno de linho branco, levanta a barra das calças para poder se abaixar lentamente e quando vai empalmar a nota o moleque escondido atrás do muro puxa o fio. É o fim de uma biografia. É um processo, entende?

JABÁ - Falando sobre Jabá, o ministro Gilberto Gil diz que o Minc até pode tentar acabar com esse tipo de negócio existente hoje no Brasil (a expressão é dele), e talvez esse esforço não seja exitoso (a expressão também é dele), mas deve-se tentar, entende? Quanto palavrório. Acabar com o jabá é acabar com o jabá, é impedir que a grana do Tesouro vá para mãos privadas de maneira ilegal ou ilegítima. Quem está no ministério sabe. Se existe jabá, é porque alguém dentro do processo (entende?) está por dentro. Então vamos parar com essa conversa para boi dormir, parar de se acusar de estalinista ou de assumir que é elite ou sei mais o quê, parar de dar um milhão de reais para o cineasta chinfrim filmar a encarnação do coisa ruim, parar de brigar por grana, parar com tanta indiferença e aplicar dinheiro onde se deve, e onde se deve todos sabem: não existe cultura sem educação. O velho MEC é que estava certo. Você impõe o ensino musical desde a primeira infância e o resultado é Cartola e Dorival Caymi. Você ensina francês e inglês no ginásio e o resultado é JK deslumbrando a imprensa francesa com sua lábia nessa língua em que até passe o alho soa bonito. Você transforma uma estação de radiofusão num centro de disseminação da cultura brasileira, incentivando e contratando grandes talentos, como a rádio Nacional, e você não só gera centenas de artistas de primeiro time como ainda ganha de brinde uma bossa nova. Você não libera milhões de reais para um ou deixa de liberar para outro. Não é assim que se faz. Pega esse milhão para o coisa ruim e manda sanear as escolas, passar uma pintura nelas. Começa daí.

SESTA - A indiferença é a mãe de todos os males. Como não temos cultura, ou seja, a cola que gruda espíritos em algo existente, e sim produtos culturais atirados a esmo, sendo a maioria da pior qualidade, e o que é bom está oculto, inacessível ou não faz mais o sentido de antes, então o que você tem é uma sesta gigantesca no deserto antes do Juízo Final. Você fez um poema? Que bom pra ti. Publicou um romance? Deve ser chato. Está criando um filho? Isso qualquer um faz. Conseguiu salvar uma empresa? Viraste conservador, hem. Alguém morreu? Ah, bom. Compraste uma casa? Mas que bairro pobre escolheste para viver. A única coisa que realmente emociona é dinheiro. Experimente um dia ter dinheiro, verá como todas as portas se abrem, como sorriem para ti, como te convidam para tudo. Mas confesse que você está duro. Estarás no limbo, o não lugar para onde nos tocam quando ninguém tem nada a ganhar conosco. Pareça rico, que jamais alguém te ofenderá. Seja correto, mas demonstre sua precariedade financeira e serás tratado como bandido. É assim que funciona, entende? Estamos numa época de transição. "Quando não houver mais classes", como disse o ministro Gil, às gargalhadas...A indiferença é não dar crédito às próprias palavras. Isso faz parte do jogo democrático. Entende?

RETORNO - Outra foto do Olhar Absoluto, Marcelo Min. Se eu fosse o Minc, contratava talentos como Min só para continuar trabalhando com total liberdade. O Brasil ganharia mais do que com tantas inutilidades vivendo às custas do dinheiro público.

15 de janeiro de 2006

BERTOLUCCI: A QUEDA INVADE O PARAÍSO





Bernardo Bertolucci é a perversão que se instaura como arte, é a Queda que senta sem ser convidada numa poltrona do Paraíso, é o sadismo como única representação humana, é uma traição que se enxerga como cânone. Ele inventou a não humanidade de Marlon Brando para definir a falta de rosto do cidadão do mundo, o horror que a imaginação inventa para revelar a caratonha urbana do pesadelo anti-familiar. Ele tortura John Malkovitch - essa arrogância de boquitas túmidas, esse indiferente megalomaníaco, esse carisma torpe - pelo deserto de lua lilás, de areia lunar, de por-de- sol de fim de mundo. Vai nos braços do gênio Storaro, que lhe deu um universo paralelo, capaz de identificá-lo, com seus chapéus de Dick Tracy a la Andy Warhol, suas gabardines sem Bogart, seus biotipos de cera por cenários de uma guerra estética, sem sentido, perdida antes de ser deflagrada.

Bertolucci é capaz de ensinar imperador chinês a usar o vaso, só pelo prazer de nos desviar da rota, de transformar manteiga em debate, de usar Kurosawa e William Wyler no último imperador só para poder brincar de teatro de marionetes, onde sua especialidade são os fundos de pano hipercoloridos, que voam a esmo pelo ar do cinema enfim perdido de suas origens. Bernardo é mau porque se vinga, usa o dinheiro a rodo para lambuzar de sangue menstrual a cara dos jovens atores no seu filme quase recente sobre a descoberta do cinema em Paris.

Ele jamais chegará à genialidade que reporta, de Fuller a Nick Ray, portanto lhe resta a memória plena de mentira, o escancaramento da sua incompatibilidade com o grande cinema. Bertolucci é a oportunidade que os ressentidos têm de tentar a genialidade, por isso seu cinema não conforta, suas histórias não levam a nada, seu lance maior é a mistificação fotográfica, sua loucura é mostrar aos pobres mortais que uma vida hedionda medra perto deles e que jamais atingirão esse plano, pois a elite verdadeira deixa a todos de olhos vendados, como ensinou Kubrick no seu filme final.

Como ele consegue impressionar os que lhe são idênticos, pois sobra gente que jamais foram possuídos pelos deuses que precisam entender o gênio que lhes escapa, Bernardo faz um sucesso razoável na mídia ávida por grandes cineastas. Mas não existem mais os kurosawas, então Bertolucci se destaca num lixão de tarantinos, com seu toque de maestro, sua contrafação de Visconti, sua incompatibilidade com Fellini, seu namoro com o impressionismo, seus afrescos em murais gigantescos de uma capital inexistente, onde ele reina, com suas crianças que se masturbam de verdade em frente às câmaras, como se o cinema de vanguarda tivesse nascido do festim e não da reflexão e da denúncia.

Por ser essa mistificação, Bertolucci abriu as comportas para que os medíocres pudessem posar de autores. Mas ele ficou à parte do entulho que permitiu existir.

Tornou-se cult pela insistência, memorável por ter dado o recado mais direto possível numa época de mudanças profundas, por ter desprezado o que pensavam ser real e por ter dividido com a equipe o cinema que conseguiu fazer, nem tão importante quanto pensam seus admiradores, nem tão hediondo quanto pensam seus detratores, nem tão genial como ele gostaria que fosse. Mas igualmente vivo, apesar dessa paisagem morta. Mas igualmente forte, apesar dessa fraqueza de caráter. Mas igualmente fundo diante da imbecilidade que tomou conta da sétima arte.(Nei Duclós)

14 de janeiro de 2006

VOCÊ ACREDITA EM DOCUMENTÁRIO?





Esses documentários sobre a natureza são subprodutos do evolucionismo midiático. Todos dizem a mesma coisa: que a natureza chama para a procriação, que os machos se exibem para namorar, que os filhotes treinam nas brincadeiras suas vidas selvagens futuras, que os bichos vivem para acasalar, que se sacaneiam uns aos outros, roubando peças para o ninho (pode ser pedra ou galho) e assim por diante. Os animais são criaturas sem vontade própria, jamais têm um momento de lazer (a não ser como sinal de preguiça ou outro tipo de sacanagem), não raciocinam e vivem ali à mercê dos cinegrafistas. Os narradores, com suas toneladas de falas científicas, nos torram a paciência mostrando sempre a mesma coisa. Não existe nada mais igual do que uma paisagem natural do planeta. O problema é que a imagem captada pela câmara não é natural, é fruto de uma percepção, humana e artificial, ou melhor, cultural (ou quase). Dizem que o Greenpeace ganhou força quando assassinou um monte de foquinhas e filmou, para escândalo geral. Dizem.

SANGUE - Dizem também os jornais que Lula decidiu manter nossos soldados no Haiti depois de ver um documentário sobre Ruanda, que mostrava o massacre da população depois que as tropas da Onu se retiraram. Lula talvez prefira que os massacres ocorram enquanto as tropas brasileiras estiverem lá. O que mais me escandaliza é ver personagens da vida pública que eu achava terem desaparecido, como é o caso de José de Alencar, ministro da Defesa e vice-presidente da República, e o assessor para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia. Eles nem querem cogitar a retirada das tropas. São, portanto, coniventes com as mortes que virão. Achei que fazia parte da literatura esses velhos que mandam a flor da juventude para a morte. Mas eles estão entre nós, com suas certezas. Com as mãos cheias de sangue, vão ter que responder à História. Ou pelo menos aos contemporâneos, quando os sacos plásticos chegarem recheados de cadáveres. Vai correr muita bala no Haiti e nós estaremos lá, a mando do Império, com o empurrão desses dois focas gigantes, que se fossem filmados nesses documentários da natureza arrancariam risos da platéia. Mas estão em cargos importantes e devemos tremer de terror diante deles.

ESCÁRNIO - O documentário descreve a paisagem para que ela seja devorada. É a representação do Império. Os americanos palmilham todo o território com seus documentários, mostrando que podem tocar em aranhas, pegar jacaré a unha, deixar que escorpiões passeiem por seus braços. É sinal de que podem tudo, colocar suas patas em todo o planeta. No rally Paris Daccar, que ontem, segundo a carinha preocupada de Sandra Anneberg, da Globo, matou uma criança pobre num acidente, o desprezo pela paisagem é o espetáculo da barbárie avançando sobre territórios pobres dominados. Os participantes quebram a bacia, as costelas, os braços, morrem, matam. E a mídia lá, louca por sangue e pela indiferença. Documentam o escárnio milionário da tecnologia usada de maneira arrogante. São os heróis de araque do nosso tempo, esses sujeitos que nada fazem a não ser figuração diante das câmaras. São leões marinhos, albatrozes, peixes-boi, a exibir seus folguedos para platéias sedentárias. Mas tudo é considerado normal. Como é o nome da menina atropleada e morta na Mauritânia, ou algo assim, ontem no rally? Quantos anos tinha, o que queria ver, ou estava apenas ali e foi colhido pelo assassino? O bestalhão luta com todas as forças para chegar em primeiro lugar. Mata se for preciso. As câmaras aceitam. E os apresentadores e doras de tv piscam os olhinhos. O gado humano está exposto em seus patéticos sonhos de enriquecimento e para isso fazem qualquer coisa, até participar do Big Brother.

RETORNO - A foto é Cachorros, de Helcio Toth, um fotógrafo de verdade.

13 de janeiro de 2006

QUASE CULTURAL





A expressão é de Gisele Bünchen, hoje na Folha. Ela diz que o problema da corrupção no Brasil é quase cultural. Achei o conceito interessante. Talvez tenhamos uma quase cultura, com quase escritores e quase artistas. Temos corruptos a um passo da consolidação institucional do imaginário do País. O que é a literatura que se faz na Internet? Quase cultura, pois não é assimilada pelos ethos nacional, fica à margem. E o que dizer dos romancistas que lançam seus livros anônimos, dos poetas que passam oitenta anos no ostracismo, dos novos talentos que desistem diante do paredão de indiferença? Só o que temos de completo são as celebridades.

PERFIL - Temos grandes celebridades, como Gisele, Ivete Sangalo, Leonardo, os irmãos Camargo. Mas são personalidades que fazem parte da quase cultura, pois apesar de dominar todos os espaços da programação e da publicidade, não chegam a definir o perfil do país, são algo passageiro. O Brasil tem muita coisa, como disse Gil num concerto internacional. Acrescento: tem quase muita coisa. Temos um quase suicídio no Haiti, uma quase democracia que no fundo é ditadura, quase políticos que negociam e barganham tudo, só não abrem mão de fazer ao mal ao país. Talvez não façam todo esse mal. Quase nos prejudicam. Nós quase vivemos, na nossa quase vida e nossas quase mortes.

DIREITA - Cruzo a ilha de Santa Catarina na maré alta do verão e vou para o fundo do território, no sul onde tudo acaba. Na viagem paro em todos os terminais e faço baldeação. Os banhistas com suas roupas, mochilas, pranchas de surf, lotam os ônibus. Um grupo discute política. Repetem todos os lugares comuns do quase país. Possuem certezas sobre tudo e retroalimentam o pensamento de direita, achando que produzem pensamento independente. Tenho medo que um candidato explícito de extrema direita se candidate e vença as próximas eleições. Basta uma só pessoa ter essa coragem e um quase partido apoiar. Terá votação em massa. Voto nulo, disse um passageiro, convicto. Quem vai tirar-lhe a razão? Agora ninguém fala num candidato da direita. Estão todos ocupados com serras, alckmins, garotinhos e lulas. Acham que a direita é apenas Maluf, que está fora. Mas alguém que defenda a pena de morte (em massa), que denuncie os esquerdistas que entregam o país, que fale em Brasil grande e pregue o moralismo rastaqüera e coisas que tais poderá arrasar nas urnas. Se houver esse perigo real, se acontecer essa candidatura, aí todos acordarão. Mas será tarde demais. Brrrrrr.

ACORDOS - Naturalmente, dirão que não há esse perigo. A pirataria internacional, graças a Lula, descobriu que pode confiar em candidatos que se dizem de esquerda ou socialistas. O exemplo das eleições do Chile provam isso. Não precisam mais da direita, já que a esquerda dá conta do recado. O presidente do Uruguai, que ameaça fazer acordos bilaterais com os americanos, detonando assim o Mercosul e abrindo a guarda para a Alca, é outro exemplo. O problema é o que chamam de populismo, Evo Morales ou o Chavez. Mas esses estão enquadrados na demonização ideológica e cometem erros que os erradicarão do poder. O fato é que a direita com punhos de renda tomou de assalto os países pobres do continente, com exceção do Kirchner, que me parece um estadista diferente. Kirchner é fruto do panelaço, da identidade nacional da criatura Argentina. Se pisar na bola, dança. É o que precisamos no Brasil. Alguém que atenda as reivindicações populares sem cair nos extremos da desgraça. Mas parece que Quércia (brrr) está ressuscitando. Que poderá haver mais deputados no Congresso. Que o Tesouro Nacional continuará tungado. Que a operação tapa buracos , apesar de todas as criticas, vai eleger o novo governador do Amazonas. Quem entende de política?

RETORNO - A foto é de Anderson Petroceli,fotógrafo completo, sobre os encantos visuais do rio Uruguai.

11 de janeiro de 2006

TIRANIAS AO PORTADOR





Três cenas seguidas de Belíssima ontem, terça, repetem a mesma situação: o patrão ou patroa se irrita com a empregada e a expulsa com um vai vai vai. No ultimo domingo, o Fantástico mostrou como as empregadas modernas sabem usar o zap e o micro e são tão eficientes manipulando as novidades eletrônicas. Na Folha, Paulo Coelho diz que não vive como um milionário, pois gasta apenas oito mil euros mês, sendo que dois mil euros são para sua empregada. Você precisa ter cuidado ao abordar o assunto Paulo Coelho. Como é um escritor bem sucedido, os príncipes da Revolução podem achar que você está com inveja. Mas como, parafraseando JK sobre o medo, Deus poupou-me o sentimento da inveja, e o assunto aqui são as tiranias do país escravista, é preciso dizer: não importa o quanto você pague ou o quanto a pessoa que o serve tenha condições de usar de maneira eficiente um computador ou uma cortina movida à distância. O que está em foco é a relação senhor/escrava, que não muda nunca, antes é reiterada pelas novelas (o festival de chicotes e mucamas nas tramas das outras redes, em horário nobre, chega a doer de tão insistente). É fundamental manter o vínculo, esse atraso, em que as tarefas são divididas entre os que pagam e os que se submetem a limpar a sujeira alheia.

PRAGA - Esse poder se espalha pelo tecido social como uma praga. Onde você estiver, tem um senhor querendo dar ordens. São coisas simples, cenas corriqueiras, que podem parecer implicância de quem as aponta. Mas está ali o vírus do Mal, que é fundamentalmente a exclusão do Outro ou seu uso em benefício próprio. Veja no trânsito como as mãos se levantam em ordens explícitas, ou como te chucham por trás, encostando o carro até o limite da irresponsabilidade, para que você saia do caminho e nunca mais tenha o desplante de se interpor na frente do indigitado. Tente abrir um freezer no supermercado. Chega o mangolão poderoso e te empurra (aconteceu comigo) até o idiota se dar conta que tinha outro antes dele querendo escolher o mesmo produto. Nas filas, há dois momentos: quem está na frente não anda, antes empata, deixa que ela produza um vasto vazio, criando assim o caos numa ordem que foi feita para ajudar o fluxo do atendimento; quem está atrás suspira fundo e tenta de todas a maneiras passar por cima de você, te driblar, aproveitar as curvas da fila para passar na frente.

MONSTROS - Esses carros utilitários usados em espaço urbano, principalmente na praia, sempre carregam algum cretino dentro. As pequenas carrocerias são para levar o caráter em pedaços de quem está no volante. E tem essas camionetas que parecem monstros, que roncam por todo o lado, mostrando quanto poder tem o proprietário. Movidos a óleo diesel ou a ouro em pó, elas ocupam todos os espaços com manobras demolidoras. Nas calçadas lotadas (isso notei em São Paulo) sempre quem está atrás pisa no teu calcanhar e você jamais pisa no calcanhar de quem está à frente. A gentileza é minoria? Ou para ser gentil é preciso romper o vinculo reiterado de exclusão e poder social de uns sobre os outros? Fui comprar algo na revistaria. Esperei quem estava na frente. Quando chegou a minha vez, o jovem de corpanzil de toicinho sarado se debruça no balcão, com o dinheiro na mão e impõe a sua vez. A atendente, com absoluto senso de justiça, manda que ele espere e pergunta o que vou comprar. É uma luta diária, essa contra a cretinice. Se a vez for das nacreditos (aquelas que se encontram e gritam que não acreditam) então, aguarde mesmo. Elas vão encher com suas abluções coletivas até o osso, impedindo que a fila ande.

JAULA - O impressionante é que você liga no noticiário e lá estão as materinhas sobre solidariedade. Mas olhando firmemente, vemos que os patrãozinhos e patroazinhas vestem camisetas de ongs para ensinar a essa gente (todos esses que são pobres) como ser gente como a gente. Sejam gente, mas não venham disputar meu espaço. Sejam gente, mas limpem meu banheiro. Sejam gente, mas me vendam minha alforria, pois assim posso me livrar da culpa. Sejam gente, mas permaneçam na jaula. Vai vai vai.

RETORNO - 1. Foto magistral de Marcelo Min, tirada na sua viagem ao rio São Francisco. 2. O uol voltou a me quicar. Tentei responder e-mails ontem, voltaram. Preciso esperar que o Uol permita que eu me corresponda com pessoas que usam esse endereço (universo!!! on line, não é pouca coisa). 3. Urariano Mota me envia historia escabrosa de fraude do mundo literário. Prostituto autor de livro inglês era falso, invenção de uma senhora de 50 anos. Mas a mentira, travestida de verdade, ganhou espaço nobre na imprensa pátria. Os cadernos culturais esmeram-se em deixar escritores legítimos no ostracismo enquanto correm atrás do primeiro que mostra o charme e o veneno da arte de fornecer o fiofó na esquina.

10 de janeiro de 2006

PAULO AUTRAN NA TV





A entrevista ao Canal Livre, domingo à noite na Band, de Paulo Autran, foi um espetáculo de lucidez e talento. Ele falou coisas decisivas de tão evidentes. Uma, a de que sempre repetiremos os erros, pois nascemos zerados a cada geração. Outra, a de que a televisão aposta na burrice e se dá mal, pois toda vez que há um programa de qualidade, este faz sucesso. Citou o seu clássico Quadrante, em que recitava crônicas de um time completo, de Drummond a Rubem Braga. Falou também do abandono do teatro pelo poder público, dizendo que Gil, apesar de muito talentoso e eficiente em ganhar dinheiro com seus shows, jamais foi ao teatro. Disse também que seus espetáculos têm tido casa lotada, que lançou vários discos com poemas brasileiros de primeira grandeza e revisitou o poema Meus Oito Anos, de Casemiro de Abreu, como se o autor tivesse escrito aqueles versos hoje. Trazer Autran só para fazer novela é de um mau gosto sem fim. Deveriam deixá-lo fazer o que sabe e gosta, permitindo que expresse suas opiniões, sempre contundentes. São raros momentos como este na mídia. No embalo, destaco o artigo de Luís Nassif sobre JK, publicado na Folha.

MAIS JK - Nassif disse, do seu jeito, o que foi dito aqui: que JK é obra da era Vargas e o Plano de Metas já existia no governo de Getúlio dos anos 50. Entregou também que JK caiu nas graças de David Rockfeller, o inventor do neo-colonialismo e deu alguns exemplos da falta de lealdade política do presidente bossa nova (como a de demitir um enfartado). Nassif, mineiro, deve ter ficado com vergonha com a overdose juscelinista que está tomando conta da mídia e resolveu colocar esses pontos. Não nega o carisma de JK nem sua capacidade empreendedora. Mas é bom ficar atento ao que Nassif diz, pois corremos o risco de criar um mito que pode ser decisivo nas próximas eleições, desde que algum candidato resolva assumir a persona que está sendo retratada na série da Globo. Como político, JK, segundo Nassif, foi invenção de Benedito Valadares, então interventor do Estado Novo em Minas Gerais. Benedito foi um tertius escolhido por Getúlio, pois a elite política do estado estava dividida. Sua escolha foi um golpe fatal nas pretensões de Virgilio de Melo Franco, revolucionário de 30, e autor do célebre Outubro, 1930, livro obrigatório para quem quiser conhecer os bastidores da conspiração.

DIREITA - O pensamento de direita continua vivo e nada melhor para crescer e prosperar do que a atual crise, em que um governo eleito tudo fez para desmoralizar as lutas populares. Não há debate real, apenas bate-boca de posições ideológicas graníticas. Ter o espírito livre nessa altura do campeonato é uma receita infalível para o mal entendido. Costumo avançar o sinal, mas decidi não ficar mais no cabresto de cobranças. Procuro colocar aqui o que eu sinto e acho, sem atentar para os perigos dos desvios de direita ou esquerda. Muitas vezes me arrependo da contundência com que escrevo, mas pelo menos tenho procurado eliminar o fosso entre o que realmente penso e o que realmente temo. O grande perigo é que o pensamento de direita medra na sombra, sem que a imprensa tome conhecimento disso. É preciso trazer o monstro para a sala antes que ele comece a fazer estrago derrubando primeiro a cerca e depois arrombando a porta. Cuidado: o atual governo está sendo acusado de revanchista e tomado como exemplo de que a esquerda pode fazer com o Brasil. O governo não é de esquerda, segundo palavras do próprio presidente. Mas a oposição que realmente significa um perigo é de direita. Travestida de nacionalismo, capitalismo ou sei lá o quê, poderá surpreender nas urnas. E aí, meu irmão, escolha a sua embaixada. Por isso insisto: soberania sem xenofobia, espírito livre sem armadilhas pseudo-ideológicas, religiosidade sem fundamentalismo, transparência de pensamento, coragem de dizer e democracia de verdade, fora das imposições internas e externas.

9 de janeiro de 2006

MEIA VOLTA, VOLVER





A morte do general Urano Bacellar com um tiro na cabeça coloca a participação brasileira na intervenção do Haiti fora da ordem mundial. Se nossas tropas foram garantir segurança para a população, como reza a ONU, e as tropas estrangeiras estacionadas no país perdem seu comandante de maneira misteriosa, dentro do seu próprio quarto, morto pela própria arma, não quer dizer que fracassamos, mas sim que estava tudo errado desde o início. A pífia cobertura da mídia nos traz uma certeza: toda vez que há uma morte abusada, explícita, ampla e imediata, para usar as palavras do governo brasileiro sobre a investigação que pretende fazer no local do crime, a imprensa praticamente se cala. Foi assim com o médico legista do caso Celso Daniel, que morreu também misteriosamente depois de dar entrevista para Jô Soares confirmando suas denúncias de que a vítima fora torturada antes de ser assassinada. Há medo, para não dizer cagaço. Tudo indica que depois da bem sucedida missão em Timor Leste de Sérgio Vieira de Mello, os bandidos internacionais não deixarão que o Brasil, com sua vocação pacifista, mude o rumo dos acontecimentos. O que interessa à indústria de armas e à extrema direita é o caos e o sangue. Soluções, nem pensar.

BRAVOS - Traga os soldados de volta, Lula. Diga para a ONU: agora é com vocês. Perdemos nosso comandante, que enlutou o Exército e a família. Não transforme o Haiti no nosso Iraque de araque. Diga: foi um erro, virem-se. Por que temos lá 7.200 bravos, um contingente muito maior do que os dos outros países? Enfrente as contradições naturais das Forças Armadas e encontre as melhores soluções. Cuide do nosso território, tão invadido. Arranque essas bandeiras estrangeiras da Amazônia. Não deixe que FAB exiba aquelas aviões pesadões e antiquados e coloque a Embraer a serviço da renovação da frota. Temos uma porção gigantesca do planeta em nossas mãos, fruto de luta insana por séculos e gerações. O Brasil é uma obra política de primeira grandeza, não pode atolar-se na miséria de um outro país, que de nós deveria receber apenas ajuda civil e não remunerada. Não participe do que querem fazer no Haiti, onde as eleições se aproximam e a ameaça de massacres se torna cada vez mais concreta. Retire-se com honra, pois perdemos um bravo, vítima não da refrega franca e aberta em campo de batalha, mas de algo sinistro que ronda o futuro daquele país. Não deixe que enlameiem as Forças Armadas brasileiras, presidente. Tire seus capacetes azuis e coloque de novo o verde oliva. Traga os rapazes de volta, Lula. Antes que seja tarde demais. E desista dessa besteira de Conselho de Segurança da ONU. Não temos segurança nem na esquina, no que podemos contribuir para segurar o mundo?

BATALHA - Não compactue com algo que você não entende direito, presidente. Veja no que transformaram nossos soldados, em luta salarial por meio das esposas, sem poder sustentar os novos recrutas no número adequado, sem instrumentos, com seus acervos sendo invadidos pelo tráfico de armas, com mortes inclusive dentro dos quartéis. Num espaço militar, um oficial foi morto porque colegas quiseram roubar seu carro, lembra-se dessa notícia que sumiu da mídia? Não incentive mais a identificação das Forças Armadas com a ditadura. Historicamente, elas são muito maiores do que esse período complicado da vida nacional. Queremos admirar nossos soldados, presidente. Queremos que a flor das gerações encontre na caserna a formação completa e gloriosa da cidadania. E incentive o debate sobre tudo o que aconteceu com a participação militar. Procure entender as Forças Armadas brasileiras e não tentar abraçar, com sua megalomania, o mundo que nos escapa. O modelo não é o Bush, presidente. É o Duque de Caxias, que venceu o Paraguai no campo de batalha e não compactou com o massacre da população promovido por aquele europeu pomposo, o Conde D'Eu. Não compactue com a explosão que vai ocorrer no Haiti, presidente. Se nossos soldados voltarem num funeral, como acontece agora com o general Bacellar, prepare-se para arcar com um erro histórico. O maior da sua desastrada gestão, que tanto mal faz ao Brasil.

RETORNO - Foto de Marcelo Min sobre o Velho Chico: vamos cuidar da nossa casa.

8 de janeiro de 2006

O ATOLEIRO DO HAITI





Quando a mídia da ditadura fazia materinhas humanas sobre a emoção do embarque das tropas brasileiras para o Haiti, o Diário da Fonte previa o atoleiro em que estávamos nos metendo, o que já era confirmado pelos analistas sérios e repórteres de primeira. Se existe jornalismo hoje é porque temos no front pessoas como Osmar Freitas Jr., com quem tive a oportunidade de trabalhar na Folha Ilustrada e há décadas mora nos Estados Unidos. Osmar foi quem me indicou para o Wagner Carelli, o que me permitiu ir para a IstoÉ de Mino Carta no final dos anos 70. Além de brilhante repórter internacional, Osmar é um dos maiores escritores do Brasil.

MASSACRE - Na IstoÉ, ele nos deu, semanas atrás, uma luz sobre o embrulho brasileiro no país vizinho a Cuba: "Encarregada de promover a paz, a Missão das Nações Unidas de Estabilização do Haiti (Minustah) virou alvo de denúncias. Um grupo de organizações não-governamentais americanas acusou as tropas da Minustah de ter participado de massacres no Haiti à Organização dos Estados Americanos (OEA). Na denúncia, pedem a condenação do Brasil, que comanda as tropas, e dos Estados Unidos, que financiam parte da operação, pela morte de 63 pessoas e o desaparecimento de outras 14 ? todos civis". Pois bem. Ontem, o general Urano Bacellar, nascido em Bagé, apareceu morto com um tiro. No seu lugar entrará um general chileno acusado de colaborar com Pinochet. Dizem que o general Urano, homem formado para a guerra, estava tenso e se suicidou. Se a moda pega, o suicidionato vai tomar conta do Brasil.

PROTESTOS - O envolvimento do Brasil no Haiti é mais um ato de irresponsabilidade do governo Lula (que ontem nos brindou com o modelito deste verão: sunga e pança). De costas para as Forças Armadas, Lula torturou a classe militar com um aumento salarial pífio (enquanto a grana rolava pelas malas e cuecas), dado aos poucos, o que gerou uma onda de protestos por parte das esposas dos oficiais. Sobram denúncias de que o aparato militar brasileiro está sucatado. Para que Forças Armadas se não dispomos de soberania? Quando a ditadura livrou-se dos militares, deixando-as à própria sorte, humilhando-as com um ministério da Defesa civil (uma invenção da ditadura da República Velha), fez a pior coisa do mundo: erradicou do imaginário brasileiro sadio a participação militar na História do Brasil. Os militares ficaram com a fama da ditadura, quando é evidente que esta foi obra da elite civil, do coronelato dos sertões e dos manda-chuva do sistema financeiro. Usada para implantar o regime de 64, que vigora até hoje, a farda recolheu-se. Homens de palavra, os militares nunca mais fizeram qualquer intervenção na política. A vocação legalista, a identificação com a República, a participação efetiva na formação e desenvolvimento do Brasil, fazem das Forças Armadas brasileiras uma instituição poderosa de união nacional e não deve ser usada para servir aos interesses megalômanos de Lula, que quer participar do Conselho de Segurança da ONU sem ter cacife para isso. Precisamos dos militares unidos com a nação, que é o povo. O golpismo americano no Haiti é problema deles.

ESCÂNDALO - No último Globo Repórter, o tema era os brasileiros que viraram estrangeiros no Exterior. Um deles, jogador de basquete de São Carlos, ganha milhões sendo americano. Nosso astronauta teve formação sólida na Força Aérea, mas foi usado pela Nasa. O escândalo é não termos um programa espacial de ponta, e o que tínhamos em Alcântara foi misteriosamente explodido. Somos os melhores, mas não aqui. Para provar isso, temos que emigrar, mudar de perfil e até, às vezes, de nacionalidade. Bebês da favela vão ser gente na Europa, mas sofrem discriminação. Há um festival de assassinatos de brasileiros no Exterior. Desta vez foi na Austrália. Estudante brasileiro negou cigarro para uma turba, que o massacrou no Ano Novo. Até quando a nação ofendida suportará o assassinato em massa dos seus filhos? Mas não podemos reclamar, senão seremos acusados de patrioteiros.

RETORNO - A cena bíblica de Lázaro e Cristo é de Fulvio Pennacchi. Na sua coluna no Comunique-se, mestrer Moacir Japiassu escandalizou-se com uma repórter que ao entrevistar o ator Lázaro Ramos, surpreendeu-se com a originalidade do nome e perguntou de onde os pais tiraram essa preciosidade. Em Portugal, só pode nome que está na Bíblia, por isso sobra Manoel e Joaquim. Aqui, é terra de Rosicleides, Jordinelso, Joiltons e do impronunciável Danrlei. Nome próprio dos cidadãos faz parte da soberania. Deixar que a ignorância ágrafa destrua essa nomenclatura é sinal evidente do atoleiro em que estamos metidos.

EXTRA: ATUALIZAÇÕES DO SITE CONSCIENCIA

O criador e responsável pelo mais importante site de filosofia em língua portuguesa, Miguel Lobato Duclós, brinda seus mais de quatro mil leitores diários com um pacote impressionante de atualizações: novos textos e colaboradores, uma oficina de traduções, uma nova versão para o forum, entre outras. É a seguinte a mensagem que ele está difundindo:

"Esse é o sumário das atualizações do site de filosofia
http://www.consciencia.org/

1. Reformulação do Fórum de Discussões - O Fórum de Discussões do site existe desde o ano 2000, conta com mais de 900 membros e cerca de 8000 mensagens. O desenvolvimento do software que usávamos estava estagnado desde 2002, de forma que optei por mudá-lo. Do Discus fomos para o SimpleMachines (SMF). Por isso, agora o fórum conta com bem mais opções e recursos que incrementam a experiência online do usuário e facilitam o dinamismo dos debates.

Conseguimos converter as mensagens e a mesma estrutura de tópicos. Os mesmos usuários e senhas foram mantidos. Porém, alguns detalhes se perderam, como a página configurável do perfil de usuário e o link para o perfil em algumas mensagens. Os URLs do antigo fórum de discussões também foram substituídos e em breve não poderão mais serem acessados. O acesso ao Fórum deve sempre ser feito a partir do endereço http://www.consciencia.org/forum/
Qualquer dúvida quanto a sua conta ou a nova interface pode ser postado no próprio forum ou encaminhada para forum@consciencia.org

2. Inauguramos uma Oficina Amadora de Traduções Coletivas de textos de filosofia, usando o software mediawiki, o mesmo da famosa Wikipedia, a enciclopédia on-line. Isso significa que propomos criar um ambiente de estudos virtuais onde se pode treinar e aprender tradução, interagir com outros estudantes, postar textos sob demanda. Sabemos que a filosofia tem forte ligação com a palavra escrita, e não pode descuidar do seu objeto, exigindo consideração e cuidado em cada trecho da leitura de um autor clássico. Por isso se encoraja na faculdade a leitura das edições originais. Portanto, pode-se aqui exercitar os diversos níveis de leitura que o estudante de filosofia tem em outros idiomas e também treinar a tradução, por hobby ou para casos mais sérios, como um exame de proficiência. A proposta é simples: posta-se um texto de filosofia em outra língua e a comunidade começa a traduzi-lo.

No ambiente da mediawiki, qualquer um pode editar as páginas existentes e criar novas páginas, de forma imediata, sem a intermediação da moderação. Nesse mesmo ambiente propomos também começarmos a desenvolver um dicionário coletivo de filosofia. As páginas criadas ficam licenciadas sob Gnu Public Documentation License. As traduções que forem consideradas estáveis serão publicadas na seção Biblioteca do site Principal. Mais detalhes de como participar desse projeto podem ser acessados em http://www.consciencia.org/wiki/

3. Na seção de Textos Introdutórios do site, acrescentamos dois textos, elaborados por Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho, professor de filosofia no seminário de Mariana (MG).
Paralelo entre Platão e Aristóteles:
http://www.consciencia.org/antiga/plataoaristotelesvidigal.shtml
E Quadro comparativo entre Epicuro e Zenão:
http://www.consciencia.org/antiga/epicurozenaovidigal.shtml

4. Foi acrescentado também um capítulo do livro de Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho sobre o Barroco mineiro, intitulado Filosofia e comunicação da Arte barroca

"O objetivo deste capítulo é enfocar o Barroco Mineiro numa tentativa de abordagem de sua mensagem sob ângulo ainda não visualizado pela crítica. A partir de uma realidade que existe, sob o prisma da filosofia da história, uma interpretação dentro da filosofia da arte." http://www.consciencia.org/moderna/barrocovidigal.shtml

5. Adicionamos uma tradução para o inglês feita pelo próprio autor, Felipe Luiz Gomes, do artigo Apropriação da subjetividade da classe trabalhadora: burocracia e autogestão, já publicado em nosso site. Felipe é professor assistente de Sociologia na UNESP:
http://www.consciencia.org/contemporanea/trabalhofelipe2.shtml

6. Um Trabalho Acadêmico de Marlene Santosi foi adicionado no corpo do site: Sobre a dimensão ética na formação do educador. Marlene é mestranda em Educação na USP e desenvolveu esse trabalho para uma das disciplinas cursadas: http://www.consciencia.org/contemporanea/eticasantosi.shtml

7. Está funcionando em todos os textos do site principal um sistema que permite ao visitante adicionar comentários, críticas e elogios.

8. O erro de DNS que atravessou o ano de 2005 e nos levou a criar o alias em
http://consciencia.cybershark.net foi resolvido. Se você desistiu de visitar o site por conta daquela infame tela de login e senha que aparecia no endereço não oficial, convido agora a voltar, uma vez que conseguimos o problema.

9. Por fim, reitero o convite para os interessados participarem da comunidade do site no portal orkut.com em http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=5673279
Da mesma maneira, convido todos a continuarem colaborando com o site. É possível enviar seus links de filosofia no diretório de links, ou avaliar os links já existentes. É possível enviar fotos para incrementar o Banco de Imagens, que é uma de nossas seções mais visitadas. É possível também ? e necessário - ajudar a manter e ampliar esse trabalho com doações de qualquer quantia em nossa conta bancária:
Banco do Brasil
ag. 3559-9 cc. 167541-1
Saiba mais em http://www.consciencia.org/colaboracoes.shtml

Obrigado
Miguel Lobato Duclós"

7 de janeiro de 2006

O MAR PERDEU O MAR






Nei Duclós

O mar perdeu o mar
As ondas vem avisar
Netuno não cansa de gritar
Nem os búzios sabem onde está

A água bate na praia
E volta sem encontrar
Inúteis faróis acendem e apagam

Mas o mar está louco
E pediu para despistar
Não posso dizer nada
Quem se perdeu? Não sei
Brinco na areia e calo

RETORNO - 1. Poema publicado no meu livro No meio da Rua (L&PM Editores, 1979).2. A presença da magnífica foto de Helcio Toth faz parte da campanha do Diário da Fonte de devolver à imagem a sua autonomia. Por que a foto ilustraria o texto ou vice-versa? Pode ser que se sintonize pelo mistério, pelas perguntas ou simplesmente pela expectativa do olhar diante do poema.3. Atenção Tom Cardoso e todos os que têm endereço uol ou terra: às vezes recebo as mensagens e quase sempre não consigo enviar. Todos os meus endereços estão com problemas. Se não receberam meu retorno é porque a mensagem se perdeu, pois jamais deixo e-mail sem resposta. Me avisem aqui pelo Diário da Fonte.

6 de janeiro de 2006

A LEITURA DO QUEBRA-MAR




Bandeira vermelha fincada na areia significa perigo para os banhistas. Os salva-vidas fazem a auditoria neste verão, empurrando as pessoas para longe do lugar demarcado. Eu mesmo, que me achava distante o suficiente do alerta, fui advertido com gestos firmes por um desses raros profissionais da praia e que fazem falta por todo o litoral. Como desde o inverno me invoco com as bandeiras, resolvi parar um dos salva-vidas ontem, quando a tarde já ia longe e funda e deixava o mar com aquela cor de danúbio azul, pérola de cristal quase escuro, mar cristalino, salpicado pela renda branca das espumas. Como vocês sabem onde está fundo, onde tem buraco, onde mora a ameaça? perguntei. O rapaz se mostrou entusiasmado por me responder. Correndo o braço estendido pela orla, ele explicou que onde as ondas quebram bem na beirinha é porque o leito do mar está liso e não apresenta problemas. Mas se as ondas quebram antes (e apontou) é sinal que algo há, uma ondulação no terreno, um sumidouro. Disse também que a água chega na praia e precisa voltar e que uma área com buracos acaba atraindo essa água que chega mansa na vizinhança. Esse é o duplo perigo: falta o pé e o repuxo te leva. Agradeci a valiosa informação: um especialista é mestre na sua arte e nós, os medíocres no assunto em questão, devemos admirar quem sabe coisas tão simples quanto fundamentais.

OS BONS - Não se costuma perguntar pois há muita vaidade e indiferença. Como um simples salva-vidas poderá saber mais do que um manda-chuva como você ou eu? Pois é essa a impressão que tenho quando vou à praia: está cheio de manda-chuva. As pessoas caminham com seus sumários trajes de banho, mas ainda envergam, pelo hábito, o terno, a postura, o passo firme em direção aos outros, a cabeça erguida ou com um olhar sombranceiro (que faz sombra), e não raras vezes, empunham um celular. No caminho estreito que me leva ao mar, ladeado de vegetação, fiquei alguns segundos impedido de caminhar porque uma dupla na minha frente estava desenvolvendo uma conversa toda ela baseada no discurso dos jargões profissionais. Eles mergulhavam nas suas vidas cheias de camisas de força e não escutavam o que estava à sua frente: a divindade salgada, a paisagem infinita, o mar do Brasil soberano. No encontro entre as pessoas, há esse cumprimento estranho: se dão um tapa com as mãos espalmadas e depois fecham o punho e se dão um soco. Parece amistoso, mas para mim é a guerra. Por isso gosto de profissões como o de salva-vidas: estão voltados para os outros e conhecem o mar e suas confidências. Lêem a superfície para adivinhar o fundo e fincam suas advertências que tremulam na brisa de janeiro.

FURO - Tenho acompanhado a série JK, da Globo. Está naquela fase novela das seis, da República Velha. É assim que funciona: as novelas começam às seis com o início do século vinte, depois pulam para os anos setenta na novela das sete e finalmente chegam a nossos dias na das nove. Falta alguma coisa? Sim, falta o Brasil soberano de 1930 a 1964, enterrado de maneira proposital e que só vem à tona em programas especiais, para ser achincalhado. Preparem-se para a chegada da era Vargas na série. Não devemos esquecer que o vice-presidente do Grande Esbagaçador do Patrimônio Nacional era João Goulart. Sem o trabalhismo JK nada seria. JK foi o filho ingrato que ao perder o pai (Getulio, que se suicidou em 54) saiu gastando pelo mundo afora. Entregou o país ao iniciar um processo inflacionário que resultou na era FHC/Lula, em que o Brasil virou o rabo do mundo. JK foi derrotado de maneira arrasadora ao não fazer seu sucessor (ao contrário, justificou a ascensão do populismo, que é de direita, via Jânio Quadros). Foi ele quem colou como ninguém o conceito de política com o de irresponsabilidade (corrupção, inflação, entreguismo). Escancarou as portas para as multinacionais, que deitam e rolam até hoje e fez acordo secreto, dizem, com os gringos para sucatear o magnífico sistema ferroviário que dispúnhamos desde o Império. Tudo em favor do consumo da gasolina e do diesel, ou seja, da dependência.

COLHEITA - Mas agora JK é o cara que se fez sozinho e modernizou o Brasil, segundo a versão global. Foi reveladora a festa em que alguns personagens reais, como as filhas de JK, praticamente passaram o bastão para as atrizes. Os atores que fazem Juscelino também foram ungidos como os JKs de hoje. É assim que se faz uma ditadura: se reinventa o passado para justificar os desmandos do presente. Não adianta pesquisar exaustivamente se você não tem o vetor da História. E esse vetor é: Getulio modernizou o Brasil , pagou a divida externa, não deixou que a inflação e a incúria tomasse conta dos negócios públicos, cercou-se das mais brilhantes pessoas e morreu por ter feito tudo isso. No seu lugar entrou a contrafação JK, que colheu os frutos: Pelé foi produto da Era Vargas, mas só se tornou campeão em 1958; assim como Niemeyer, João Gilberto etc. Todas essas personalidades já estavam prontas quando JK assumiu, pois não? É tão simples que chega a dar dó.

5 de janeiro de 2006

OS GROTÕES DA GRANA





Há várias maneiras de ficar rico com um grotão. Abra umas picadas e envie para Brasília um relatório do seu projeto. A grana chega e é distribuída entre os espertalhões. Distribua lotes para pessoas que querem terra. No papel, 12 hectares cada lote, mas na prática apenas quatro hectares para a família assentada. Os outros oito você reserva para um grande latifúndio que está se formando com dinheiro público lá onde a onça bebe água. É terra oficialmente comunitária, mas é de propriedade da bandidagem que circula o poder. Eles tem a poshtura de ishtadistas: a de coronéis do sertão. E ainda existe a velha grilagem da direita, que toma a terra à força e expulsa os posseiros, tema recorrente entre os escritores.

ESCRITORES - Mas existe outro tipo de grotão na modernidade brasileira. Duvido que o ilustre (os cargos públicos nobilitam) ex-deputado cassado e ex-membro forte do governo vá ganhar dinheiro escrevendo (!) para um jornal do Rio de Janeiro, como anunciou. Pode até publicar seus garranchos, já que tem dinheiro para pagar ghost-writer. Mas cheira a outra coisa. E se está na lona, como diz seu novo amigo mago, como pode anunciar que tem dinheiro suficiente para viver dois anos sem trabalhar? Se fez política e assumiu o governo, então esse dinheiro é público. Há ainda o famoso biógrafo, que tudo justifica com suas firmes posições ideológicas e suas graníticas certezas jornalísticas. Por que não? a célebre não-pergunta de Caetano Veloso, parece ser o norte da geração de 68, a que voltou do exílio pela anistia para apertar a mão dos tiranos e participar da festa dos recursos abundantes que brotam por toda a parte do tesouro nacional.

BUFUNFA - Ideologia não serve para nada. O que conta é a bufunfa. E isso há de sobra, como mostrou Mônica Bergamo ontem na Folha ao reportar o ágape entre Paulo Coelho, José Dirceu e Fernando Moraes. Tudo em Mônica Bergamo é denuncia. É escandalosa, se for verdade, a posição de Paulo Coelho que mandou derrubar a casa do vizinho para ter vista melhor dos Pirineus (ou Alpes, sei lá), sem perguntar o preço. Quem pergunta o preço não tem dinheiro para pagar, disse ele. Sinal evidente de pré-capitalismo, de aristocracia feudal, já que negociar é a alma do sistema tão admirado por Marx. Ou seja, negociar é coisa de pobre. Isso pega no coração da classe média brasileira, que é uma pseudo aristocracia, que se ilude querendo ser o que não é: uma elite, no sentido clássico do termo. O que existe é a tigrada, expressão de Mino Carta, que lamenta não termos verdadeira classe média, a que sustenta o estado de Direito em países civilizados. É tocante a solidariedade de Paulo Coelho em relação a Dirceu. As gargalhadas, as baforadas, as frases na coluna de Mônica ontem (tem até deboche sobre religião) nos leva ao espanto absoluto. O que celebram os marmanjos?

PRATO - Celebram o fato de terem escapado dos grilhões da miséria e do terror. Estão numa boa. Merecidamente, dirão. Duvido. Quem consegue transcender suas origens sociais de maneira legítima não cospe no prato que comeu, não dá recado para eleitores da classe média e formadores de opinião dizendo que estão preparando uma espécie de rumo à estação Finlândia, tema do livro de Edmundo Wilson sobre a volta de Lenin do exílio direto para o poder. No fundo não importa o que escrevem, mas o que fazem com essa arte. Fazer sucesso justifica tudo? Ter publicado best-sellers te dá o direito de baforar em cima da nação exausta, perplexa e insurgente?

JK - Faça sucesso e depois conte como você foi pobre e conseguiu tudo às custas do esforço próprio. Não existe essa ilusão. Nenhuma carreira de sucesso está vinculada apenas às qualidades pessoais. É preciso ver o entorno. JK, por exemplo. O Brasil, segundo a série, era uma josta cheia de comedores de escravas (sempre isso, os diretores e atores da terceira idade adoram tirar uma lasca de atrizes jovens em cena), mas o rapagote com seu esforço foi lá e conseguiu. Picas. Quero ver onde entra Getulio Vargas e seu Brasil soberano na ascensão do médico mineiro. Certamente como empecilho, como ditador ou sei lá o quê. Não haveria JK sem Getúlio. Enquanto isso, a nação tonta de espanto se distrai vendo como o Brasil atrasadão foi salvo pelo salvador de Diamantina. JK chegou no poder depois que Getulio morreu lutando para modernizar o Brasil. Jamais vamos esquecer fato tão cristalino.

RETORNO - A imagem é o quadro "Paisagem Brasileira", de Fulvio Pennacchi.